Acórdão Nº 0300434-03.2019.8.24.0002 do Segunda Câmara de Direito Comercial, 21-01-2020

Número do processo0300434-03.2019.8.24.0002
Data21 Janeiro 2020
Tribunal de OrigemAnchieta
ÓrgãoSegunda Câmara de Direito Comercial
Classe processualApelação Cível
Tipo de documentoAcórdão




Apelação Cível n. 0300434-03.2019.8.24.0002, de Anchieta

Relator: Desembargador Robson Luz Varella

APELAÇÕES CÍVEIS - AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE DE CONTRATO DE CARTÃO DE CRÉDITO CUMULADA COM RESTITUIÇÃO DE INDÉBITO E INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS - SENTENÇA DE PARCIAL PROCEDÊNCIA - RECLAMOS INTERPOSTOS POR AMBOS OS LITIGANTES.

DEFENDIDA, PELA CASA BANCÁRIA, A LEGALIDADE DA CONTRATAÇÃO DE EMPRÉSTIMO NA MODALIDADE CARTÃO DE CRÉDITO CONSIGNADO (RMC) - INACOLHIMENTO - HIPÓTESE NA QUAL A PARTE DEIXOU DE COLACIONAR AO CADERNO PROCESSUAL EXTRATOS DO CARTÃO PARA FINS DE COMPROVAR SUA UTILIZAÇÃO PELO CONSUMIDOR - AFIRMAÇÃO AUTORAL DE AUSÊNCIA DE ADESÃO A CONSIGNAÇÃO VIA CARTÃO DE CRÉDITO SEQUER UTILIZADO NÃO DERRUÍDA - PRÁTICA ABUSIVA DE VENDA CASADA - ATO ILÍCITO CONFIGURADO - INTERPRETAÇÃO DOS ARTS. 6º, III, E 39, I, III E V, DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR - DECRETO DE IMPROCEDÊNCIA INVIÁVEL - IMPERIOSO RETORNO DAS PARTES AO "STATUS QUO ANTE" - VALOR DO REEMBOLSO PELA RÉ A SER CORRIGIDO MONETARIAMENTE E ACRESCIDO DE JUROS MORATÓRIOS DESDE A DATA DE CADA PAGAMENTO INDEVIDO - POR SUA VEZ, IMPORTÂNCIA CORRESPONDENTE AO SAQUE REALIZADO PELO HIPOSSUFICIENTE CUJA DEVOLUÇÃO DEVE SER ATUALIZADA DESDE A TRANSFERÊNCIA - COMPENSAÇÃO ADMITIDA NOS TERMOS DO ART. 368 DO CÓDIGO CIVIL - APELO DESPROVIDO.

A prática abusiva e ilegal de contrair modalidade de empréstimo avesso ao objeto inicialmente pactuado é conduta infensa ao direito, sobretudo quando a instituição financeira, ao difundir seu serviço, adota medida anômala ao desvirtuar o contrato de mútuo simples consignado, modulando a operação via cartão de crédito com reserva de margem.

Ao regular seus negócios sob tal ótica, subverte a conduta que dá esteio as relações jurídicas, incidindo em verdadeira ofensa aos princípios da transparência e da boa-fé contratual, situando o consumidor em clara desvantagem, provocando, por mais das vezes, a cobrança de valores reconhecidamente descabidos e infundados, gerando toda sorte de injusto endividamento.

"In casu", a casa bancária não conseguiu derruir a tese autoral de consignação ilegal da reserva de margem consignável (RMC) em cartão de crédito nunca antes solicitado ou utilizado.

Assim, resta inequívoca a nulidade do contrato ajustado entre os contendores, retornando-se tal relação ao "status quo ante".

É dizer que, deve a casa bancária ressarcir os descontos indevidamente realizados no benefício previdenciário do hipossuficiente, atualizada e acrescida de juros moratórios desde a data de cada pagamento indevido, enquanto ao consumidor cumpre restituir a quantia sacada, corrigida monetariamente, sob pena de enriquecimento ilícito.

Possibilita-se, no entanto, a compensação dos créditos, nos moldes do art. 368 do Código Civil.

DANO MORAL - PRETENSÃO DA DEMANDADA DE AFASTAMENTO DA CONDENAÇÃO - INVIABILIDADE - ATO ILÍCITO CONFIGURADO - RELAÇÃO DE CONSUMO - INCIDÊNCIA DO ART. 14 DA LEI N. 8.078/1990 - ABALO ANÍMICO EVIDENCIADO - DESCONTOS INDEVIDOS EFETUADOS NOS PROVENTOS DE APOSENTADORIA DO DEMANDANTE QUE COLOCARAM EM RISCO SUA SUBSISTÊNCIA PESSOAL - INSURGÊNCIA INACOLHIDA.

Segundo entendimento deste Órgão Fracionário, embora se trate de típica relação de consumo, a incidir a responsabilidade civil objetiva da casa bancária pelos danos ocasionados no desempenho de sua atividade, materializa-se na falha da prestação de serviços (art. 14 do Código do Consumidor), para a configuração do dever de indenizar, faz-se necessária a prova do ato ilícito, do dano e nexo causal entre os prejuízos absorvidos pela requerente e a conduta dita ilícita (arts. 186 e 927 do Código Civil).

"In casu", mostra-se inconteste o ato ilícito e o dever de indenizar pois, nada obstante o valor descontado do autor, que percebe aposentadoria por idade (R$ 1.083,75), possa sugerir quantia ínfima se considerada isoladamente, afigura-se significativa quando suprimida por período duradouro, a estampar inequívoco abalo anímico, sobretudo quando neste montante se agregam valores não entabulados.

MONTANTE INDENIZATÓRIO - DISCORDÂNCIA QUANTO AO VALOR FIXADO PELO JUÍZO "A QUO" (R$5.000,00) - PLEITO RECURSAL DA RÉ DE MINORAÇÃO E DO AUTOR DE MAJORAÇÃO - INEXISTÊNCIA DE CRITÉRIOS OBJETIVOS PARA O ARBITRAMENTO - ANÁLISE DO CASO CONCRETO - PROPORCIONALIDADE E RAZOABILIDADE - CAPACIDADE FINANCEIRA DOS LITIGANTES - QUANTIA ESTIPULADA EM PRIMEIRO GRAU INFERIOR À USUALMENTE ESTABELECIDA POR ESTE COLEGIADO EM SITUAÇÕES SEMELHANTES (R$10.000,00) - POSTULAÇÃO DO HIPOSSUFICIENTE CABÍVEL.

As normas jurídicas pátrias não definiram expressamente os critérios objetivos para arbitramento do "quantum" indenizatório, sabendo-se, apenas, que "a indenização mede-se pela extensão do dano" (CC, art. 944).

Dessa forma, devem ser analisados os fatores determinantes de cada caso, levando em consideração mencionado dispositivo, condições econômico-financeiras das partes envolvidas, princípios da proporcionalidade e razoabilidade e caráter pedagógico do ressarcimento.

Sopesando que, enquanto o autor recebe benefício previdenciário (R$ 1.083,75), a responsável pela indenização, por sua vez, é instituição financeira dotada de grande poderio econômico com larga atuação no mercado creditício, entende-se adequada a majoração do valor da reparação ao patamar de R$ 10.000,00 (dez mil reais), em observância aos precedentes deste Órgão Fracionário.

VERBA PATRONAL - ACIONANTE QUE POSTULA ELEVAÇÃO PELO CRITÉRIO DA APRECIAÇÃO EQUITATIVA - DESCABIMENTO - PROVIMENTO JURISDICIONAL PREDOMINANTEMENTE CONDENATÓRIO - NECESSIDADE DE ARBITRAMENTO COM BASE NO § 2º DO ART. 85 DO CÓDIGO FUX.

A sentença proferida em sede de ação declaratória de inexistência de contrato com pedidos de indenização por danos morais e repetição do indébito possui natureza predominantemente condenatória, razão pela qual o valor dos honorários advocatícios deve ser fixado com base no art. 85, § 2º, da Lei Processual Civil.

HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS RECURSAIS - PARCIAL PROVIMENTO DO RECLAMO DO DEMANDANTE E DESPROVIMENTO DO APELO DO BANCO - PRESENÇA DAS HIPÓTESES ENSEJADORAS DA MAJORAÇÃO APENAS EM FAVOR DO PROCURADOR DO CONSUMIDOR - OFERECIMENTO DE CONTRARRAZÕES A SER PONDERADA NA QUANTIFICAÇÃO DO ESTIPÊNDIO ADICIONAL - ENTENDIMENTO ASSENTADO PELO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA NO JULGAMENTO DOS EDCL. NO AGINT NO RESP. 1573573/RJ.

Nos moldes do posicionamento da Corte Superior, nas hipóteses de não conhecimento integral ou desprovimento do reclamo interposto, revela-se cabível a majoração dos honorários advocatícios em favor do causídico da parte adversa, prescindindo tal acréscimo da apresentação de contraminuta, fato este que deve ser ponderado apenas para quantificação do estipêndio em sede de recurso.

"In casu", tendo em vista o inacolhimento da insurgência da casa bancária, eleva-se a verba honorária em 5% (cinco por cento) sobre o valor da condenação, observado, para a fins de dimensionamento, o oferecimento de resposta ao apelo.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível n. 0300434-03.2019.8.24.0002, da comarca de Anchieta Unidade Regional de Direito Bancário do Extremo O em que são Apte/Apdos Balduino João Rauber e Apdo/Aptes Banco Cetelem S/A.

A Segunda Câmara de Direito Comercial decidiu, por votação unânime: a) no tocante ao reclamo da acionada, negar-lhe provimento; b) em relação ao recurso do acionante, dar-lhe parcial provimento para elevar o importe indenizatório devido pela casa bancária a título de danos morais ao valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais); c) majorar os honorários fixados em favor do advogado da parte consumidora em 5% (cinco por cento). Custas legais.

Do julgamento, realizado em 21 de janeiro de 2020, participaram os Exmos. Srs. Des. Newton Varella Júnior e Dinart Francisco Machado.

Florianópolis, 27 de janeiro de 2020.

Desembargador Robson Luz Varella

Presidente e Relator


RELATÓRIO

Trata-se de recursos de apelação cível interpostos por Balduino João Rauber e Banco Cetelem S/A contra sentença de parcial procedência (fls. 125/141) da denominada "ação de restituição de valores c/c indenização por dano moral com pedido de tutela provisória de urgência antecipada", cuja parte dispositiva a seguir se transcreve:

Ante o exposto, com resolução de mérito, julgo parcialmente procedentes os pedidos formulados na inicial, nos termos do art. 487, inciso I, do Código de Processo Civil, para: 1. Confirmar a tutela de urgência deferida às p. 30-32; 2. Declarar a nulidade da modalidade contratual apresentada (contrato de cartão de crédito consignado) e, por consequência, determinar que as partes voltem ao status quo ante, devendo os valores depositados na conta bancária da parte autora, atualizados monetariamente pelo INPC serem compensados, na forma simples, com os valores descontados indevidamente pela instituição financeira a título de RMC, atualizados monetariamente pelo INPC e acrescidos de juros de mora de 1% ao mês, ambos a contar de cada desembolso; 3. Condenar a parte requerida a efetuar o pagamento em favor da parte autora da quantia de R$ 5.000,00, acrescida de correção monetária pelo INPC a partir desta Sentença e de juros de mora de 1% ao mês a contar da data do primeiro desconto indicado nos autos, isto é, 3-11-2016 (p. 95); 4. Na forma do artigo 86, parágrafo único, do Código de Processo Civil, tendo em vista que a parte autora sucumbiu de parte mínima do pedido, condeno a parte ré ao pagamento das custas processuais e honorários de sucumbência, que fixo em 10% sobre o valor da condenação, nos termos do artigo 85, § 2º do Código de Processo Civil. Publique-se. Registre-se. Intimem-se. Oportunamente, arquivem-se. Anchieta (SC), 12 de julho de 2019. (fls. 140/141)

Em suas razões de insurgência (fls. 145/150), o acionante requereu a majoração dos danos morais "em valor não inferior a R$ 14.055,00" (fl. 150). Também, postulou a fixação dos honorários advocatícios de...

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