Acórdão Nº 0300356-57.2018.8.24.0256 do Primeira Turma Recursal, 13-08-2020

Número do processo0300356-57.2018.8.24.0256
Data13 Agosto 2020
Tribunal de OrigemModelo
ÓrgãoPrimeira Turma Recursal
Classe processualRecurso Inominado
Tipo de documentoAcórdão



ESTADO DE SANTA CATARINA

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SANTA CATARINA

Primeira Turma Recursal


Recurso Inominado n. 0300356-57.2018.8.24.0256, de Modelo

Relator: Juiz Marcio Rocha Cardoso


RECURSO INOMINADO. VICE-PREFEITA DE SERRA ALTA. AGENTE POLÍTICO. REMUNERAÇÃO POR MEIO DE SUBSÍDIO MENSAL PAGO EM PARCELA ÚNICA. PLEITO PELO RECEBIMENTO DE VALORES A TÍTULO DE FÉRIAS ACRESCIDAS DO TERÇO CONSTITUCIONAL E GRATIFICAÇÃO NATALINA. PARCIAL PROCEDÊNCIA NA ORIGEM. INSURGÊNCIA DO MUNICÍPIO. ALEGAÇÃO DE QUE INEXISTE LEI LOCAL QUE PREVEJA O PAGAMENTO DAS BENESSES. ACOLHIMENTO. REVERÊNCIA AO PRINCÍPIO DA LEGALIDADE. PRETENSÃO INDEVIDA. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO PARA JULGAR IMPROCEDENTE O PEDIDO INICIAL. SENTENÇA MODIFICADA.

"Lei municipal que autoriza o pagamento de férias e gratificação natalina a agentes políticos não se rivaliza com o disposto no art. 39, § 4º, da CF/88 (STF, Tema 484, rel. Min. Roberto Barroso). Perdura, no entanto, outro debate: a necessidade de lei doméstica ratificando a prerrogativa. A melhor solução é dar preponderância à legalidade (art. 37 da CF/88), sendo justificável o pagamento apenas nos casos em que a norma local ratifique as tais verbas" (Apelação Cível n. 0300910-68.2017.8.24.0242,de Ipumirim, Desembargador Hélio do Valle Pereira, j. 11/4/2019).


Vistos, relatados e discutidos estes autos de Recurso Inominado n. 0300356-57.2018.8.24.0256, da comarca de Modelo Vara Única, em que é/são Recorrente Município de Serra Alta,e Recorrido Belamar Lucia Ghidini Teodoro:


A Primeira Turma de Recursos decidiu à unanimidade, nos termos do voto do relator, conhecer do recurso e dar-lhe provimento.


Participaram do julgamento os Exmos. Srs. Juízes de Direito Davidson Jahn Mello e Paulo Marcos de Farias.


Florianópolis, 13 de agosto de 2020.



Marcio Rocha Cardoso

Relator







RELATÓRIO


Dispensado o relatório, conforme o disposto no art. 46 da Lei n. 9.099/95.


VOTO

Tratam os autos de recurso inominado interposto em face de sentença que julgou procedente o pedido inicial e condenou a parte ré ao pagamento das verbas de férias, terço constitucional e gratificação natalina em relação ao período em que a parte autora esteve à frente de cargo político junto ao Município. Insurge-se a parte ré, todavia, sustentando que não possui legislação local prevendo o pagamento destas verbas, motivo pelo qual postula pela reforma da decisão a quo.


Pois bem, de início cumpre apontar que o recurso aforado comporta acolhimento. Explico. Sabe-se que a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (CRFB/1988) estabeleceu um sistema remuneratório para os ocupantes de cargos, funções e empregos públicos da administração direta, autárquica e fundacional, para os membros dos Poderes, para os detentores de mandatos eletivos e para todos os demais agentes políticos. Na melhor lição de Hely Lopes Meirelles1

[...] o sistema remuneratório ou a remuneração em sentido amplo da Administração direta e indireta para o servidores da atica compreende as seguintes modalidades: a) subsídio, constituído de parcela única e permanente, como regra geral, aos agentes políticos; b) remuneração, dividida em (b1) vencimentos, que corresponde ao vencimento [...] e às vantagens pessoais [...] e em (b2) salário, pago aos empregados públicos da Administração direta e indireta regidos pela CLT [....].


No caso específico dos agentes políticos, o art. 39, §4º da CRFB/1988, na redação dada pela Emenda Constitucional (EC) n. 19/1988, estabelece que a sua remuneração deve se dar exclusivamente através de subsídio fixado em parcela única, "[...] vedado o acréscimo de qualquer gratificação, adicional, abono, prêmio, verba de representação ou outra espécie remuneratória, obedecido, em qualquer caso, o disposto no art. 37, X e XI."


Assim, cumpre destacar que o subsídio é


[...] uma modalidade de remuneração, fixada em parcela única, paga obrigatoriamente aos detentores de mandato eletivo (Senadores, Deputados Federais e Estaduais, Vereadores, Presidente e Vice-Presidente, Governador e Vice-Governador e Prefeito e Vice-Prefeito) e aos demais agentes políticos [...].::

Dessa maneira, para aqueles que a CRFB/1988 entende como agentes políticos, o subsídio é a única forma de remuneração possível, constituído de parcela única. Nesse sentido é que o §4º veda expressamente expressamente que esta parcela seja acrescida de qualquer gratificação, adicional, abono, prêmio, verba de representação ou outra qualquer espécie remuneratória.


No entanto, como o texto deve ser interpretado de forma contextualizada e sistemática, importa destacar que o regime de subsídio se compatibiliza com valores correspondetes a determinados direitos previstos por ele. É o caso, por exemplo, da gratificação natalina e do terço de férias. Ainda que se possa dizer que o subsídio é parcela única, as duas verbas são compatíveis com o sistema remuneratório estabelecido pela CRFB/1988. Isso porque o próprio texto constitucional estabelece referidas verbas como devidas a todos os trabalhadores, nos termos do art. 7º, VIII e XVII.

Este entendimento, aliás, foi exarado pelo Excelso Pretório no julgamento do Recurso Extraordinário (RE) n. 650898/RS, com repercussão geral (Tema n. 484). Entenderam os ministros que o sistema de subsídio não é incompatível com o pagamento do adicional de férias e décimo terceiro, firmando a seguinte tese: "O art. 39, § 4º, da Constituição Federal não é incompatível com o pagamento de terço de férias e décimo terceiro salário." (STF. RE 650898, Relator(a): Min. Marco Aurélio. Relator(a) p/ Acórdão: Min. Roberto Barroso, Tribunal Pleno, julgado em 01/02/2017)


Nesse sentido, diversos são os precedentes:


RECURSO INOMINADO. AGENTE POLÍTICO. VEREADOR. MUNICÍPIO DE SERTÃO. GRATIFICAÇÃO NATALINA. REMUNERAÇÃO NA FORMA DE SUBSÍDIO. EXISTÊNCIA DE LEI MUNICIPAL. DIREITO EVIDENCIADO. 1. Conforme entendimento do Supremo Tribunal Federal, pacificado em regime de Repercussão Geral no Recurso Extraordinário nº 650898 - Tema 484, o décimo terceiro salário e o terço de férias não são incompatíveis aos agentes políticos. Por outro lado, em complementação a esse entendimento, o Superior Tribunal de Justiça no julgamento do REsp 837.188/DF, já decidiu que a aplicabilidade dos direitos sociais, como o direito a férias e gratificação natalina, aos agentes políticos, somente é cabível se expressamente autorizada por lei. 2. No caso dos autos, tendo em vista que o Município de Sertão possui legislação específica regulando o direito de gratificação natalina aos vereadores do Município, faz jus o autor ao pagamento pleiteado. 3. Sentença de procedência mantida por seus próprios fundamentos. RECURSO INOMINADO DESPROVIDO. UNÂNIME. (TJRS. Recurso Cível Nº 71008245987, Terceira Turma Recursal da Fazenda Pública, Turmas Recursais, Relator: Alan Tadeu Soares Delabary Junior, Julgado em 25/04/2019)


ADMINISTRATIVO. PREFEITO DO MUNICÍPIO DE BOM JESUS DO OESTE. AGENTE POLÍTICO. SUBSÍDIO FIXADO EM PARCELA ÚNICA. FÉRIAS ACRESCIDAS DO TERÇO CONSTITUCIONAL E GRATIFICAÇÃO NATALINA. CONVERSÃO EM INDENIZAÇÃO. POSSIBILIDADE. EXEGESE DOS ARTS. 7º, VIII E XVII, E 39, §§ 3º E 4º, AMBOS DA CF/1988. DIREITO RECONHECIDO. PRECEDENTES DESTA CORTE DE JUSTIÇA. SENTENÇA MANTIDA.

[...]

(TJSC, Apelação Cível n. 0300438-25.2017.8.24.0256, de Modelo, rel. Des. Jorge Luiz de Borba, Primeira Câmara de Direito Público, j. 05-06-2018).

No entanto, ainda que se possa estabelecer a compatibilidade entre o regime de subsídios e os direitos sociais previstos no texto constitucional, deve-se compreender que deverão ser observados no caso concreto os princípios constitucionais, "[...] especialmente os da legalidade, razoabilidade e moralidade, sob pena de caracterizarem inaceitável fraude aos limites remuneratórios e ao conceito constitucional de subsídio [...]."

Assim, para fazer jus ao recebimento destes direitos sociais, deve haver expressa previsão em lei. Isso porque, frise-se, necessário compreender que a administração de um modo geral está submetida ao princípio da estrita legalidade, além da vinculação orçamentária. Com efeito, não se deve compreender que, a teor do decidido pelo STF, tais verbas devam ser pagas indistintamente a todos os ocupantes de cargos eletivos. Necessário, do contrário, que se tenha previamente todo um estudo de viabilidade, além do regular trâmite legislativo formal e materialmente legal/constitucional, com justificativa, iniciativa, deliberação, votação, sanção ou veto, promulgação e publicação.


Aliás, esta é a lição que emana do STJ no julgamento do Recurso Especial (REsp) n. 837.188/DF, momento em que pacificou o entendimento de que os direitos sociais, como a gratificação natalina e o direito a férias, aos agentes políticos, não tem aplicação imediata, somente sendo cabível quando expressamente previstos por lei. No voto, deixou claro o Ministro Hamilton Carvalhido que “[...] a aplicabilidade dos direitos sociais, nomeadamente no caso como gratificação natalina, aos agentes políticos somente tem cabida se expressamente autorizada por lei”. (REsp 837.188/DF, Rel. Ministro Hamilton Carvalhido, Sexta Turma, julgado em 26/02/2008).


Nesse seguimento, impera-se, pois, que o benefício da gratificação natalina e terço de férias pleiteado pelo autor, embora compatível com a CRFB/1988, não é autoaplicável dependendo de...

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