Acórdão Nº 0300424-97.2018.8.24.0032 do Primeira Câmara de Direito Civil, 13-10-2022

Número do processo0300424-97.2018.8.24.0032
Data13 Outubro 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoPrimeira Câmara de Direito Civil
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Nº 0300424-97.2018.8.24.0032/SC

RELATOR: Desembargador FLAVIO ANDRE PAZ DE BRUM

APELANTE: CELESC DISTRIBUIÇÃO S.A. APELADO: ANDREIA CORDEIRO ADAM ADVOGADO: RAFAEL GAIO (OAB SC048175) ADVOGADO: PATRICIA GAIO (OAB SC015420) ADVOGADO: ALCEU GAIO (OAB SC001958)

RELATÓRIO

Trata-se de recurso de apelação interposto por CELESC DISTRIBUIÇÃO S.A., contra sentença prolatada pelo juízo da Vara Única da comarca de Itaiópolis que, nos autos da "Ação de Reparação de Danos" n. 03004249720188240032, ajuizada por ANDREIA CORDEIRO ADAM, julgou procedentes os pedidos, nos seguintes termos (evento 57, sent. 76 da origem):

"(...) Ante o exposto, nos termos da fundamentação supra, JULGO PROCEDENTE o pedido deduzido pela parte autora para CONDENAR a requerida CELESC a lhe pagar, a título de indenização por danos materiais, o valor de R$ 13.013,87 (treze mil e treze reais, e oitenta e sete centavos) corrigidos pelo IPCA desde a data do prejuízo até a data do efetivo pagamento, mais juros de mora de 1,00% (hum por cento) ao mês contados, estes, da citação.

Condeno, ainda, a requerida Celesc ao pagamento das custas processuais, honorários periciais inclusive os antecipados pela parte autora - e advocatícios, que fixo em 15,00% (quinze por cento) sobre o valor da condenação, forte no §2º do artigo 85 do CPC/2015. O percentual se me afigura adequado considerando que o advogado houve-se com adequado zelo profissional que prestou os serviços na própria comarca onde mantém escritório, necessitou de muito tempo de serviço, tendo ajuizado ação cautelar de produção antecipada de provas, manifestação sobre as conclusões, formulação do pedido principal e apresentação de alegações finais por memoriais".

Inconformada, a apelante asseverou que segue todos os regramentos impostos pela ANEEL na prestação dos serviços, satisfazendo os índices de qualidade exigidos pelo Poder Concedente. Ocorre que, no caso discutido nos autos, o infortúnio sofrido pela autora decorreu de caso fortuito ou força maior, porquanto a interrupção do fornecimento de energia elétrica foi ocasionada pela incidência de fenômenos da natureza, o que, por si só, excluiria sua responsabilidade, implicando no afastamento da condenação pelo rompimento do nexo causal. Arguiu, também, que o laudo pericial produzido em juízo foi elaborado através de informações unilaterais.

Ainda, afirmou que competia à demandante instalar em seu imóvel um gerador de energia, a fim de evitar os prejuízos alegados, bem como sustentou que a requerente teria se omitido sobre a necessidade de aumento de carga para secagem de fumo, sendo ela a único responsável pela queda de energia.

Por fim, asseverou a inaplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor ao caso e, portanto, a impossibilidade de inversão do ônus da prova, destacando a necessidade de que haja liquidação por arbitramento, acaso mantida a sentença impugnada. Ao final, pugnou pelo provimento do recurso a fim de que a sentença de mérito seja inteiramente reformada; acaso entendimento contrário do órgão julgador, que seja minorada a condenação em 1/3 do patamar estipulado no primeiro grau (evento 62, apel. 80).

Com as contrarrazões (evento 66), ascenderam os autos a esta Corte de Justiça.

É o relatório.

VOTO

O recurso é tempestivo e preenche os demais pressupostos de admissibilidade, razão por que dele se conhece.

Trata-se de recurso que visa a reforma da sentença que julgou procedentes os pedidos formulados na inicial, condenando a concessionária requerida ao pagamento de indenização por danos materiais no importe de R$ 13.013,87 (treze mil, treze reais e oitenta e sete centavos), acrescido de correção monetária a partir do evento danoso e juros moratórios da citação.

Disso isso, conforme o disposto no § 6º do art. 37 da Carta Magna, convém destacar que a responsabilidade das concessionárias de serviço público por danos que causarem a terceiros é objetiva. Veja-se:

Art. 37 (...). § 6º As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.

Ademais, a situação discutida nos autos permite a aplicação das normas consumeristas, porquanto se caracterizam as partes como fornecedora e consumidora de serviços, nos termo dos arts. e do Código de Defesa do Consumidor.

A energia elétrica é bem essencial e seu destinatário final é aquele que a utiliza em aparelho à sua disposição. Portanto, é destinatário final aquele que assiste à TV, o que utiliza o eletrodoméstico e, também, a produtora que utiliza um equipamento elétrico, como, no caso, a estufa.

Nesse sentido, o entendimento consolidado desta Corte de Justiça:

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO CONDENATÓRIA À INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS. CELESC. INTERRUPÇÃO ABRUPTA NO FORNECIMENTO DE ENERGIA ELÉTRICA. PARALISAÇÃO DO PROCESSO DE SECAGEM DO FUMO EM ESTUFA. PERDA NA QUALIDADE DA PRODUÇÃO. PROCEDÊNCIA NA INSTÂNCIA DE ORIGEM. RECURSO DA CONCESSIONÁRIA. INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA. FATO DO SERVIÇO (ART. 14, § 3º, DO CDC). INCIDÊNCIA OPE LEGIS. ADEQUAÇÃO AO CASO CONCRETO. OBRIGAÇÃO INDENITÁRIA. FALHA NO SERVIÇO PRESTADO SOB A MODALIDADE DE CONCESSÃO. OMISSÃO ESPECÍFICA. RESPONSABILIDADE OBJETIVA EM RELAÇÃO AOS DANOS CAUSADOS AOS USUÁRIOS (ART. 37, § 6º, DA CRFB/1988 E ART. 14 DO CDC). [...] Nos casos de responsabilidade do fornecedor lastreada em fato do serviço, a inversão do ônus da prova decorre de determinação legal específica, dispensando o preenchimento dos requisitos do art. 6º, inciso VIII, do CDC. Seja em face do art. 37, § 6º, da Constituição Federal, ou à luz do disposto no art. 14 do Código de Defesa do Consumidor, remanesce a responsabilidade objetiva nos casos de interrupção injustificada da prestação dos serviços por concessionária de energia elétrica [...] (Apelação Cível n. 0300532-54.2017.8.24.0035, Relator Des. André Carvalho, j. 16/10/2018).

Dessa forma, sendo a apelada produtora de fumo em regime familiar, enquanto que a parte recorrente é concessionária de energia elétrica de grande porte econômico, não há dúvidas quanto à hipossuficiência técnica e econômica da autora, o que implica na necessária inversão do ônus probatório, consoante disposição do art. 6°, inciso VIII, do CDC.

Superada essa questão, denota-se que não há controvérsia quanto à interrupção do fornecimento de energia elétrica, tendo em vista que a própria apelante apresentou relatório de intercorrências constantes em seus sistemas internos, o qual confirma a indisponibilidade do serviço em 09/02/2018, corroborando, assim, o fato noticiado pela fumicultora. Confira-se (evento 16, inf. 25):

"No dia 09/02/2018 devido ao rompimento de um cabo de alta tensão, ocorreu o desligamento automático dos religadores RE00503 e RE00508. Foram executadas manobras para localizar e isolar o defeito que resultou em uma interrupção no fornecimento de energia elétrica das 12hs22min até às 14hs50min do mesmo dia".

Neste particular, imperioso esclarecer que o tema enfrentado neste apelo já possui respaldo na jurisprudência desta Corte de Justiça que, em casos análogos, reconhece a responsabilidade objetiva da concessionária decorrente de interrupção de fornecimento de energia elétrica e os danos ocasionados em safra de fumo, veja-se um exemplo:

CIVIL - RESPONSABILIDADE CIVIL - CELESC - FORNECIMENTO DE ENERGIA ELÉTRICA - INTERRUPÇÃO - PRODUTOR DE FUMO - FENÔMENO CLIMÁTICO PREVISÍVEL - EXCLUDENTE DE RESPONSABILIDADE AFASTADA - DANOS MATERIAIS - DEVER DE INDENIZAR APENAS O PREJUÍZO EFETIVAMENTE COMPROVADO1 Presentes os elementos identificadores da relação de consumo, a responsabilidade civil da concessionária de serviço público de abastecimento de energia elétrica é objetiva, com fundamento na lei de proteção ao consumidor.2 As intempéries não associadas a eventos climáticos surpreendentes e catastróficos, malgrado possam figurar como incontroláveis, encontram-se na esfera de previsibilidade do empreendedor, fazendo, portanto, parte do risco assumido ao desenvolver uma atividade no setor de consumo (TJSC, Súm. n. 33).3 A indenização por danos materiais imprescinde da prova do efetivo prejuízo, de modo que o produtor rural deve ser indenizado apenas pelo total de fumo que comprovadamente foi prejudicado pela injustificada interrupção do serviço de energia elétrica prestado pela concessionária de serviço público. (TJSC, Apelação n...

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