Acórdão Nº 0300411-63.2016.8.24.0034 do Quinta Câmara de Direito Comercial, 05-03-2020

Número do processo0300411-63.2016.8.24.0034
Data05 Março 2020
Tribunal de OrigemItapiranga
ÓrgãoQuinta Câmara de Direito Comercial
Classe processualApelação Cível
Tipo de documentoAcórdão




Apelação Cível n. 0300411-63.2016.8.24.0034, de Itapiranga

Relator: Desembargador Monteiro Rocha

DIREITO COMERCIAL E CONSUMIDOR - OBRIGAÇÕES - CONTRATO DE EMPRÉSTIMO CONSIGNADO VIA CARTÃO DE CRÉDITO (RMC) - INEXIGIBILIDADE DE DÉBITO C/C INDENIZAÇÃO POR ABALO DE CRÉDITO - PROCEDÊNCIA NO JUÍZO A QUO - INCONFORMISMO DO RÉU - 1. AUSÊNCIA DE OFENSA AO DEVER DE INFORMAÇÃO E TRANSPARÊNCIA - PRETENSA CONTRATAÇÃO DE EMPRÉSTIMO CONSIGNADO MEDIANTE DESCONTO DIRETO EM FOLHA DE PAGAMENTO - ADESÃO A CARTÃO DE CRÉDITO CONSIGNÁVEL - APLICAÇÃO DE ENCARGOS SUPERIORES À PRETENSA CONTRATAÇÃO - READEQUAÇÃO DO CONTRATO DEVIDA - 2. INOCORRÊNCIA DE ABALO DE CRÉDITO - PRÁTICA COMERCIAL ABUSIVA - ENTENDIMENTO CONSOLIDADO DESTE ÓRGÃO JULGADOR - DEVER DE INDENIZAR CONFIGURADO - 3. MINORAÇÃO DO QUANTUM INDENIZATÓRIO - ACOLHIMENTO - VALOR INADEQUADO - RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO.

1. Em contrato de adesão a empréstimo consignado via cartão de crédito, o consumidor deve ser bem informado, quanto à modalidade contratual, quanto aos encargos convencionais do empréstimo e quanto aos descontos em folha de pagamento, sob pena de afronta à informação e à boa-fé objetiva.

O reconhecimento de cláusula contratual abusiva não implica na remissão da dívida e tampouco na invalidação do contrato, acolhendo-se a modalidade de empréstimo pessoal consignado, da qual pretendia fazer parte.

2. Constitui ilícito passível de indenização a prática comercial abusiva que induz o consumidor à contratação de empréstimo consignado via cartão de crédito, com aplicação de encargos superiores àqueles aos quais o aderente pretendia contratar.

3. Minora-se quantum reparatório que inobserva os critérios razoabilidade/proporcionalidade, fixando-se valor que não seja fonte de lucro à vítima e que não gere revolta ao patrimônio moral do ofendido.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível n. 0300411-63.2016.8.24.0034, da comarca de Itapiranga Vara Única em que é Apelante Banco Pan S/A e Apelada Célia Consatti de Lima.

A Quinta Câmara de Direito Comercial decidiu, por votação unânime, conhecer do recurso do réu e dar-lhe parcial provimento, nos termos do voto do Relator. Custas legais.

Presidiu a sessão, com voto, o Exmo. Sr. Des. Cláudio Barreto Dutra e participou do julgamento, realizado em 05 de março de 2020, o Exmo. Sr. Des. Jânio Machado.

Florianópolis, 17 de março de 2020.

Desembargador Monteiro Rocha

Relator


RELATÓRIO

Trata-se de ação declaratória de inexigibilidade de débito, c/c indenização por abalo de crédito, movida por Célia Consatti de Lima contra Banco Pan S/A sob o fundamento de ter contratado empréstimo consignado, na condição de beneficiário do INSS, sem saber que estava adquirindo crédito por vinculação à saque de cartão de crédito.

Postulou a declaração de inexigibilidade do débito mais indenização por abalo creditício.

Citado, a réu apresentou contestação, defendendo ter agido de boa-fé e em estrito cumprimento/respeito à vontade exarada pelo contratante/adquirente. Disse que a autora não demonstrou a ocorrência de abalo, mas tão somente de mero aborrecimento cotidiano.

Requereu, enfim, a improcedência dos pedidos iniciais.

Houve réplica, em que a autora reconheceu a contratação de empréstimo consignado, porém refutou a contratação de cartão de crédito (fls. 101-102).

Processado o feito, sobreveio sentença, em que o magistrado a quo julgou procedentes os pedidos iniciais, declarando a inexistência do débito relacionado ao cartão de crédito não contratado e condenando o réu ao pagamento de indenização por abalo de crédito no valor de R$ 10.000,00.

Após, o banco opôs embargos declaratórios que foram rejeitados pelo juízo a quo.

Inconformado, o banco interpôs apelação, alegando que o contrato é claro em seus termos, tendo sido devidamente assinado pela consumidora.

Enfatizou que a sistemática do contrato foi devidamente esclarecida à autora, pelo que inexiste prática comercial abusiva a justificar a inexigibilidade de débito e a condenação por abalo de crédito.

Reforçou que deve haver o ressarcimento dos valores depositados em favor da autora, nos termos do art. 182 do CC/2002, pelo qual "Anulado o negócio jurídico, restituir-se-ão as partes ao estado em que antes dele se achavam, e, não sendo possível restituí-las, serão indenizadas com o equivalente".

Sucessivamente, requereu o afastamento do abalo de crédito ou a minoração do quantum indenizatório, pois fixado de forma desarrazoada.

A autora apresentou contrarrazões.

Este é o relatório.


VOTO

Conheço do recurso, porquanto preenchidos os reclames legais de admissibilidade.

A súplica recursal é dirigida contra sentença que julgou procedentes os pedidos iniciais, declarando a inexistência do débito relacionado ao cartão de crédito não contratado e condenando o réu ao pagamento de indenização por abalo de crédito no valor de R$ 10.000,00.

A sentença possui, em síntese, o seguinte fundamento:

"[...] denota-se que a autora não solicitou expressamente o cartão, tendo, ao que tudo indica, assinado os termos pois acreditou que estaria realizando o empréstimo requerido.

Outrossim, a autora afirma que jamais utilizou referido cartão, o que merece credibilidade, mormente porque não houve qualquer saque no cartão enviado pela ré, sendo que os débitos estão sendo pagos através de descontos do benefício previdenciário da autora, conforme extratos de fls. 103/113.

Portanto, referido valor diz respeito somente ao empréstimo realizado pela autora, não tendo qualquer relação com débitos advindos da utilização do cartão, sendo que este sequer foi desbloqueado. Além do mais, a instituição ré não traz qualquer documento que comprove que foi solicitado pela autora o Telesaque.

Assim, tendo a autora contratado apenas o empréstimo no valor de R$ 906,00 (novecentos e seis reais), sendo que este valor já está sendo descontado de seu benefício, conforme já mencionado, totalmente incabível a cobrança dos valores constantes nos boletos de fls. 8, 9, 12, 18, 20, 21 e 22.

[...]

Portanto, no presente caso, denota-se que a autora, aparentemente, não foi informada adequadamente acerca dos termos do contrato, sendo que a instituição ré não se desincumbiu de seu ônus de comprovar a validade das cobranças realizadas a autora.

Desta forma a procedência do feito é medida que se impõe".

Passo à análise do feito.

Recurso do banco

1. Nulidade contratual - alegada ausência de violação ao direito de informação

Alega o banco que o contrato é claro em seus termos, tendo sido devidamente assinado pela consumidora.

Enfatiza que a sistemática do contrato foi devidamente esclarecida à autora, pelo que inexiste prática comercial abusiva.

Reforçou que deve haver o ressarcimento dos valores depositados em favor da autora, nos termos do art. 182 do CC/2002, pelo qual "Anulado o negócio jurídico, restituir-se-ão as partes ao estado em que antes dele se achavam, e, não sendo possível restituí-las, serão indenizadas com o equivalente".

Razão parcial assiste ao réu.

A autora não desconhece a contratação de empréstimo consignado ao qual aderiu, no entanto destaca que a modalidade celebrada não lhe foi informada adequadamente, especialmente quanto à contratação de cartão de crédito e suas respectivas taxas de operação.

Como a demanda está fundamentada na ausência de compreensão quanto ao sentido e alcance do contrato - de modo a inviabilizar a vinculação do consumidor às obrigações por si assumidas -, a controvérsia cinge-se à falta de informação da operação bancária ao adquirente do crédito: se este detinha, ou não, conhecimento acerca da modalidade contratada e de suas consequências contratuais.

Para demonstrar a compreensão do contrato pela consumidora, o banco réu apresentou extratos de cartão de crédito consignado para desconto em folha de pagamento (fls. 91-92), ao qual a consumidora se obrigou a pagar mensalmente o valor indicado, na quantia base de R$36,55, cujo valor emprestado - que em princípio é de R$906,20 (fl. 96) - é acrescido de encargos remuneratórios de 3,36% a.m. e 48,67% a.a.

Entretanto, a simples apresentação dos extratos não comprovam a respectiva validade, mormente quando a alegação da autora é a ocorrência de vício de consentimento por falta de informação.

Assim, a instituição financeira não se desincumbiu de demonstrar que a autora detinha conhecimento sobre os meandros da contratação, em especial de que a contratação de empréstimo pela modalidade de saque via cartão de crédito possuía encargos muito superiores ao de empréstimo pessoal, além do que o contrato não está preenchido com o valor do empréstimo e das taxas incidentes (fl. 87).

É obrigação do fornecedor prestar as informações necessárias à perfectibilização da relação jurídica; a mera assinatura do instrumento contratual não torna clarividente o conhecimento acerca da modalidade, notadamente quanto à incidência de juros remuneratórios elevados.

O Diploma de Consumo relativizou o princípio do pacta sunt servanda, reformulando completamente a feição individualista que caracterizava o direito contratual privado, tornando inadmissíveis cláusulas contratuais que colocavam o consumidor em situação de desequilíbrio, exigindo comportamentos leais e solidários dos fornecedores, a fim de não causar prejuízo aos consumidores.

As provas trazidas pela instituição bancária demonstram a contratação - que no caso é incontroversa - , mas não apontam a cientificação do consumidor hipossuficiente acerca do seu alcance e dos encargos incidentes. Aos olhos do consumidor, o empréstimo consignado aparenta aquisição, contudo, é obscura, seja pela incerteza textual ao consumidor vulnerável, seja pela incontroversa falta de explicação sobre o contrato.

Outrossim, "nas declarações de vontade se atenderá mais à intenção nelas consubstanciada do que ao sentido literal da linguagem (art. 112, do CC)". Trata-se...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT