Acórdão Nº 0300312-61.2018.8.24.0216 do Primeira Câmara de Direito Comercial, 03-12-2020

Número do processo0300312-61.2018.8.24.0216
Data03 Dezembro 2020
Tribunal de OrigemCampo Belo do Sul
ÓrgãoPrimeira Câmara de Direito Comercial
Classe processualApelação Cível
Tipo de documentoAcórdão


Apelação Cível n. 0300312-61.2018.8.24.0216, de Campo Belo do Sul

Relator: Desembargador Luiz Zanelato

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO REVISIONAL AJUIZADA NA VIGÊNCIA DO CPC/2015. CRÉDITO OBTIDO POR MEIO DE SAQUE EM CARTÃO COM RESERVA DE MARGEM CONSIGNADA. AUTOR QUE PRETENDE A DECLARAÇÃO DE INVALIDADE DA OPERAÇÃO COM BASE EM VÍCIO NA AUTONOMIA DA VONTADE, SUSTENTANDO, PARA TANTO, TER SIDO LUDIBRIADO COM A PACTUAÇÃO DE CARTÃO, QUANDO, NA VERDADE, PRETENDIA APENAS A CONTRATAÇÃO DE EMPRÉSTIMO PESSOAL CONSIGNADO. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA QUE ACOLHE PEDIDO ALTERNATIVO DO DEMANDANTE PARA O FIM DE CONVERTER A OPERAÇÃO DE SAQUE EM CARTÃO DE CRÉDITO EM OPERAÇÃO DE EMPRÉSTIMO PESSOAL CONSIGNADO, CONDENANDO A INSTITUIÇÃO FINANCEIRA DEMANDADA, AINDA, À RESTITUIÇÃO/COMPENSAÇÃO DE EVENTUAIS VALORES COBRADOS A MAIOR EM DECORRÊNCIA DA CONTRATAÇÃO DE OPERAÇÃO NÃO CONSENTIDA PELO CONSUMIDOR.

RECURSO DA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA DEMANDADA.

ALEGADA REGULARIDADE DO CONTRATO FIRMADO ENTRE AS PARTES. TESE QUE SE MOSTRA ALICERÇADA NOS ELEMENTOS PROBATÓRIOS CONTIDOS NOS AUTOS. DISPONIBILIZAÇÃO DE SAQUE DE VALOR EM CARTÃO DE CRÉDITO, COM RESERVA DE MARGEM CONSIGNÁVEL (RMC) EM BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO, QUE NÃO EQUIVALE À VENDA CASADA, AINDA QUE O CONSUMIDOR NÃO UTILIZE O CARTÃO PARA PAGAMENTO DE DESPESAS, SEJA PORQUE O CARTÃO DE CRÉDITO NÃO TEM SEU USO RESTRITO A COMPRAS EM ESTABELECIMENTOS COMERCIAIS, SEJA PORQUE A OPERAÇÃO DE SAQUE SE ENCONTRA PREVISTA NA LEI N. 10.820/03, E REGULADA PELA INSTRUÇÃO NORMATIVA INSS/PRES N. 28/08 EM RELAÇÃO A APOSENTADOS E PENSIONISTAS DO REGIME GERAL DA PREVIDÊNCIA SOCIAL.

AUTOR QUE, AO TEMPO DA CONTRATAÇÃO, TINHA QUATRO EMPRÉSTIMOS CONSIGNADOS COMPROMETENDO A SUA MARGEM CONSIGNÁVEL PARA EMPRÉSTIMO PESSOAL. CIRCUNSTÂNCIA QUE APONTA O CONHECIMENTO DO DEMANDANTE ACERCA DA IMPOSSIBILIDADE DE FIRMAR NOVOS EMPRÉSTIMOS PESSOAIS CONSIGNADOS, POSSUINDO COMO ALTERNATIVA PARA A OBTENÇÃO DO CRÉDITO APENAS A MARGEM CONSIGNÁVEL DE 5% (CINCO POR CENTO), DESCRITA NA LEGISLAÇÃO, PARA UTILIZAÇÃO EXCLUSIVA POR MEIO DO CARTÃO DE CRÉDITO (ARTIGO 6º, § 5º, I, DA LEI N. 10.820/03).

CONTRATO FIRMADO ENTRE AS PARTES, NO MAIS, QUE EXPÕE DE FORMA CLARA E PRECISA A NATUREZA, CARACTERÍSTICAS E FORMA DE COBRANÇA DA OPERAÇÃO CONTRATADA, ALERTANDO O CONTRATANTE ACERCA DA INCIDÊNCIA DE ENCARGOS SOBRE A DIFERENÇA DE VALOR EXISTENTE ENTRE O PAGAMENTO TOTAL DA FATURA E O PAGAMENTO MÍNIMO CUJA COBRANÇA É CONSIGNADA. AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO AO DEVER DE INFORMAÇÃO.

CONSUMIDOR QUE ANUIU EXPRESSAMENTE COM A ADESÃO AO CARTÃO DE CRÉDITO E COM A CONTRATAÇÃO DE SAQUE COM PAGAMENTO MÍNIMO DA FATURA MEDIANTE CONSIGNAÇÃO EM SEU BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO, NÃO PODENDO ALEGAR, PORTANTO, VÍCIO DA VONTADE E AUSÊNCIA DE INTENÇÃO DE CONTRATAÇÃO DA MODALIDADE DE CRÉDITO UTILIZADA, TANTO MAIS QUANDO, CONQUANTO RECEBESSE MENSALMENTE AS FATURAS DO CARTÃO QUE APONTAVAM O PAGAMENTO MÍNIMO REALIZADO DE FORMA CONSIGNADA, APENAS VEIO A QUESTIONAR O NEGÓCIO JURÍDICO CERCA DE DOIS ANOS E MEIO APÓS SUA REALIZAÇÃO.

ALÉM DISTO, AUTOR QUE, NUM PERÍODO DE OITO ANOS, CONTRAIU DEZ EMPRÉSTIMOS CONSIGNADOS, DEMONSTRANDO POSSUIR LARGA EXPERIÊNCIA COM ESSE TIPO DE OPERAÇÃO BANCÁRIA, CIRCUNSTÂNCIA QUE CULMINA POR INFIRMAR A VERSÃO DEDUZIDA NA INICIAL DE TER SIDO VÍTIMA DE FRAUDE PELO BANCO.

CONTRATO FIRMADO ENTRE AS PARTE QUE, TENDO OBSERVADO OS DITAMES DA LEI N. 10.820/03 E DA INSTRUÇÃO NORMATIVA INSS/PRES N. 28/08, E SE MOSTRANDO, PORTANTO, REGULAR, DEVE SER MANTIDO NA FORMA ORIGINALMENTE PACTUADA, AFASTANDO-SE A CONVERSÃO OPERADA PELO JUÍZO SINGULAR, MORMENTE QUANDO O DEMANDANTE SEQUER TERIA MARGEM CONSIGNÁVEL PARA QUE A OPERAÇÃO TRANSMUDADA FOSSE REALIZADA DENTRO DA LEGALIDADE.

ÔNUS SUCUMBENCIAIS. ACOLHIMENTO DAS TESES RECURSAIS DO BANCO DEMANDADO QUE IMPORTA NO RECONHECIMENTO DA IMPROCEDÊNCIA DOS PEDIDOS DA AÇÃO. INVERSÃO DA RESPONSABILIDADE PELOS ÔNUS DE SUCUMBÊNCIA FIXADOS EM PRIMEIRO GRAU, A SEREM ARCADOS EXCLUSIVAMENTE PELA PARTE AUTORA. EXIGIBILIDADE SUSPENSA PELA GRATUIDADE DA JUSTIÇA.

HONORÁRIOS RECURSAIS. INAPLICABILIDADE NA HIPÓTESE DIANTE DO ACOLHIMENTO DO APELO.

RECURSO CONHECIDO E PROVIDO.


Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível n. 0300312-61.2018.8.24.0216, da comarca de Campo Belo do Sul Vara Única em que é/são Apelante(s) Banco Bmg S/A e Apelado(s) Arides Correia Duarte.

A Primeira Câmara de Direito Comercial decidiu, por votação unânime, conhecer e dar provimento ao recurso da instituição financeira demandada, para o fim de julgar improcedentes os pedidos da ação proposta na origem, e, ainda, por inverter a responsabilidade pelos ônus sucumbenciais fixados na sentença, cuja exigibilidade fica suspensa, por ser o autor/vencido beneficiário da gratuidade da justiça. Custas legais.

O julgamento, realizado nesta data, foi presidido pelo Exmo. Sr. Des. Mariano do Nascimento, com voto, e dele participou o Exmo. Sr. Des. José Maurício Lisboa.

Florianópolis, 3 de dezembro de 2020.


Desembargador Luiz Zanelato

Relator



















RELATÓRIO

Arides Correia Duarte ajuizou ação revisional de contrato bancário contra Banco Bmg S/A, na qual pede o reconhecimento da inexistência de contratação de empréstimo consignado na modalidade de cartão de crédito, bem como a condenação da instituição financeira ao ressarcimento dos valores indevidamente descontados de seu benefício previdenciário, e a condenação ao pagamento de danos morais, em razão da inexistência de contratação de reserva de margem consignada em seu benefício previdenciário, para contratação de cartão de crédito não solicitado.

Na decisão interlocutória de fl. 48, foi indeferido o benefício da gratuidade da justiça ao autor. Da decisão, o autor interpôs o Agravo de Instrumento n. 4024942-58.2018.8.24.0000, ao qual foi dado provimento (fls. 164-174).

Citado, o banco demandado apresentou resposta (fls. 55-65), na forma de contestação, sustentando, em suma, que houve a expressa contratação pelo autor, do contrato para utilização de cartão de crédito mediante consignação em pagamento, razão pela qual não são indevidos os descontos a título de reserva de margem consignável lançados em seu benefício previdenciário. Logo, por não serem indevidos os descontos, argumenta que não deve restituir valores a autora, e tampouco indenizar-lhe pelo ocorrido.

Réplica às fls. 85-89.

Em julgamento antecipado da lide (fls. 178-182), a juíza da origem, Flávia Carneiro de Paris, julgou procedentes os pedidos iniciais, nos seguintes termos:

Ante o exposto, com fundamento no art. 487, I do CPC, JULGO, com resolução do mérito, PROCEDENTES os pedidos formulados por ARIDES CORREIA DUARTE em desfavor de BANCO BMG S/A, para o fim de:

a) declarar a abusividade da modalidade contratual apresentada (contrato de cartão de crédito consignado - fls. 69-75) e, por consequência, reconhecer a operação contratada como de empréstimo pessoal consignado, aplicando-se a essa a taxa média de juros remuneratórios prevista para a operação, conforme índices do Banco Central, a saber: 2,31% a.m (contratação em 10-2-2016);

c) admitir a realização de descontos sobre o benefício previdenciário após a readequação do cálculo das parcelas, levando-se em consideração: b.1) a incidência de juros remuneratórios conforme taxa média de mercado conforme estipulada no item anterior; b.2) a compensação dos valores pagos a maior com o saldo devedor. b.3) restando saldo favorável à parte consumidora, deverá o respectivo montante ser a ela restituído, em dobro.

Condeno a parte ré ao pagamento das despesas processuais e honorários advocatícios, os quais fixo em 20% sobre o valor atualizado da causa.

Publique-se. Registre-se. Intimem-se.

Após o trânsito em julgado, cumpridas as formalidades legais, arquive-se.


Inconformada, a instituição financeira demandada interpôs recurso de apelação (fls. 186-193), alegando, em síntese, que: 1) a parte autora tinha total ciência da natureza e forma de cobrança da operação pactuada, a qual se encontrava descrita de forma clara e expressa no contrato, desprovido de qualquer irregularidade, não possuindo o demandante, diversamente do que alega, a intenção de contratar empréstimo pessoal consignado no lugar do saque via cartão de crédito, tendo em vista que ao tempo da contratação sequer possuía margem consignável além daquela disponível para uso no cartão, sendo esta modalidade de crédito a única operação viável para a concessão do valor perseguido; 2) incabível a conversão da operação em crédito pessoal consignado, seja porque a contratação original era regular, não justificando a intervenção judicial operada pelo juízo singular, seja porque a instituição financeira não mais trabalha com a modalidade de crédito pessoal consignado, ou mesmo porque sequer possui o autor margem consignável para que o saldo devedor fosse parcelado dentro dos limites previsto na legislação; 3) inexistindo irregularidades no contrato, ausente o ato ilícito ensejador de dano moral indenizável, de sorte que deve ser afastada a indenização fixada pelo juízo singular. Pugna pelo provimento do recurso com a reforma da decisão objurgada, sendo julgada totalmente improcedente a demanda de origem, com a inversão a responsabilidade pelo pagamento dos ônus sucumbenciais.

Contrarrazões ao recurso de apelação às fls. 203-209.

Vieram-me os autos conclusos.

Este é o relatório.
















VOTO

1. Exame de admissibilidade

Inicialmente, registra-se que a demanda foi ajuizada já com fundamento processual no Código de Processo Civil de 2015, motivo pelo qual é este o diploma processual que deverá...

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