Acórdão Nº 0300247-17.2018.8.24.0103 do Primeira Câmara de Direito Público, 14-09-2021

Número do processo0300247-17.2018.8.24.0103
Data14 Setembro 2021
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoPrimeira Câmara de Direito Público
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Nº 0300247-17.2018.8.24.0103/SC

RELATOR: Desembargador PAULO HENRIQUE MORITZ MARTINS DA SILVA

APELANTE: MUNICÍPIO DE ARAQUARI/SC (AUTOR) APELADO: COMPANHIA CATARINENSE DE ÁGUAS E SANEAMENTO - CASAN (RÉU) APELADO: ESTADO DE SANTA CATARINA (RÉU)

RELATÓRIO

Município de Araquari propôs "ação declaratória/cominatória" em face do Estado de Santa Catarina e da Companhia Catarinense de Águas e Saneamento - Casan.

Alegou que: 1) em 15-4-2010, celebrou Convênio de Cooperação para Gestão Associada por meio do qual as partes (Município, Estado e Casan) estabeleceram normas para o planejamento, regulação, fiscalização e a prestação dos serviços de abastecimento de água e esgotamento sanitário no Município de Araquari; 2) como a Casan vinha descumprido suas obrigações, instaurou processo administrativo para a extinção antecipada do convênio, observados o contraditório e a ampla defesa; 3) constatou a invalidade do pacto por afronta ao art. 10 da Lei n. 11.445/2007 e a possibilidade de sua rescisão com base no descumprimento de obrigações e na má prestação dos serviços prestados pela Casan; 4) editou o Decreto Municipal n. 49/2018 para extinguir o convênio e determinar que a Casan permita o acesso a todos os bens, equipamentos e utensílios afetos à prestação dos serviços; 5) também editou o Decreto Municipal n. 53/2018 a fim de constituir comissão para acompanhamento da transição e execução do contrato emergencial dos serviços com a empresa ESAC Saneamento e 6) quer assegurar o cumprimento do decreto e que a Casan "observe as suas prescrições, disponibilize as informações e documentos determinados, bem como não cause obstáculos à assunção dos serviços públicos de abastecimento de água e de esgotamento sanitário".

Postulou:

O deferimento de tutela antecipada, com a cominação de multa pelo seu descumprimento, para o efeito de:

a) ordenar que a CASAN se abstenha de retirar do território do Município de Araquari e das instalações do sistema de abastecimento de água do Município de Araquari qualquer equipamento ou bem afeto à prestação dos serviços públicos de abastecimento de água e de esgotamento sanitário;

b) ordenar que a CASAN permita que os representantes do autor tenham acesso e, por consequência, tomem a posse de todos os bens, instalações, maquinários, equipamentos e outros necessários para a efetivação dos serviços públicos de abastecimento de água e de coleta e tratamento de esgoto sanitário no Município de Araquari;

c) ordenar que a CASAN entregue a este Juízo, no prazo de 48 horas, o cadastro comercial digitalizado e completo de todos os usuários do Município de Araquari, Sistema Operacional, Banco de dados bem como cópia das faturas dos últimos 6 meses de todos os usuários;

d) ordenar que a CASAN se abstenha de praticar atos que obstaculizem a retomada, pelo autor, da prestação dos serviços de abastecimento de água e de coleta e tratamento de esgoto, na forma preconizada pelo Decreto Municipal nº 49, de 12 de Março de 2018;

[...]

i) a procedência total do pedido, para declarar a validade do Decreto Municipal nº 49, de 12 de março de 2018, e confirmar os pedidos de natureza cominatória deduzidos em tutela antecipada.

A inicial foi parcialmente indeferida quanto ao pedido de declaração de validade do Decreto Municipal n. 49/2018 e deferiu-se liminar para os demais pleitos (autos originários, Evento 5).

Em contestação, a Casan sustentou, em suma, que: 1) o convênio deve ser mantido, pois se trata de instrumento importante e de índole constitucional, tendo dele participado também o Estado de Santa Catarina; 2) não era exigível licitação e eventual rescisão deveria ser precedida de contraditório, o que não ocorreu; 3) descumpriu-se o art. 38 da Lei n. 8.987/1995, porque deveria ter sido concedido prazo para correção de supostos problemas; 4) está caracterizada encampação sem prévia indenização e lei autorizativa específica e 5) caso se permita a imissão na posse do sistema, deve ser garantido que a propriedade só reverterá ao Município após a indenização, a ser apurada em processo próprio. Em reconvenção, postulou a declaração de nulidade do Decreto Municipal n. 49/2018 (Evento 40).

Por sua vez, o Estado de Santa Catarina afirmou que: 1) não é tarefa do Poder Judiciário interferir na vigência de convênio firmado entre diferentes entes federativos, devendo ser observado o princípio da separação dos poderes; 2) inexiste irregularidade no pacto firmado; 3) a modalidade de extinção contratual eleita pela municipalidade é a encampação, que exige indenização e lei autorizativa específica e 4) não houve falha na prestação do serviço, mas sim violação por parte da municipalidade das normas constantes do acordo, notadamente aquelas referentes às garantias do contraditório e ampla defesa (autos originários, Evento 43).

Os réus interpuseram os agravos de instrumento ns. 4008379-86.2018.8.24.0000 e 4009436-58.2018.8.24.0900 e obtiveram provimento, em acórdão deste relator, para "determinar a posse da Casan sobre os bens afetos à gestão do sistema de abastecimento de água e coleta de esgotos sanitários de Araquari e manter a prestação dos serviços pela concessionária" (autos originários, Evento 54, CERT166).

Foi proferida sentença cuja conclusão, depois de opostos e acolhidos embargos de declaração da Casan, é a seguinte:

Ante o exposto, com resolução de mérito, JULGO IMPROCEDENTE o pedido formulado, nos termos do art. 487, inc. I, do Código de Processo Civil, ficando revogada a liminar outrora deferida.

Isento de custas, arca o autor com o pagamento do estipêndio, que fixo em R$ 10.000,00, considerando o reduzido valor atribuído à causa, nos termos do art. 85, § 8º do NCPC. (autos originários, Evento 73)



[...] tendo havido expresso pedido de declaração da nulidade, seu acolhimento entre os comandos da sentença - e não somente entre as razões de decidir - é decorrência lógica.

Ante o exposto, acolho os embargos de declaração, a fim de declarar a nulidade do Decreto Municipal nº 49/18. (autos originários, Evento 113)

Em apelação, o autor sustentou, em síntese, que: 1) não há falar em aplicabilidade do art. 38 da Lei n. 8.987/1995; 2) a própria Cláusula 4ª do contrato prevê outras possibilidades de extinção do convênio; 3) pela teoria dos atos administrativos, é possível sua anulação ou revogação; 4) o Poder Judiciário somente pode exercer controle de legalidade do ato, não lhe cabendo análise do mérito; 5) por meio de inúmeras notificações, foi concedida a possibilidade de melhora do serviço público ao longo do período de prestação de serviços pela Casan e 6) como ato normativo, o Decreto Municipal n. 49/2018 contém os elementos necessários dos atos administrativos (competência, finalidade, forma, motivo e objeto), inexistindo razão para declarar sua nulidade (autos originários, Evento 121).

Com as contrarrazões (autos originários, Eventos 127 e 128), a d. Procuradoria-Geral de Justiça se manifestou pelo provimento do recurso, em parecer do Dr. Newton Henrique Trennephol (Evento 11).

VOTO

O julgamento das apelações cíveis ns. 0300243-77.2018.8.24.0103 e 0300247-17.2018.8.24.0103 será feito em conjunto.



1. Mérito

A questão já foi analisada por este relator no julgamento dos agravos de instrumento ns. 4008379-86.2018.8.24.0000 e 4009436-58.2018.8.24.0900. Confira-se:

AÇÃO DECLARATÓRIA E COMINATÓRIA PROPOSTA PELO MUNICÍPIO DE ARAQUARI EM FACE DO ESTADO DE SANTA CATARINA E DA COMPANHIA CATARINENSE DE ÁGUAS E SANEAMENTO - CASAN. EXTINÇÃO DO CONVÊNIO DE COOPERAÇÃO FIRMADO ENTRE AS PARTES PARA A PRESTAÇÃO DOS SERVIÇOS DE ABASTECIMENTO DE ÁGUA E SANEAMENTO BÁSICO. PRETENDIDA IMISSÃO NA POSSE DOS BENS MÓVEIS E IMÓVEIS QUE COMPÕEM O SISTEMA. TUTELA ANTECIPADA DEFERIDA.

[...]

2) ALEGADA EXTINÇÃO DO CONVÊNIO NA MODALIDADE DE ENCAMPAÇÃO QUE EXIGE LEI ESPECÍFICA E PRÉVIA INDENIZAÇÃO. INSUBSISTÊNCIA. ROMPIMENTO DO PACTO EM RAZÃO DE SUPOSTO DESCUMPRIMENTO DAS OBRIGAÇÕES POR PARTE DA CASAN, O QUE AUTORIZA A EXTINÇÃO POR CADUCIDADE. INOBSERVÂNCIA, TODAVIA, DO PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO PREVISTO NO ART. 38 DA LEI N. 8.987/1995. PRAZO PARA CORREÇÃO DE FALHAS E TRANSGRESSÕES ENCONTRADAS NO PROCESSO ADMINISTRATIVO NÃO CONCEDIDO. PROBABILIDADE DO DIREITO DEMONSTRADA. SUPREMACIA DO INTERESSE PÚBLICO. GARANTIA DE PRESTAÇÃO DO SERVIÇO. AUSÊNCIA DE RISCO DE DESCONTINUIDADE. PERIGO DE DANO INVERSO PARA OS AGRAVANTES. DECISÃO REFORMADA.

"Nessa modalidade extintiva, não há qualquer inadimplência por parte do concessionário; há, isto sim, o interesse da Administração em retomar o serviço.

"[...] a caducidade não deixa de ser o efeito extintivo decorrente de atuação culposa do concessionário, ou seja, não deixa de ser o instrumento de rescisão unilateral do contrato [aqui entendido como convênio] por inadimplemento do prestador de serviço" (CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. 25 ed. São Paulo: Atlas. p. 403/404).

[...]

RECURSOS PROVIDOS. (de Araquari, j. 4-12-2018)

Reitera-se os argumentos consignados naquela oportunidade:

Município de Araquari, Estado de Santa Catarina e Casan assinaram "Convênio de Cooperação para Gestão Associada", em 15-4-2010, visando "o planejamento, regulação, fiscalização e a prestação dos serviços de abastecimento de água e esgoto sanitário de Araquari" com duração de 30 anos (f. 54/64 do processo de origem).

Quanto às formas de extinção do convênio foi pactuado:

CLÁUSULA SEXTA: DA EXTINÇÃO DO CONVÊNIO

O presente CONVÊNIO poderá ser EXTINTO, exclusivamente, nas seguintes hipóteses:

I - pelo MUNICÍPIO, unilateralmente, através de denúncia fundamentada e motivada, sempre que o relevante interesse público o autorize em caso de risco na descontinuidade da prestação dos serviços;

II - advento do Termo Final do prazo do CONVÊNIO, sem que haja prorrogação pactuada entre as PARTES;

III - pelo descumprimento de quaisquer dos itens relacionados na Cláusula Quarta.

[...]

§ 2º Em qualquer hipótese, a reversão ou assunção do serviço pelo Município, ou em qualquer outra hipóteses de rescisão do...

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