Acórdão Nº 0300344-76.2018.8.24.0051 do Terceira Câmara de Direito Público, 17-05-2022

Número do processo0300344-76.2018.8.24.0051
Data17 Maio 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoTerceira Câmara de Direito Público
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Nº 0300344-76.2018.8.24.0051/SC

RELATOR: Desembargador JAIME RAMOS

APELANTE: PAULO BIZON (AUTOR) APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)

RELATÓRIO

Na Comarca de Ponte Serrada, Paulo Bizon ajuizou ação acidentária contra o Instituto Nacional do Seguro Social - INSS, sustentando que, no desempenho de suas funções de agricultor, sofreu acidente de trabalho em 05.05.1990, ocasião em que teve grave lesão em sua mão direita, com amputação de três dedos; que se encontra incapacitado para o trabalho habitual, pois, consolidadas as lesões, restaram sequelas que reduziram sua capacidade laborativa; que, em face da lesão, o INSS implantou o benefício de auxílio-doença por certo período, cessando seus efeitos em 03.07.1992; que, todavia, em decorrência da lesão suportada, apresenta redução de sua capacidade laborativa. Requereu, então, a concessão do auxílio-acidente (art. 86, §§ 1º e 2º, da Lei Federal n. 8.213/91).

Citado, o Instituto Nacional do Seguro Social - INSS contestou arguindo, preliminarmente, a decadência e a prescrição. No mérito, disse que o benefício não é devido porque a Lei vigente à época em que ocorreu o acidente não abrangia o segurado especial como possível beneficiário do auxilio-acidente.

Foi deferida a realização de prova pericial e nomeado o perito. O laudo foi juntado e as partes sobre ele se manifestaram.

Sentenciando, o digno Magistrado julgou parcialmente procedente o pedido formulado na inicial, para condenar o INSS ao pagamento do benefício do auxílio-acidente no percentual de 30% sobre o salário de contribuição vigente no dia do acidente (Lei n. 8.213/91 em sua redação original), a partir do requerimento do benefício na esfera administrativa. Condenou-o, ainda, ao pagamento da metade das custas processuais e honorários advocatícios de 10% sobre o valor das parcelas vencidas (Súmula 111 do STJ).

Autor e réu apelaram.

O primeiro apelou sustentando que a redução da capacidade laboral não é ínfima, eis que o acidente resultou na amputação de 3 dedos; que o benefício do auxílio-acidente deve ser concedido em grau máximo desde a data do acidente.

Já o INSS apelou alegando que o autor, à época do acidente, trabalhava como empregado rural, o que pela lei vigente à época impede a concessão do benefício do auxílio-acidente; que o acidente ocorreu na vigência da Lei n. 6.367/76, que também impede, ante a falta de previsão legal, a concessão do benefício de auxílio-acidente ou suplementar ao segurado rural.

Após o oferecimento das contrarrazões, os autos vieram conclusos para julgamento.

VOTO

Da lei vigente à época do acidente de trabalho

Inicialmente cabe determinar qual a legislação aplicável ao caso, uma vez que estava pacificado o entendimento desta Corte de Justiça no sentido de que as normas acidentárias, devido ao seu caráter protetivo, tinham aplicação imediata tanto aos benefícios já concedidos quanto aos pendentes de concessão, ainda que o acidente de trabalho tivesse ocorrido na vigência da lei anterior. Tal entendimento estava sustentado na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, que orientava no sentido de que "em se tratando de benefício acidentário, a lei nova mais benéfica ao segurado tem aplicação imediata, alcançando, inclusive, os casos já concedidos ou pendentes de concessão" (STJ, EREsp n. 324.380, Min. Fernando Gonçalves).

Ou ainda:

"I- Encontrava-se pacificado o entendimento nesta Corte, no sentido de que a lei acidentária, quando mais benéfica, retroagia apenas para alcançar situações pendentes, descabendo a sua aplicação ao benefício já concedido, sob a égide da lei anterior. Todavia, a jurisprudência da Eg. Terceira Seção deste Tribunal evoluiu para uniformizar as situações, ou seja, é possível a retroatividade da lei mais benéfica à parte que usufrui de benefício previdenciário, ainda que o evento tenha ocorrido na vigência da legislação pretérita.

"II- A explicação deriva da natureza das normas acidentárias. Por conta do seu caráter protetivo, incidem, de imediato, aos benefícios pendentes, ainda que o sinistro tenha ocorrido na vigência de lei anterior. Esta orientação, entretanto, não traduz retroatividade dos efeitos, antes da edição do diploma. Assim sendo, o percentual de 50%, previsto na Lei 9.032/95, só passa a valer a partir da sua vigência." (STJ, AGREsp. n. 507072/SC, Rel. Min. Gilson Dipp, DJ 04/08/2003).

No entanto, no dia 08.02.2007 o Plenário do Supremo Tribunal Federal deu provimento por maioria de votos aos Recursos Extraordinários ns. 416.827/SC e 415.454/SC, ambos interpostos pelo INSS, para afastar a aplicação da Lei n. 9.032/95 e determinar que o cálculo do benefício da pensão por morte seja concedido nos termos da lei vigente à época do óbito do instituidor da pensão, ou seja, a maioria dos Ministros do Supremo Tribunal Federal entendeu que o cálculo dos benefícios previdenciários/acidentários deve respeitar a legislação vigente à época em que o segurado adquiriu o direito ao benefício, aplicando-se o princípio "tempus regit actum". A justificativa é a de que a aplicação imediata da lei nova mais benéfica ao segurado aos casos pretéritos contraria o disposto no art. 195, da Constituição Federal.

Embora as decisões proferidas pelo Pretório Excelso em Recursos Extraordinários, portanto, no controle difuso da constitucionalidade das leis e dos atos normativos, inclusive jurisdicionais, como é o caso, não possuam efeito "erga omnes", e valham apenas para as partes dos respectivos processos, a orientação fixada pelo Supremo Tribunal Federal deve ser adotada no presente caso a fim de preservar a segurança jurídica e a uniformidade dos julgamentos. Assim, os benefícios acidentários já concedidos ou pendentes de concessão devem ser regidos pela legislação vigente à época em que o segurado passou a ter direito ao benefício em virtude da ocorrência do acidente de trabalho ou da comprovação da doença profissional ou do trabalho.

Os julgados enfatizam a necessidade de se garantir a aplicação do princípio da irretroatividade das leis, uma vez que estas não podem prejudicar o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada, como vem proclamado no art. 5º, inciso XXXVI, da Constituição Federal de 1988, e no art. 6º, da Lei de Introdução ao Código Civil (Decreto-lei n. 4.657, de 04.09.1942).

Não obstante os julgados do Excelso Pretório tenham gizado especialmente sobre pensão por morte, já há precedente estendendo os mesmos fundamentos a uma aposentadoria por invalidez, o que autoriza a compreensão de que aqueles acórdãos servem também para os casos de auxílio-acidente, dado que a motivação só pode ser uma única, a de que "tempus regit actum".

Assim, adota-se a orientação fixada pelo Supremo Tribunal Federal nos Recursos Extraordinários ns. 416.827/SC e 415.454/SC para que os benefícios previdenciários/acidentários já concedidos ou pendentes de concessão respeitem a legislação vigente à época em que o segurado adquiriu o direito ao benefício com o acidente de trabalho ou a aquisição da doença profissional ou do trabalho, aplicando-se o princípio "tempus regit actum", sem qualquer revisão.

Os benefícios previdenciários/acidentários sempre tiveram seu regramento próprio dado pela Lei 3.807/60, modificada ou substituída pelas Leis n. 5.316/67, 6.367/76 e 8.213/91, com as alterações dadas pelas Leis n. 9.032/95, 9.129/95 e 9.528/97. As referidas leis foram regulamentadas por Decretos Federais, tais como: Decreto n. 61.784/67, Decreto n. 79.037/76, Decreto n. 83.080/79, Decreto n. 357/91, alterado pelo Decreto n. 611/92, e Decreto n. 3.048/99, alterado pelo Decreto n. 4.032/2001.

Sustenta o INSS que o segurado sofreu acidente de trabalho em 5 de maio de 1990, no desempenho de suas atividades na agricultura, ou seja, na vigência da Lei n. 6.367/76.

Defende que, à época, o segurado estava enquadrado como trabalhador rural e que a legislação em vigor impedia a concessão do benefício de auxílio-acidente ante a falta de previsão legal; que a lei vigente à época não previa a concessão do auxílio-acidente ao segurado especial, o que somente ocorreu após o advento da Lei Federal n. 12.873/2013, que alterou a redação do art. 39, inciso I, da Lei Federal n. 8.213/1991.

Todavia, na espécie, ao contrário do afirmado pelo próprio autor, na petição inicial, e pela autarquia previdenciária, em suas peças de defesa, verifica-se que o acidente de trabalho, na verdade, ocorreu em 5 de maio de 1992 (Evento 48, Informação 69, página 1), e o segurado requereu administrativamente o benefício de auxílio-doença (DER) em 29.05.1992, cessando seus efeitos em 3.7.1992, de modo que a lei aplicável ao caso é a Lei n. 8.213/91, na sua redação original, que estava em vigor na época, não se aplicando ao caso as disposições da Lei n. 6.367/76 ou da Lei n. 8.213/91 com a redação dada pela Lei n. 9.032/95.

A perícia judicial também não deixa dúvidas quanto à data do acidente. Ao responder os quesitos ofertados pelas partes, o perito atestou que a amputação traumática em 2º, 3º e 4º dedos da mão direita é decorrente do acidente de trabalho ocorrido em 05.05.1992 (quesito c, Evento 29, laudo pericial 46).

Dessa forma, a norma vigente à época do acidente é a lei 8.213/91 na sua redação original que passou a viger a partir de 24.07.1991.

Do enquadramento do trabalhador rural como segurado da previdência social geral e do direito ao benefício acidentário pleiteado

Sustenta o INSS que o segurado sofreu acidente de trabalho em 5 de maio de 1990, no desempenho de suas atividades na agricultura, ou seja, na vigência da Lei n. 6.367/76.

Defende que, à época, o segurado estava enquadrado como trabalhador rural e que a legislação em vigor impedia a concessão do benefício de auxílio-acidente ante a falta de previsão legal; que a lei vigente à época não previa a concessão do auxílio-acidente ao segurado especial, o que somente ocorreu após o advento da Lei Federal n. 12.873/2013, que alterou a redação do art. 39, inciso I, da Lei Federal n. 8.213/1991.

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