Acórdão Nº 0300465-19.2019.8.24.0068 do Sexta Câmara de Direito Civil, 03-03-2020

Número do processo0300465-19.2019.8.24.0068
Data03 Março 2020
Tribunal de OrigemSeara
ÓrgãoSexta Câmara de Direito Civil
Classe processualApelação Cível
Tipo de documentoAcórdão




Apelação Cível n. 0300465-19.2019.8.24.0068, de Seara

Relator: Desembargador André Carvalho

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO CONDENATÓRIA AO PAGAMENTO DE INDENIZAÇÃO REGRESSIVA. DANO A EQUIPAMENTOS RESULTANTE DE ANOMALIAS NA REDE ELÉTRICA. PLEITO DEDUZIDO POR SEGURADORA CONTRA A CONCESSIONÁRIA. IMPROCEDÊNCIA NA ORIGEM. INSURGÊNCIA DA SEGURADORA.

CERCEAMENTO DE DEFESA. JULGAMENTO ANTECIPADO DO MÉRITO. TOGADO SINGULAR QUE NÃO CONCEDEU PRAZO PARA QUE AS PARTES ESPECIFICASSEM AS PROVAS QUE PRETENDIAM PRODUZIR, TENDO JULGADO IMPROCEDENTES OS PEDIDOS INICIAIS POR AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DOS FATOS CONSTITUTIVOS DO DIREITO DA AUTORA. REQUERENTE QUE PUGNOU, EM RÉPLICA, PELA JUNTADA DE DOCUMENTOS EM PODER DA RÉ QUE COMPROVARIAM OS FATOS ARTICULADOS NA EXORDIAL (OSCILAÇÃO DE ENERGIA ELÉTRICA). IMPUGNAÇÃO ESPECÍFICA. PRODUÇÃO DA PROVA DOCUMENTAL QUE PODERÁ ALTERAR O RUMO DA LIDE. CERCEAMENTO DE DEFESA CONFIGURADO. PREFACIAL ACOLHIDA. PREJUDICADA A ANÁLISE DAS DEMAIS TESES AVENTADAS NO APELO. RETORNO DOS AUTOS À COMARCA DE ORIGEM.

RECURSO CONHECIDO E PROVIDO.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível n. 0300465-19.2019.8.24.0068, da comarca de Seara Vara Única em que é Apelante Tokio Marine Seguradora S/A e Apelado Celesc Distribuição S/A.

A Sexta Câmara de Direito Civil decidiu, por unanimidade, conhecer do recurso e dar-lhe provimento para cassar a sentença, determinando-se o retorno dos autos à comarca de origem para que o juízo a quo oportunize às partes a produção de todas as provas requeridas e necessária ao deslinde do feito.

Participaram do julgamento, realizado nesta data, o(a)s Exmo(a)s. Sr(a)s. Des. André Luiz Dacol e Desa. Denise Volpato (presidente com voto).

Florianópolis, 03 de março de 2020.

Desembargador André Carvalho

Relator


RELATÓRIO

Na comarca de Ponte Serrada, Tokio Marine Seguradora SA moveu a presente ação regressiva em desfavor de Celesc Distribuição S/A, lastreando-se nos prejuízos decorrentes de suposta falha no fornecimento de energia elétrica, cujo ressarcimento dos danos ao segurado subrogaria a demandante nos direitos de credor, legitimando-a à pretensão indenitária em escopo (fls. 1-10).

Aduziu a companhia de seguros, em suma, que a unidade consumidora do segurado foi submetida a forte oscilação de tensão, com espeque em anomalia verificada junto à rede de distribuição de energia elétrica, implicando danos a diversos utensílios domésticos que guarneciam o imóvel. A mais disso, inferiu que o liame entre o fenômeno na rede elétrica e os danos aludidos estaria evidenciado em opinião técnica, cujos pareceres acompanham a exordial.

Nesse contexto, pleiteou: (i) a condenação ao pagamento de indenização regressiva no valor de R$ 2.700,00 (dois mil e setecentos reais), com acréscimo dos respectivos consectários da mora; (ii) a condenação em despesas processuais e honorários advocatícios; (iii) e a inversão do encargo probante.

Protestou provar o alegado por todos os meios em direito admitidos, valorando a causa em R$ 2.700,00 (dois mil e setecentos reais).

A empresa ré apresentou peça de resistência. Em resumo, alegou: (i) inexiste comprovação dos alegados danos, sendo que os documentos trazidos foram produzidos unilateralmente; (ii) não é aplicável a inversão do ônus da prova nas ações regressivas; (iii) possui melhores condições de realizar a prova pericial para averiguar a existência ou não de danos nos bens do segurado, o nexo de causalidade entre o dano alegado e a suposta falha na prestação de serviços; (iv) "é indispensável a realização da prova pericial, não podendo ser admitida a simples utilização dos documentos juntados de forma unilateral pela Autora, posto que estes não foram produzidos em observância ao princípio do contraditório [...]"; (v) a prestação dos serviços ocorreu dentro da normalidade, não havendo comprovação acerca da falha no fornecimento de energia elétrica. Manifestou-se, alfim, pela improcedência total dos pedidos (fls. 40-52).

Houve réplica, tendo a parte autora rebatido os argumentos declinados acima, além de repisar o que afirmara à exordial (fls. 133-143).

Sobreveio sentença, na qual a togada singular julgou o pedido improcedente (fls. 144-149), nos seguintes termos:

Ante o exposto, com fulcro no art. 487, I, do Código de Processo Civil, JULGO IMPROCEDENTE o pedido formulado por TÓKIO MARINE SEGURADORA S/A contra a CELESC DISTRIBUIÇÃO.

Custas e honorários pela parte autora, estes que arbitro em R$ 1.000,00 (mil reais), nos termos do art. 85, §§2º e 8º da Norma Processual Civil.

P.R.I.

Sobrevindo apelação, intime-se a parte recorrida para, querendo, apresentar contrarrazões no prazo de 15 dias e, ato contínuo, remetam-se os autos à Superior Instância.

Arquivem-se oportunamente.

Irresignada, a seguradora interpôs o apelo presentemente apreciado (fls. 153-172). Sustenta, em síntese, que: (i) a magistrada a quo deixou de aplicar a inversão do ônus da prova incidente à espécie, o que demanda reparo; (ii) a sentença é nula em razão do cerceamento de defesa, uma vez que requereu os relatórios de oscilações a serem apresentados pela ré, e ofício ao INMET, provas que seriam suficientes para demonstrar/comprovar suas alegações no tocante ao fato gerador do dano; (iii) a prova produzida pela requerida é insuficiente para atestar a regularidade do serviço, porquanto deixa de informar acerca da variação de tensão na rede. Ao final, pugnou pela reforma da sentença para dar provimento à ação (fls. 102-117).

Contrarrazões às fls. 179-182.

É o necessário relatório.

VOTO

Registro inicialmente que, tendo a ação sido ajuizada já sob a égide do Código de Processo Civil de 2015, são desnecessárias discussões relativas ao direito processual aplicável à espécie.

Por estarem preenchidos os requisitos de admissibilidade, o recurso merece ser conhecido.

Como visto, trata-se de apelação cível interposta por Tokio Marine Seguradora S/A em ação indenizatória regressiva que moveu em desfavor de Celesc Distribuição S/A, tendo a magistrada sentenciante julgado improcedentes os pedidos declinados à inicial.

Antes de mais nada, é necessário destacar que, uma vez efetuado o pagamento da indenização ao segurado, a companhia de seguros sub-roga-se nos direitos de credor em relação ao causador do dano, assumindo, enquanto consectário imediato da sub-rogação, a posição que o segurado ocupava na relação contratual originária - desde que preenchidos os requisitos da legislação civil e da Súmula n. 188 do Supremo Tribunal Federal, que dispõe: "O segurador tem ação regressiva contra o causador do dano, pelo que efetivamente pagou, até o limite previsto no contrato de seguro".

No mesmo sentido, cumpre ressaltar que a Demandante "subroga-se nos direitos de seu segurado ao pagar-lhe indenização por danos cobertos pela apólice contratada, tendo direito de regresso contra o verdadeiro causador do dano, nos termos do art. 786 do Código Civil e da Súmula n. 188 do Supremo Tribunal Federal" (TJSC, Ap. Cív. n. 0302186-49.2016.8.24.0023, da Capital, Desa. Cláudia Lambert de Faria, j. 17-3-2017).

Com espeque nessa compreensão, do Superior Tribunal de Justiça, destaca-se o seguinte julgado:

AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. AÇÃO REGRESSIVA. SEGURADORA CONTRA O CAUSADOR DO DANO. SUB-ROGAÇÃO NOS DIREITOS DO SEGURADO. EXTRAVIO DE BAGAGEM EM VOO NACIONAL. PRAZO DE PRESCRIÇÃO APLICÁVEL À RELAÇÃO JURÍDICA ORIGINÁRIA. AGRAVO INTERNO IMPROVIDO.

1. Conforme reiteradas decisões desta Corte, ao efetuar o pagamento da indenização ao segurado em decorrência de danos causados por terceiro, a seguradora sub-roga-se nos direitos daquele, nos limites desses direitos, ou seja, não se transfere à seguradora mais direitos do que aqueles que o segurado detinha no momento do pagamento da indenização. Assim, dentro do prazo prescricional aplicável à relação jurídica originária, a seguradora pode buscar o ressarcimento do que despendeu com a indenização securitária.

2. Agravo interno a que se nega provimento. (STJ, AgInt no REsp 1.613.489/SP, rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, j. 19-09-2017 - grifou-se).

Destarte, estendendo-se o regime da relação jurídica original ao sub-rogado, é inconteste que à relação entre os ora litigantes aplicam-se as normas consumeristas.

Isto porque a Celesc e suas subsidiárias se enquadram no conceito de fornecedor, uma vez que são pessoas jurídicas que prestam serviço de fornecimento de energia elétrica (art. 3º, caput, do CDC).

A Autora, por outro lado, em razão da alegada sub-rogação estabelecida, deve ser considerada consumidor, nos exatos termos do que preconiza o art. 2º do Códex Consumerista.

Destarte, inarredável concluir que a demanda atrai a aplicação do art. 14 do Código de Defesa do Consumidor, que dispensa a caracterização do elemento culpa para fins de responsabilidade civil, senão vejamos: "O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos".

No mesmo norte, trago à baila valiosa lição de Rui Stoco:

Portanto, a companhia energética de geração ou distribuição, embora possa se constituir em sociedade de natureza privada, será sempre uma concessionária de serviço público, prestando-o por delegação do Estado.

Nessa condição, é alcançada pela disposição, muito mais garantidora, do art. 37, § 6º, a CF, ao dispor que 'as pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa'.

Desse modo, as empresas ficam enquadradas na teoria do risco administrativo, sendo, assim, objetiva a sua responsabilidade pelos danos causados a terceiros.

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