Acórdão Nº 0300278-89.2014.8.24.0034 do Primeira Câmara de Direito Civil, 03-12-2020

Número do processo0300278-89.2014.8.24.0034
Data03 Dezembro 2020
Tribunal de OrigemItapiranga
ÓrgãoPrimeira Câmara de Direito Civil
Classe processualApelação Cível
Tipo de documentoAcórdão

ESTADO DE SANTA CATARINA

TRIBUNAL DE JUSTIÇA


Apelação Cível n. 0300278-89.2014.8.24.0034, de Itapiranga

Relator: Desembargador Raulino Jacó Brüning

APELAÇÕES CÍVEIS. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS DECORRENTES DE ERRO MÉDICO. PROCEDIMENTO CIRÚRGICO DE HISTERECTOMIA E OOFORECTOMIA BILATERAL. SENTENÇA DE PARCIAL PROCEDÊNCIA. RECURSO DE AMBAS AS PARTES. ANÁLISE CONJUNTA EM RAZÃO DA SIMILITUDE DAS MATÉRIAS. 1. PREFACIAL DE JULGAMENTO EXTRA PETITA. VÍCIO NÃO EVIDENCIADO. DECISUM QUE SE MANTEVE NOS LIMITES DA CONTENDA. 2. RESPONSABILIDADE CIVIL DO PROFISSIONAL LIBERAL DE SAÚDE QUE É VERIFICADA COM BASE NO ART. 14, § 4º, DA LEGISLAÇÃO CONSUMERISTA. RESPONSABILIDADE SUBJETIVA, FUNDADA NA CULPA. 2.1. PROCEDIMENTO CIRÚRGICO PARA A RETIRADA DO ÚTERO (HISTERECTOMIA). FÍSTULA VESICO-VAGINAL. SAÍDA INVOLUNTÁRIA DE URINA. INTERCORRÊNCIA PREVISTA NA LITERATURA MÉDICA QUE PODE OCORRER NA CIRURGIA DE HISTERECTOMIA. LESÃO DECORRENTE DA DISSECÇÃO DA BEXIGA. FÍSTULA TARDIA, OBSERVADA NO PÓS-OPERATÓRIO. CONDUTA CULPOSA DOS MÉDICOS RÉUS NÃO EVIDENCIADA. 2.2. RETIRADA DOS OVÁRIOS (OOFORECTOMIA). ÓRGÃOS EXTRAÍDOS NO ATO CIRÚRGICO AO VISLUMBRAR O CIRURGIÃO, MACROSCOPICAMENTE, A SUSPEITA DE COMPROMETIMENTO NEOPLÁSICO DOS ÓRGÃOS. CONDUTA MÉDICA POSSÍVEL. PROVA PERICIAL E TESTEMUNHAL CONCLUSIVA, NESTE SENTIDO. INOCORRÊNCIA DE CONDUTA IMPRUDENTE, NEGLIGENTE OU IMPERITA DO MÉDICO CIRURGIÃO. 2.3. RETIRADA DOS OVÁRIOS DA AUTORA SEM PRÉVIO CONSENTIMENTO. PROCEDIMENTO DE OOFORECTOMIA SEQUER DESCRITO NO RELATÓRIO CIRÚRGICO. VIOLAÇÃO DO DEVER DE INFORMAÇÃO ACERCA DAS POSSÍVEIS INTERCORRÊNCIAS DA CIRURGIA, BEM COMO DAS CONSEQUÊNCIAS PÓS PROCEDIMENTO, EM ESPECIAL, A MENOPAUSA PRECOCE. CONDUTA OMISSIVA DO PROFISSIONAL DE SAÚDE. SENTENÇA MANTIDA, NO PONTO. 3. DANO MORAL. TRATAMENTO DESUMANO DISPENSADO À AUTORA. PACIENTE QUE PROCUROU AJUDA MÉDICA DIVERSAS VEZES, SENDO MEDICADA E ENCAMINHADA PARA CASA. MOROSIDADE EM DIAGNOSTICAR O TRATAMENTO NECESSÁRIO À DEMANDANTE, EM DECORRÊNCIA DA FÍSTULA VESICO-VAGINAL, O QUAL, INCLUSIVE, JÁ ERA PREVISÍVEL. PROLONGAMENTO DESNECESSÁRIO DO SOFRIMENTO DA AUTORA, QUE APRESENTAVA MICÇÃO INVOLUNTÁRIA E DORES, SENDO PRIVADA DO CONVÍVIO SOCIAL. INCONTESTÁVEL ABALO ANÍMICO. 3.1. QUANTUM INDENIZATÓRIO. VERBA INDENITÁRIA DECORRENTE DA EXTRAÇÃO INADVERTIDA DOS OVÁRIOS DA PACIENTE, FIXADA EM R$20.000,00, QUE DEVE SER MINORADA PARA O IMPORTE DE R$18.000,00. MONTANTE ARBITRADO EM DECORRÊNCIA DO TRATAMENTO DESUMANO (R$10.000,00) QUE DEVE SER MANTIDO. VALORES RAZOÁVEIS E PROPORCIONAIS ÀS PARTICULARIDADES DO CASO CONCRETO. 4. DANOS MATERIAIS. RESSARCIMENTO PARCIAL DOS VALORES DESEMBOLSADOS PELA PACIENTE. REALIZAÇÃO DE EMPRÉSTIMO PARA CONTRATAÇÃO DE FUNCIONÁRIO PARA O EXERCÍCIO DE SUAS ATIVIDADES LABORAIS NÃO COMPROVADO. MANUTENÇÃO DO DECISUM. 5. SUCUMBÊNCIA RECÍPROCA MANTIDA. 6. VERBA HONORÁRIA FIXADA AO PATRONO DA PARTE AUTORA. IMPOSITIVA MAJORAÇÃO, EM CONSONÂNCIA COM O DISPOSTO NO ART. 85, §§ 2º E 8º, DO CODEX PROCESSUAL.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível n. 0300278-89.2014.8.24.0034, da Comarca de Itapiranga (Vara Única), em que são apelantes e apelados Loni Meurer Konrad, Vilson Watte e Alexandre Gomes Ribas.

A Primeira Câmara de Direito Civil decidiu, por meio eletrônico, por votação unânime, conhecer dos recursos, negar provimento ao reclamo interposto por Alexandre Gomes Ribas; dar parcial provimento ao recurso interposto por Vilson Watte, para determinar a minoração do valor compensatório por danos morais decorrente da "extração inadvertida dos ovários" de R$20.000,00 para R$18.000,00; e dar parcial provimento ao apelo manejado por Loni Meurer Konrad, apenas para majorar a verba honorária fixada na sentença em favor do patrono da parte autora para o percentual de 15% da condenação. Custas legais.

O julgamento, realizado nesta data, foi presidido pelo Desembargador Gerson Cherem II, com voto, e dele participou o Desembargador André Carvalho.

Florianópolis, 3 de dezembro de 2020.


[assinado digitalmente]

Desembargador Raulino Jacó Brüning

RELATOR





RELATÓRIO

Adoto o relatório da r. sentença de fls. 637/670, da lavra da Magistrada Sirlene Daniela Puhl, por refletir fielmente o contido no presente feito, in verbis:

Trata-se de "ação de indenização por danos materiais e morais por erro médico" que Loni Meurer Konrad moveu em face de Alexandre Gomes Ribas e Vilson Watte, todos devidamente qualificados.

Aduziu a autora que, por longos anos, sofreu com problemas de útero, de modo que, mediante convênio pelo SUS, foi encaminhada para cirurgia de histerectomia (retirada do útero) com o Dr. Vilson Watte (segundo réu), tudo com acompanhamento prévio e realização de exames pelo Dr. Alexandre Gomes Ribas (primeiro réu), quem também acompanharia o pós-operatório. Relatou que a cirurgia, que era apenas para retirada do útero, foi realizada no dia 23.01.2013 e que, na ocasião, o segundo réu acabou por extrair, inadvertidamente, os ovários da autora, que eram saudáveis, bem como perfurou sua bexiga, condutas que considerou ser erro médico. Mencionou que, no dia 24.01.2013, mesmo com muitas dores e urinando de forma involuntária, ficando evidente que algo errado havia acontecido, recebeu alta pelo primeiro requerido, o qual, segundo a autora, disse que as dores eram coisa da cabeça. Que, em razão de fortes dores e perda involuntária de urina pela vagina, voltou ao hospital e procurou pelos réus por várias vezes, os quais pouco a examinavam, receitavam analgésicos, anti-inflamatório e remédios para dor, e a mandavam para casa. Referiu que num dos retornos que fez ao hospital, os réus solicitaram ajuda de outro médico que, ao examiná-la, ficou indignado com seu quadro clínico e com a conduta dos réus, afirmando que ela precisava de uma cirurgia de correção. Que após o episódio, foram realizados alguns exames que constataram que a bexiga da autora estava perfurada, ocasião em que fora marcada cirurgia de correção para o dia 19.02.2013, realizada pelos réus. Ponderou que a cirurgia não foi exitosa, porquanto continuava com dores e perda involuntária de urina, e que, apesar de voltar várias vezes ao hospital e suplicar por uma solução aos réus, estes a medicavam e mandavam para casa. Afirmou que, cansada do tratamento desumano que estava recebendo, buscou, à sua conta, em 11.04.2013, a ajuda de especialista em São Miguel do Oeste, Dr. Ricardo Martins, de modo que, após a realização de alguns exames e mediante convênio pelo SUS, a autora fora internada em quarto isolado do Hospital Regional de São Miguel do Oeste, em 23.04.2013, onde permaneceu até 28.04.2013. Sobrevindo resultado de alguns exames, foi agendado nova data para realização de nova cirurgia de correção. Descreveu que, em 11.05.2013, realizou a cirurgia de correção com o Dr. Ricardo, permanecendo em observação até o dia 15.05.2013, tendo que retornar no dia seguinte por estar com muita dor, ficando até o dia 20.05.2013. Argumentou que o erro dos réus lhe provocou inúmeros problemas, passando por longos períodos de dores e constrangimentos pela perda involuntária de urina, o que lhe privou da vida social, e que mesmo após a última correção realizada ela não se recuperou totalmente, restando sequelas irreparáveis. Requereu a condenação dos réus em danos materiais e morais, os quais valorou em R$31.115,91 e R$400.000,00, respectivamente. Juntou documentos de fls. 19-159.

À fl. 160, deferiu-se a Justiça Gratuita e determinou-se a citação dos réus.

Citado (fl. 196), o réu Vilson apresentou contestação (fls. 199-226) arguindo, preliminarmente, a denunciação à lide de duas Seguradoras. No mérito, fez relato do quadro clínico e a evolução do procedimento da autora. Afirmou que a extração dos ovários não foi inadvertida, mas sim conduta tomada pelo próprio benefício e saúde da autora, porquanto, no momento da cirurgia, ao analisar macroscopicamente os ovários (a olho nu), percebeu que apresentavam nódulos e estruturas císticas, ocasião em que, considerando a literatura médica e o fato de a paciente possuir mais de 40 anos (faixa etária de declínio da função hormonal dos ovários e de risco de complicações futuras) e dois filhos, decidiu por extraí-los. Com relação a perda involuntária de urina, ponderou que não houve perfuração da bexiga, mas sim o aparecimento de uma fístula vesico-vaginal, que é ocorrência natural (em alguns casos) após cirurgias de histerectomia, e até de cesarianas, e que o seu aparecimento independe da técnica empregada pelo médico, guardando muito mais relação com a reação do próprio organismo da paciente, abordando que fatores como a autora já ter passado por duas cesarianas contribuíram para o aparecimento de tal anomalia. Militou não ter havido qualquer erro médico, tendo a cirurgia sido um sucesso e observado a literatura médica, ocorrendo apenas complicações cirúrgicas. Abordou questões de responsabilidade civil e atacou os danos materiais e morais pleiteados. Defendeu não se tratar de relação consumerista. Em caráter subsidiário, pleiteou razoabilidade/proporcionalidade no arbitramento dos danos morais. Requereu a improcedência dos pedidos iniciais. Juntou documentos de fls. 227-36.

Por sua vez, citado (fl. 197), o réu Alexandre apresentou contestação (fls. 237-60) alegando, em consonância ao pontuado pelo réu Vilson, que a extração dos ovários foi necessária naquele momento, com vistas a resguardar a saúde da autora, e que não houve a perfuração da bexiga, mas sim o aparecimento de uma fístula vesico-vaginal, que pode ocorrer naturalmente em procedimentos como o que a autora passou. Abordou sobre a...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT