Acórdão Nº 0300357-56.2017.8.24.0004 do Primeira Câmara de Direito Civil, 11-02-2021

Número do processo0300357-56.2017.8.24.0004
Data11 Fevereiro 2021
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoPrimeira Câmara de Direito Civil
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Nº 0300357-56.2017.8.24.0004/SC

RELATOR: Desembargador RAULINO JACÓ BRUNING

APELANTE: HOTEL BECKER LTDA APELADO: ESCRITORIO CENTRAL DE ARRECADACAO E DISTRIBUICAO ECAD

RELATÓRIO

Adoto o relatório da r. sentença (EVENTO 21), da lavra da Magistrada Ligia Boettger Mottola, por refletir fielmente o contido no presente feito, in verbis:

Escritório Central de Arrecadação e Distribuição - Ecad ingressou com ação em desfavor de Hotel Becker Ltda Me, pugnando pela condenação deste ao pagamento do valor de R$ 34.998,60, pelo uso em suas dependências, sem autorização prévia, de obras musicais, audiovisuais e assemelhados. Pugnou, ainda, em medida liminar, que fosse ordenado ao requerido a suspensão de qualquer comunicação ao público de obras musicais enquanto não providenciada a prévia e expressa autorização do autor; ou o imediato recolhimento dos valores. Pediu a condenação ao pagamento das parcelas ema atraso desde julho de 2014 e mais as que se vencerem no curso da demanda.

Indeferido o pedido liminar através da decisão de págs. 232/234.

Contestação às págs. 272/288. Invocou a parte requerida, em preliminares: a) a ilegitimidade passiva ad causam, alegando que a empresa de TV a cabo contratada pelo hotel é quem deve custear o pagamento dos direitos autorais; b) prescrição trienal, prevista no art. 206, § 3º, V, do CC. No mérito, alegou que há apenas 50 quartos com aparelhos de televisão, inexistindo sonorização em aposentos ou áreas comuns, apenas nos locais em que servido o almoço e a jantar, com o devido recolhimento da verba devida (direitos autorais). Sustentou que o quarto de hotel não pode ser considerado "local de frequência coletiva", e que não possui locais com sonorização ambiente, e que a reprodução musical ocorre de forma pessoal e individual nos quartos, onde somente há o aparelho de televisão, com sinal a cabo, de forma que os direitos autorais devem ser recolhidos pelas emissoras e não pelo demandado, que não obtém lucro com essa atividade. Ponderou que a taxa de ocupação, no último ano, teve média de 25% em baixa temporada, impugnando os valores pretendidos pela parte autora, insurgindo-se em relação aos encargos moratórios. Requereu a extinção do processo ou, alternativamente, a improcedência. Formulou pedidos subsidiários. Juntou documentos.

Manifestação à contestação às págs. 476/488.

Vieram os autos conclusos.

Este, em escorço suficiente, é o Relatório. Passo, pois, a decidir

Acresço que a Juíza a quo julgou parcialmente procedentes os pedidos iniciais, conforme parte dispositiva que segue:

III- DISPOSITIVO

Diante do exposto, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE o pedido formulado nestes autos, resolvendo o mérito na forma do art. 487, I, do CPC, para:

a) condenar a parte requerida ao pagamento em favor da autora do valor relativo aos direitos autorais, mediante critérios apontados pelo demandante, devendo ser considerada, contudo, a taxa de ocupação do réu em relação aos quartos, com acréscimo de correção monetária pelo INPC a contar da data em que deveria ter sido efetuado cada pagamento e juros de mora de 1% ao mês, desde a citação, excluída a multa;

b) condenar a requerida a pagar à parte autora o valor referente às prestações que se venceram após o ajuizamento da presente ação e as parcelas vincendas até a data do efetivo pagamento, com atualização desde o vencimento de cada parcela;

c) determinar ao réu, a fim de inibir a execução de obras protegidas sem o pagamento dos direitos autorais devidos, cesse a transmissão por meio dos aparelhos disponibilizados nos seus aposentos, até que obtenha expressa autorização da parte autora, sob pena de multa diária, fixada em R$ 200,00 (duzentos reais).

Diante da sucumbência recíproca, arcam as partes com as custas (70% para a parte ré e 30% para a autora). Honorários advocatícios em favor do procuradora da parte autora em 10% sobre o valor da condenação e ao advogado da parte requerida em 10% sobre o valor expurgado da dívida originária.

Publique-se. Registre-se. Intimem-se.

Havendo a interposição de recurso, intime-se a parte apelada para apresentar contrarrazões no prazo legal e, observando-se o disposto no art. 1.010, §3º, do CPC, ascendam os autos ao E. Tribunal de Justiça, com as anotações de estilo.

Transitada em julgado, e cumpridas as formalidades, arquivem-se.

Inconformado, Hotel Becker Ltda. apela, sustentando que: a) utiliza da "TV por assinatura", que não está disponível aos usuários em geral; b) somente os pagantes da "TV a cabo" têm acesso à programação, razão pela qual não é possível que sejam, mais uma vez, cobrados; c) a hospedagem em hotel deve ser equiparada à moradia, de sorte que não se trata de local com reprodução pública de frequência coletiva, tornando injustificada a cobrança pretendida; d) a condenação à correção monetária pelo INPC é indevida e impossível, porque somente estará constituído em mora quando a obrigação se tornar líquida e for intimado para adimplir o débito; e) como não fora apurada a taxa de ocupação de cada mês - que é necessário liquidar -, não deve incidir a correção monetária; f) "restaria apurar a taxa de ocupação nos meses referidos como vencidos, o que não consta no processo, tornando os valores genéricos"; g) a tutela inibitória deve ser suprimida, pois impede o livre exercício da atividade empresarial (EVENTO 32).

Também inconformado, o ECAD insurge-se argumentando, em compendiado, que: a) tem a prerrogativa da fixação de seus preços; b) determinar que a quantia final seja apurada com base em dados apresentados unilateralmente pelo hotel é indevido; c) "o ECAD se utiliza de critérios técnicos, que devem ser aplicados de forma uniforme para todos os usuários, posto que, dessa forma se respeita as diferenças regionais de ocupação de redes de hotéis"; d) os juros de mora devem incidir de cada parcela vencida; d) os honorários devem ser majorados para 20% do valor da condenação (EVENTO 30).

Intimadas ambas as partes para ofertarem contrarrazões (EVENTO 38), permaneceram inertes (EVENTO 45).

VOTO

De antemão, anota-se que ambos os recursos são cabíveis, próprios, tempestivos (EVENTO 37) e estão munidos de preparo (EVENTOS 30 e 32).

1. Do recurso do Hotel

A insurgência investe contra sentença em que a Magistrada a quo entendeu devidos os pagamentos de direitos autorais ao ECAD, cujo fato gerador reside na transmissão de canais de televisão "a cabo" nas unidades de hospedagem do Hotel requerido.

Primeiramente, convém pontuar que o Escritório Central de Arrecadação e Distribuição, doravante apenas ECAD, é pessoa jurídica de direito privado que atua nos interesses de titulares de direitos autorais, com finalidade de fiscalizar e angariar o proveito econômico obtido a partir do uso desses.

Nessa quadra, a função de fiscalização pelo Escritório Central determina-se por força da hermenêutica constitucional, segundo a qual "são assegurados, nos termos da lei, o direito de fiscalização do aproveitamento econômico das obras que criarem ou de que participarem aos criadores, aos intérpretes e às respectivas representações sindicais e associativas" (art. 5º, XXVIII, "b", CF).

Outrossim, a doutrina leciona:

A intenção do legislador constituinte foi assegurar aos titulares de direitos autorais (autores, intérpretes, produtores fonográficos, empresas de radiodifusão) o direito de fiscalização do aproveitamento econômico de suas obras. Ora, o criador ou artista intérprete vive de suas criações artísticas e nada mais certo do que garantir a possibilidade de fiscalizar esse aproveitamento econômico (Utilização Musical e Direito Autoral. São Paulo: Bookseller, 2000. p. 32/32).

A par disso, a Lei de Direitos Autorais (9.610/1998) dispõe:

Art. 28. Cabe ao autor o direito exclusivo de utilizar, fruir e dispor da obra literária, artística ou científica.

Art. 29. Depende de autorização prévia e expressa do autor a utilização da obra, por quaisquer modalidades, tais como:

I - a reprodução parcial ou integral;

[...]

VIII - a utilização, direta ou indireta, da obra literária, artística ou científica, mediante:

d) radiodifusão sonora ou televisiva;

Art. 68. Sem prévia e expressa autorização do autor ou titular, não poderão ser utilizadas obras teatrais, composições musicais ou lítero-musicais e fonogramas, em representações e execuções públicas.

[...]

§ 3º Consideram-se locais de freqüência coletiva os teatros, cinemas, salões de baile ou concertos, boates, bares, clubes ou associações de qualquer natureza, lojas, estabelecimentos comerciais e industriais, estádios, circos, feiras, restaurantes, hotéis, motéis, clínicas, hospitais, órgãos públicos da administração direta ou indireta, fundacionais e estatais, meios de transporte de passageiros terrestre, marítimo, fluvial ou aéreo, ou onde quer que se representem, executem ou transmitam obras literárias, artísticas ou científicas (grifo acrescido).

§ 4º Previamente à realização da execução pública, o empresário deverá apresentar ao escritório central, previsto no art. 99, a comprovação dos recolhimentos relativos aos direitos autorais.

[...]

Frente a isso, observa-se que para a utilização de obras teatrais, musicais, lítero-musicais, etc, em ambientes de frequência coletiva, mister que haja prévia e expressa autorização do detentor do direito autoral ou do próprio ECAD, procedendo-se a respectiva contraprestação pecuniária.

Na espécie, adianta-se que não há dúvidas sobre a ausência de pedido de autorização do uso das obras aos respectivos titulares do direito (ou ao ECAD) pelo hotel - assim como também não há controvérsia sobre a inexistência de referendado pagamento.

Contudo, a fim de eximir-se do adimplemento das verbas, argumenta o empreendimento hoteleiro que já paga pelo serviço da empresa de "TV a cabo" para poder reproduzir os canais "por assinatura", motivo pelo qual a obrigação de pagar direitos autorais ao ECAD resultaria em bis in idem.

Ademais, também assevera que os canais de televisão somente estão disponíveis aos hóspedes, razão pela qual não se trata de reprodução em...

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