Acórdão Nº 0300399-32.2015.8.24.0051 do Segunda Turma Recursal, 07-07-2020

Número do processo0300399-32.2015.8.24.0051
Data07 Julho 2020
Tribunal de OrigemPonte Serrada
ÓrgãoSegunda Turma Recursal
Classe processualRecurso Inominado
Tipo de documentoAcórdão




ESTADO DE SANTA CATARINA

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SANTA CATARINA

Segunda Turma Recursal





Recurso Inominado n. 0300399-32.2015.8.24.0051, de Ponte Serrada

Relatora: Juíza Margani de Mello









PROTESTO INDEVIDO. ENDOSSO-MANDATO. LEGITIMIDADE DO ENDOSSATÁRIO RECONHECIDA. POSSIBILIDADE DE RESPONSABILIZAÇÃO DO ENDOSSATÁRIO NOS CASOS DE EXTRAPOLAÇÃO DOS PODERES DO MANDATO. INTELIGÊNCIA DA SÚMULA N. 476, DO STJ. DUAS HIPÓTESES RECONHECIDAS PELA JURISPRUDÊNCIA QUE SE ENCAIXAM NO CONCEITO INDICADO PELA CORTE SUPERIOR: (I) CIÊNCIA DO ENDOSSATÁRIO, POR NOTIFICAÇÃO/INFORMAÇÃO DO DEVEDOR OU DO ENDOSSANTE, SOBRE O PAGAMENTO PRÉVIO AO PROTESTO, E (II) CIÊNCIA DO ENDOSSATÁRIO SOBRE A FALTA DE HIGIDEZ DO TÍTULO. DUPLICATA MERCANTIL SEM ACEITE. COMPROVAÇÃO DA ENTREGA/PRESTAÇÃO DOS SERVIÇOS COMO REQUISITO DE EXIGIBILIDADE DO TÍTULO. DEVER DO ENDOSSATÁRIO DE EXIGIR DO ENDOSSANTE A APRESENTAÇÃO DOS DOCUMENTOS COMPROBATÓRIOS, SOB PENA DE SER RESPONSABILIZADO PELA REALIZAÇÃO DE PROTESTO DE TÍTULO INEXIGÍVEL/SEM HIGIDEZ. CASO CONCRETO. INSTITUIÇÃO QUE APORTA SOMENTE CONTRATO DE OPERAÇÕES BANCÁRIAS PARA COBRANÇA E BORDERÔ. AUSENTE DOCUMENTAÇÃO CAPAZ DE COMPROVAR A EFETIVA ENTREGA/PRESTAÇÃO DOS SERVIÇOS, REQUISITO ESSENCIAL PARA ATESTAR A LEGALIDADE DO PROTESTO. CONDUTA QUE CARACTERIZA EXTRAPOLAÇÃO DOS PODERES DO MANDATO. RESPONSABILIDADE DO ENDOSSATÁRIO RECONHECIDA. DANOS MORAIS PRESUMIDOS. PEDIDO SUBSIDIÁRIO DE MINORAÇÃO DO QUANTUM INDENIZATÓRIO. ACOLHIMENTO. REDUÇÃO QUE SE REVELA NECESSÁRIA PARA ATENDER OS CRITÉRIOS DE RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE. RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO.



Vistos, relatados e discutidos estes autos de Recurso Inominado n. 0300399-32.2015.8.24.0051, da comarca de Ponte Serrada Vara Única, em que é recorrente Banco do Estado do Rio Grande do Sul S/A, e recorrido Sagian Transportes Ltda ME:

I - RELATÓRIO

Conforme autorizam o artigo 46, da Lei 9.099/95, e o Enunciado n. 92, do FONAJE, dispensa-se o relatório.

II - VOTO

Insurge-se a instituição financeira contra a sentença de pp. 100-107, da lavra do juiz Luciano Fernandes da Silva, sustentando, em síntese, que a) agiu em exercício regular de direto ao encaminhar o título para protesto, b) não restou comprovada a ocorrência de danos morais no caso concreto. Requer a reforma do julgado, com o afastamento ou, subsidiariamente, minoração da condenação indenizatória imposta (R$ 15.000,00 – quinze mil reais).

Contrarrazões apresentadas às pp. 139-146.

O reclamo merece parcial provimento.

A controvérsia gira em torno da responsabilidade civil da instituição financeira por protesto supostamente indevido em casos em que atua através de endosso-mandato.

O Superior Tribunal de Justiça já se manifestou sobre o tema, editando, inclusive, o verbete Sumular n. 476:



O endossatário de título de crédito por endosso-mandato só responde por danos decorrentes de protesto indevido se extrapolar os poderes de mandatário.


Em que pese definir que a responsabilidade do endossatário se limita aqueles casos em que se verifica a extrapolação dos poderes conferidos através de mandato, o Superior Tribunal de Justiça não apontou, no verbete sumular, as hipóteses em que se caracterizaria o excesso. Coube, portanto, à doutrina e à jurisprudência fixarem os limites indicados pela Súmula.

No julgamento do recurso repetitivo n. 1.063.474/RS, relatado pelo Ministro Luis Felipe Salomão – que culminou na edição da Súmula n. 476 – foi reconhecido que o apontamento do protesto após a ciência, pela instituição financeira endossatária, do pagamento anterior ou da falta de higidez do título caracterizaria extrapolação dos poderes de mandatário1Verifica-se, portanto, a existência de duas hipóteses.

(I) A primeira hipótese (ciência do pagamento anterior) caracteriza-se quando (i) todos os requisitos de exigibilidade do título apresentado para protesto forem comprovados pela instituição financeira e (ii) o devedor comprovar documentalmente que a instituição financeira endossatária foi notificada/informada por ele, ou pelo endossante, sobre o pagamento prévio ao protesto.

Nestes casos, a endossatária extrapola os poderes do mandato ao realizar protesto mesmo ciente do pagamento anterior e, portanto, deve ser responsabilizada. Pontua-se que, caso o devedor não comprove a cientificação da instituição financeira, a responsabilidade deve ser afastada.

(II) A segunda hipótese (falta de higidez do título) caracteriza-se quando o título encaminhado para protesto não preenche todos os requisitos de exigibilidade. É dever da instituição financeira endossatária conferir o preenchimento dos requisitos de exigibilidade e validade do título que pretende encaminhar para protesto, cabendo sua responsabilização nos casos em que o título protestado não seja exigível.

No caso das duplicatas mercantis e de prestação de serviços sem aceite, o comprovante de entrega da mercadoria/prestação de serviços é indispensável para a realização do protesto e caracteriza-se como requisito de exigibilidade do título.

A respeito, ensina Fabio Ulhoa Coelho (2019):


A duplicata de prestação de serviços está sujeita ao mesmo regime da duplicata mercantil. Apenas duas especificidades devem ser destacadas: a) a causa que autoriza sua emissão não é a compra e venda mercantil, mas a prestação dos serviços; b) o protesto por indicações depende da apresentação, pelo credor, de documento comprobatório da existência do vínculo contratual e da efetiva prestação dos serviços obrigada à escrituração do Livro de Registro de Duplicatas, à emissão de fatura ou nota fiscal-fatura discriminatória dos serviços contratados. (grifei)


E, também, colhe-se do inteiro teor do voto do Ministro Luis Felipe Salomão no julgamento do recurso repetitivo n. 1.063.474/RS:


Consta dos autos que o banco endossatário recebeu duplicata não aceita e sem nenhum comprovante da entrega da mercadoria ou da prestação de serviço e, ainda assim, indicou o título a protesto.

Em situação idêntica, já decidiu esta Corte que "ausente o aceite das duplicatas, cabe ao endossatário exigir do endossante a apresentação do comprovante de entrega das mercadorias ou da prestação dos serviços, no momento em que realizado o endosso" (REsp 770.403/RS, Rel. Ministro CASTRO FILHO, TERCEIRA TURMA, julgado em 25/04/2006, DJ 15/05/2006, p. 212).

Com efeito, no caso concreto, o título apontado a protesto não ostentava, primo icto oculi, condições de exigibilidade, razão pela qual, assim como entendeu o acórdão recorrido, tenho por configurada a conduta negligente do endossatário.

(sem grifos no original)



Diante deste cenário, (i) é responsabilidade do endossatário exigir do endossante documentos que comprovem a efetiva entrega do produto/prestação dos serviços cobrados através da duplicata no momento do endosso; e (ii) caracteriza a extrapolação dos poderes do mandato a realização de protesto de duplicata desacompanhada do comprovante de entrega/prestação do serviço, sendo inafastável nestes casos a responsabilização do endossatário por eventuais danos sofridos pelo devedor.

Nesse sentido, colhe-se da jurisprudência:


APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO E ANULAÇÃO DE CAMBIAL CUMULADA COM SUSTAÇÃO DEFINITIVA DE PROTESTO E DANOS MORAIS. PARCIAL PROCEDÊNCIA NA ORIGEM. RECURSO DA PARTE AUTORA. PRETENDIDA RESPONSABILIZAÇÃO DA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA. PROTESTO INDEVIDO. ENDOSSO MANDATO. POSSIBILIDADE DE RESPONSABILIZAÇÃO DA CASA BANCÁRIA EM CASO DE ATITUDE CULPOSA OU EXCESSO DOS PODERES CONFERIDOS PELO MANDATO. DUPLICATAS EMITIDAS SEM CAUSA DEBENDI. NEGLIGÊNCIA DA CASA BANCÁRIA AO NÃO AUFERIR HIGIDEZ DOS TÍTULOS. CONDUTA CULPOSA DEMONSTRADA. DANO MORAL PRESUMIDO. DEVER DE COMPENSAR. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA ENTRE A EMPRESA EMITENTE DO TÍTULO E A INSTITUIÇÃO FINANCEIRA ENDOSSATÁRIA. PEDIDO DE MAJORAÇÃO DA INDENIZAÇÃO FIXADA EM R$ 10.000,00 (DEZ MIL REAIS). MENSURAÇÃO DO DANO. ORIENTAÇÃO PELOS CRITÉRIOS DA RAZOABILIDADE E DA PROPORCIONALIDADE. ARBITRAMENTO EM R$ 25.000,00 (VINTE E CINCO MIL REAIS). RECURSO PROVIDO. "É possível responsabilizar o endossatário que leva a protesto título recebido via endosso-mandato quando ele 'extrapola os poderes de mandatário ou em razão de ato culposo próprio, como no caso de apontamento depois da ciência acerca do pagamento anterior ou da falta de higidez da cártula'...

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