Acórdão Nº 0300414-29.2018.8.24.0040 do Terceira Câmara de Direito Comercial, 13-10-2022

Número do processo0300414-29.2018.8.24.0040
Data13 Outubro 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoTerceira Câmara de Direito Comercial
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Nº 0300414-29.2018.8.24.0040/SC

RELATOR: Desembargador RODOLFO TRIDAPALLI

APELANTE: FRANCISCO DE ASSIS MATIAS (AUTOR) APELANTE: BANCO BMG S.A (RÉU) APELADO: OS MESMOS

RELATÓRIO

Da ação

Adoto o relatório da sentença recorrida (Evento 43), em atenção aos princípios da celeridade e economia processual, por retratar com fidedignidade o trâmite processual no primeiro grau, in verbis:

FRANCISCO DE ASSIS MATIAS ingressou com Ação de Indenização por Dano Moral, com pedido de tutela provisória de urgência antecipada, em desfavor de BANCO BMG S.A, ambos devidamente qualificados.

Alegou, em síntese, que foi surpreendido com a inclusão, sem sua autorização, de reserva de margem consignável (RMC) em seu benefício previdenciário, realizando descontos referentes a um cartão de crédito não adquirido, o que caracterizaria fraude contratual.

Juntou documentos (Evento 01).

Recebida a inicial, foi deferido o pedido de tutela antecipada para determinar a suspensão da cobrança de reserva de margem consignável do benefício previdenciário do autor, dispensada a realização de audiência de conciliação, determinada a citação da parte requerida e deferido ao autor os benefícios da Justiça Gratuita (Evento 09).

Citada, a parte requerida apresentou contestação e documentos (Evento 25), na qual sustentou a legitimidade da contratação, refutando os argumentos e teses deduzidas na peça inicial, pugnando pela improcedência dos pedidos.

Houve réplica (Evento 29).

A parte requerida apresentou novos documentos junto ao Evento 31, tendo havido manifestação da parte autora - pugnando pela sua desconsideração - em petição lançada no Evento 37.

Da sentença

A Juíza de Direito, Dra. ELAINE CRISTINA DE SOUZA FREITAS, da 1ª Vara Cível da Comarca de Laguna, julgou procedentes os pedidos iniciais, nos seguintes termos (Evento 43):

Ante o exposto, confirmo a tutela antecipada anteriormente concedida e, nos termos do artigo 487, inciso I, do Código de Processo Civil JULGO PROCEDENTES os pedidos formulados na peça inicial, para:

a) declarar inexistentes os débitos decorrentes do cartão de crédito mencionado no contrato anexado junto ao Evento 31 (Doc. 02) e, via de consequência, determinar a imediata cessação dos respectivos descontos;

b) condenar a parte ré ao pagamento de indenização por danos morais em favor da parte autora no valor de R$3.000,00 (três mil reais), atualizado monetariamente pelo INPC, e acrescido de juros moratórios, no percentual de 1% (um por cento) ao mês, ambos a partir do trânsito em julgado desta sentença, conforme fundamentação supra.

Condeno a parte ré, ainda, ao pagamento das custas processuais, bem como ao pagamento dos honorários advocatícios da parte ex adversa, que se fixa em 10% sobre o valor atualizado da condenação, a teor do artigo 85, §2º, do Código de Processo Civil.

Publique-se. Registre-se. Intimem-se.

Da Apelação do Banco

Inconformado com a prestação jurisdicional, o BANCO BMG S.A interpôs recurso de Apelação (Evento 48). Alega, em suma, a legalidade do contrato celebrado.

Aduz que o contrato de cartão de crédito consignado com possibilidade de saque é suficientemente claro e preciso ao identificar a modalidade que está se contratando, os mecanismos de pagamento e a cobrança dos débitos correspondentes.

Acrescenta que os documentos anexados aos autos demonstram que o contrato não dá margem a interpretação equivocada, pois existe autorização expressa do Autor para o desconto em folha de pagamento.

Assevera que inexistente a prática de ato ilícito, sendo indevida a condenação por dano moral. Ainda, sustenta que a situação fática descrita não caracteriza abalo moral indenizável, uma vez que o dano alegado sequer foi comprovado.

Busca a aplicação do entendimento firmado pelas Turmas Recursais dos Juizados Especiais Cíveis acerca da validade do contrato de cartão de crédito. Neste tópico, destaca que o entendimento já está pacificado nas Turmas de Uniformização, sendo já exarado pelo Superior Tribunal de Justiça, que reconhece a validade do pacto, bem como é adotado em primeira instância no TJSC.

Ao final, requer o provimento do Apelo, para reconhecer a validade da contratação, e a inexistência dos danos morais e materiais. Subsidiariamente, pugna pela minoração da indenização por abalo moral.

Da Apelação do Autor

O Autor FRANCISCO DE ASSIS MATIAS manejou recurso de Apelação com intuito de reforma da sentença para majorar a indenização por danos morais, bem como deve incidir, na indenização extrapatrimonial, juros de mora a partir do evento danoso. (Evento 55).

Das contrarrazões

Devidamente intimadas, as partes apresentaram contrarrazões (Eventos 59 e 60).

Os autos ascenderam ao Tribunal de Justiça.

Com a redistribuição, vieram-me conclusos.

Este é o relatório.

VOTO

I - Da admissibilidade

Os recursos preenchem os requisitos intrínsecos e extrínsecos de admissibilidade, razão pela qual merecem conhecimento.

II - Do julgamento do recurso

Tratam-se de Apelações Cíveis interpostas por BANCO BMG S.A e pelo Autor FRANCISCO DE ASSIS MATIAS, ambos contra a sentença que julgou procedentes os pedidos formulados na "Ação de Indenização por Dano Moral c/c Tutela de Urgência Antecipada".

a) Da preliminar - do julgamento paradigma - Turma de Uniformização.

Requer o Banco que este Tribunal de Justiça utilize o entendimento adotado pela Turma de Uniformização dos Juizados Especiais, que reconheceu a legalidade do contrato de cartão de crédito consignado, hipótese vertida nestes autos.

Contudo, razão não lhe assiste. Isto porque, o Grupo de Câmaras de Direito Comercial, em julgamento realizado em 12/06/2019, não admitiu o Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas n. 0000507-54.2019.8.24.0000, da lavra do Exmo. Des. MONTEIRO ROCHA, que envolvia a matéria inerente à (in)validade da contratação de empréstimo na modalidade de cartão de crédito com reserva de margem consignável (RMC).

Em corolário, entendo que o posicionamento assentado no âmbito dos Juizados Especiais Cíveis de Santa Catarina não incide nas demandas que tramitam no rito ordinário da Justiça comum. Esta intelecção decorre da necessidade de análise da contratação no caso concreto, desde a aceitação da proposta e assinatura da avença até o cumprimento das obrigações ajustadas, com intuito de aferir a ciência do consumidor acerca da espécie de contrato, inclusive se fez uso (ou não) do cartão de crédito.

Sobre o assunto, colaciono da jurisprudência desta Terceira Câmara de Direito Comercial:

APELAÇÕES CÍVEIS. AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE CONTRATUAL DE EMPRÉSTIMO CONSIGNADO DE CARTÃO DE CRÉDITO COM RMC CUMULADA COM PEDIDO DE REPETIÇÃO DE INDÉBITO E INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. SENTENÇA DE PARCIAL PROCEDÊNCIA.INSURGÊNCIA DE AMBAS AS PARTES.CONTRARRAZÕES. DEFENDIDA IRREGULARIDADE NO RECOLHIMENTO DO PREPARO. SISTEMA EPROC. PAGAMENTO EFETUADO DENTRO DO PRAZO AJUSTADO NA VIGÊNCIA DO ENUNCIADO XV DO GRUPO DE CÂMARAS DE DIREITO COMERCIAL. INCIDÊNCIA EM DOBRO AFASTADA. EMPRÉSTIMO CONSIGNADO E TERMO DE ADESÃO A CARTÃO DE CRÉDITO COM DESCONTO DE "RESERVA DE MARGEM" (RMC) DIRETAMENTE NO BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO RECEBIDO PELA DEMANDANTE. PRÁTICA ABUSIVA EVIDENCIADA. VIOLAÇÃO DAS NORMAS PROTETIVAS DO CONSUMIDOR. RECURSO DA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA. PRELIMINARES. (I) ALMEJADA APLICAÇÃO DO JULGAMENTO PARADIGMA DA TURMA DE UNIFORMIZAÇÃO DOS JUIZADOS ESPECIAIS CÍVEIS. INVIABILIDADE. GRUPO DE CÂMARAS DE DIREITO COMERCIAL QUE INADMITIU INCIDENTE DE RESOLUÇÃO DE DEMANDAS REPETITIVAS SOBRE O MESMO TEMA TRATADO NESTES AUTOS. PREFACIAL REJEITADA. [...] RECURSO DA AUTORA CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO. RECURSO DO BANCO PARCIALMENTE CONHECIDO E PROVIDO EM PARTE. (TJSC, Apelação n. 5003628-25.2020.8.24.0079, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, rel. Des. JAIME MACHADO JÚNIOR, Terceira Câmara de Direito Comercial, j. 28/01/2021 - Grifei).

Diante disso, cumpre afastar a proemial ventilada pela Instituição Financeira.

b) Da nulidade contratual

Inicialmente, imperioso destacar que a relação existente entre as partes está sob o albergue do Código de Defesa do Consumidor, subsumindo-se Banco e Autor aos conceitos de fornecedor e consumidor prescritos nos artigos 2° e 3°, ambos do Diploma Protetivo.

Ademais, quanto à aplicabilidade das normas consumeristas às Instituições Financeiras, incide na espécie a Súmula n. 297 do Superior Tribunal de Justiça: "o Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras".

Superada a aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor ao caso em comento, passo à análise da...

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