Acórdão Nº 0300291-45.2014.8.24.0113 do Primeira Câmara de Direito Civil, 05-03-2020

Número do processo0300291-45.2014.8.24.0113
Data05 Março 2020
Tribunal de OrigemCamboriú
ÓrgãoPrimeira Câmara de Direito Civil
Classe processualApelação Cível
Tipo de documentoAcórdão


Apelação Cível n. 0300291-45.2014.8.24.0113

Relator: Des. Gerson Cherem II

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE. RECURSO DOS RÉUS.

1) ALMEJADA IMPROCEDÊNCIA DO PLEITO. COMPROVAÇÃO DOS REQUISITOS DELINEADOS NO ARTIGO 927, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. POSSE PRETÉRITA DO AUTOR E ESBULHO PERPETRADO PELOS RÉUS. PROVA DO DOMÍNIO INCAPAZ DE REPELIR A TUTELA POSSESSÓRIA. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO.

"Em regra, descabe discutir o domínio em ação possessória, exceto se ambos os litigantes disputam a posse sob a alegação de propriedade ou quando duvidosas ambas as posses suscitadas." (STJ. AgRg no AREsp 238.530/RJ, rel. Min. Antonio Carlos Ferreira, j. 19.2.13)." (AC n. 2011.029464-9, rel. Des. Sebastião César Evangelista, j. em 31.07.2014).

2) HONORÁRIOS RECURSAIS DESCABIDOS. SENTENÇA PROLATADA NA VIGÊNCIA DO CPC/73.

RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível n. 0300291-45.2014.8.24.0113, da comarca de Camboriú 1ª Vara Cível em que são Apelantes Eneias Arno, Claudinir Arno, Eunice Correia Rodrigues, Marcos Leandro Serpa, Noeli Borba e Valcir José Chaves da Silva e Apelada CERB Construtora e Exploração de Rochas e Britagem Ltda.

A Primeira Câmara de Direito Civil decidiu, por votação unânime, conhecer do recurso e negar-lhe provimento. Custas pelos apelantes.



O julgamento, realizado nesta data, foi presidido por este Relator, e dele participaram o Exmo. Sr. Des. Paulo Ricardo Bruschi e o Exmo. Sr. Des. José Maurício Lisboa.

Florianópolis, 05 de março de 2020.




Gerson Cherem II

PRESIDENTE E RELATOR



RELATÓRIO

Trata-se de apelação cível interposta por Enéias Arno, Claudinir Arno, Marcos Leandro Serpa, Noeli de Borba e Valcir José Chaves da Silva, irresignados com a sentença prolatada pelo douto Juízo da 1ª Vara Cível da Comarca de Camboriú que, nos autos da ação de reintegração de posse aforada por Cerb Construtora e Exploração de Rochas e Britagem Ltda., julgou procedente o pedido exordial, nos seguintes termos (fl. 516):

ANTE O EXPOSTO, com fundamento no artigo 269, inciso I, do Código de Processo Civil, JULGO PROCEDENTE o pedido formulado na inicial REINTEGRANDO a autora na posse do imóvel objeto desta demanda, confirmando a liminar já deferida.

Condeno os réus ao pagamento das despesas processuais resultantes deste feito, bem como em honorários advocatícios de sucumbência, estes que arbitro em R$ 3.000,00 (três mil reais), nos termos do artigo 20, § 4.º do Código de Processo Civil. Essas obrigações ficam suspensas, pois defiro os benefícios da justiça gratuita aos réus.


Inconformados, os demandandos argumentaram, em síntese, que a demandante seria proprietária de áreas lindeiras, porém não daquela que foi ocupada pelos réus. Aduziram que a empresa jamais exercera a posse do terreno. Em decorrência, seria indevida a pretensão reintegratória (fls. 520/524).

Com as contrarrazões (fls. 528/ 533), ascenderam os autos a este Sodalício.

É o relatório.

VOTO

Presentes os requisitos legais, conhece-se do recurso.

Ab initio, mister destacar que, com a entrada em vigor do novo Código de Processo Civil, suas disposições aplicar-se-ão desde logo aos processos pendentes, ficando revogada a Lei n. 5.869/73, segundo o art. 1.046, do CPC.

Todavia, o referido regramento estatui no art. 14: "A norma processual não retroagirá e será aplicável imediatamente aos processos em curso, respeitados os atos processuais praticados e as situações jurídicas consolidadas sob a vigência da norma revogada."

Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery prelecionam:

Regra geral: irretroatividade da lei. Independentemente do sistema jurídico adotado pelo Estado soberano, a regra geral que vigora sobre vigência da lei é a irretroatividade da lei nova. A retroatividade é exceção e como tal tem que ser tratada, com interpretação e aplicação restritivas. Dizemos independentemente do sistema jurídico que se examina porque há Estados como o Brasil, que têm em sua Constituição a regra geral da irretroatividade; outros a têm em sua legislação infraconstitucional. A CF 5º XXVI diz que a lei não prejudicará o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada. Lei está no texto constitucional em sentido amplo, significando que nem a lei abstratamente considerada (CF, Emenda Constitucional, lei ordinária), tampouco a lei para o caso concreto (sentença judicial transitada em julgada) pode atuar para prejudicar situações já consolidadas. (Comentários ao Código de Processo Civil. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2012. p. 227).


Assim, tratando-se a sentença prolatada de ato jurídico perfeito, pois publicada em 11.03.2016 (fl. 517), afasta-se a aplicabilidade do novo CPC.

Sob tal enfoque, examina-se o mérito recursal.

Insurgem-se os apelantes contra a sentença que julgou procedente o pleito exordial para reintegrar a demandante na posse do imóvel em litígio.

Afirmam os recorrentes que a demandante é dona de áreas lindeiras, porém não tem a propriedade do imóvel ocupado pelos réus, sem nunca exercer a posse deste último bem. Por isto, seria descabida a reintegração da autora.

De plano, convém elencar os pressupostos necessários ao êxito da ação possessória, segundo dispõe o Código de Processo Civil:

Art. 926. O possuidor tem direito a ser mantido na posse em caso de turbação e reintegrado no de esbulho.


Art. 927. Incumbe ao autor provar:

I – a sua posse;

II – a turbação ou o esbulho praticado pelo réu;

III – a data da turbação ou do esbulho;

IV – a continuação da posse, embora turbada, na ação de manutenção; a perda da posse, na ação de reintegração.


Leciona Humberto Theodoro Júnior:

A ação de reintegração de posse (antigo interdito recuperandae possessionis dos romanos) tem como fito restituir o possuidor na posse, em caso de esbulho. Por esbulho deve-se entender a injusta e total privação da posse, sofrida por alguém que a vinha exercendo.

Essa perda total da posse pode decorrer:

a) de violência sobre a coisa, de modo a tirá-la do poder de quem a possuía até então;

b) do constrangimento suportado pelo possuidor, diante do fundado temor de violência iminente;

c) de ato clandestino ou de abuso de confiança. (Curso de Direito Processual Civil - Procedimentos especiais. Rio de Janeiro: Forense, 2009. p. 115).


O doutrinador Luciano de Camargo Penteado anota:

A ação de reintegração é o remédio possessório pertinente para os casos em que ocorrer esbulho. Esbulho é a perda injusta da posse. Beviláqua o define como a "injusta privação da posse, sofrida por aquele que a tem". A ação postula, portanto, como remédio a esta perda, a retomada da posse. (Direito das Coisas. Ed. Revista dos Tribunais, São Paulo: 2008. p. 477, grifo nosso).


Na hipótese, a demandante relata que sempre foi proprietária e possuidora do imóvel, tendo sofrido esbulho recente por parte dos réus.

Por seu turno, os apelantes alegam que a empresa somente é proprietária e possuidora de gleba na estrema, porém não exercera a posse do imóvel ocupado. Sustentam ter adquirido o bem do Sr. Pedro Paulo Borges Siqueira, o qual seria herdeiro do possuidor anterior, Sr. Zequinha.

Do exame dos autos, contudo, observa-se que o poder fático da autora sobre a coisa e o esbulho praticado pelos réus restaram comprovados.

Em audiência de justificação prévia (fls. 106), relatou a testemunha Cristina Polshow, dona de imóvel vizinho:

Que a depoente conhece a área ocupada pelos réus, que a depoente mora ali perto; que essa área é grande mas ela não sabe a metragem; que a depoente sabe que a área pertence ao Caseca, da família Caseca, da CERB construtora; que a área não é abandonada, que eles cuidam, sempre está cercada e eles mantém limpa na extremidade com o sitio da depoente; que sempre está roçado ali na extrema da propriedade da depoente; que há um tempo atrás a depoente foi até a parte de cima e viu que estava bem desmatado; que a depoente sempre observou na proximidade de sua extrema que mantinham limpo e cercado; que acredita que a área foi ocupada há uns oito meses mas não sabe o dia; que não faz mais que oito meses; que a depoente não sabe quantas pessoas estão lá, que a depoente não sabe por qual motivo as pessoas passaram a ocupar a área; que a depoente crê que é área de preservação permanente; que fica próximo de uma área de britagem; que a depoente não sabe dizer por metragem, mas sabe que fica próximo; que o acesso àquela área é por uma estrada sem nome; que a estrada fica entre o terreno da depoente e o do Caseca, que não tem nome nem nada mas dá o acesso lá em cima; que a depoente não conhece mais ninguém que tenha se identificado como proprietário anteriormente; que tem visto movimentação de carros subindo e descendo e desmatamento depois da ocupação; que antes da ocupação não havia movimentação, somente o senhor "Neneco"; que a depoente às vezes andava a cavalo lá para cima da estrada; que depois da ocupação não sabe se os proprietários fizeram alguma coisa; que soube que a polícia ambiental fez vistoria lá, mas que a depoente não sabe se houve embargo, somente viu os carros; que a área era cercada com arame farpado; que não viu se os ocupantes derrubaram para entrar na área; que acredita que a propriedade fica localizada em parte que pertence ao município de Camboriú; que acredita que alguém mora ali pois da última vez que a depoente subiu viu que tinha um cachorro no portão e que todos os dias tem visto um casal subir e descer, que o casal tem dois filhos; que a depoente tem sua chácara há 25 anos e desde que ela está lá os Caseca são donos daquela área. (in mídia, 1m24s até...

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