Acórdão Nº 0300466-81.2019.8.24.0010 do Primeira Câmara de Direito Comercial, 10-11-2022

Número do processo0300466-81.2019.8.24.0010
Data10 Novembro 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoPrimeira Câmara de Direito Comercial
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Nº 0300466-81.2019.8.24.0010/SC

RELATOR: Desembargador LUIZ ZANELATO

APELANTE: BANCO BRADESCO S.A. (RÉU) ADVOGADO: RENATO CHAGAS CORREA DA SILVA (OAB MS005871) APELADO: MARLENE NAZARIO SPADEL (AUTOR) ADVOGADO: Lourival Salvato (OAB SC028775)

RELATÓRIO

BANCO BRADESCO S.A. interpôs recurso de apelação (evento 40/1G) da sentença proferida pelo juízo da 2ª Vara Cível da Comarca de Braço do Norte, nos autos da "ação declaratória de inexistência de relação jurídica c/c indenização por danos morais", proposta por MARLENE NAZARIO SPADEL, que julgou procedentes os pedidos tecidos na petição inicial, nos seguintes termos (evento 30/1G):

Trata-se de ação declaratória de nulidade contratual c/c pedido de compensação pecuniária por danos morais ajuizada por MARLENE NAZARIO SPADEL contra BANCO BRADESCO S.A..

Sustenta a parte autora ter por hábito realizar empréstimos consignados em seu benefício previdenciário, entretanto, não efetuou a contratação de cartão de crédito e tampouco autorizou a incidência da Reserva de Margem Consignável (RMC) naqueles proventos.

Assim, à vista da ilegalidade dos descontos efetuados nos seus estipêndios, requer a declaração de invalidade da negociação e, por consequência, seja a parte ré condenada a restituir em dobro as quantias descontadas indevidamente, além de compelida a compensar pecuniariamente os danos morais experimentados. Sucessivamente, postula a revisão da forma de abatimento da dívida.

A parte ré apresentou resposta em forma de contestação (evento 10), asseverando, preliminarmente, ausência de interesse de agir e de pretensão resistida. No mérito, a existência e legalidade da contratação; a inaplicabilidade do CDC e impossibilidade de inversão do ônus probatório, além da ausência dos pressupostos da responsabilidade civil.

Réplica no evento 13.

Vieram-me os autos conclusos.

Este, na concisão necessária, é o relatório.

[...]

Ante o exposto, JULGO PROCEDENTES os pedidos articulados na inicial, com fundamento no art. 487, I, do CPC, para:

a) DECLARAR nulo o contrato de empréstimo n. 20160303360013266000, retornando as partes ao status quo ante e, assim, incumbindo à parte autora efetuar a devolução ao réu do valor recebido;

b) CONDENAR o requerida a restituir à parte requerente, em dobro, os valores descontados do benefício previdenciário (relativos ao indigitado contrato de empréstimo), corrigidos monetariamente pelo INPC desde cada pagamento, e acrescidos de juros de mora no importe de 1% ao mês, desde a citação;

c) CONDENAR a instituição ré ao pagamento em favor da parte autora de compensação pecuniária pelos danos morais por ela experimentados, no valor de R$ 2.000,00 (dois mil reais), corrigido monetariamente pelo INPC a partir desta data (Enunciado n. 362 da Súmula do STJ), e acrescido de juros de mora de 1% ao mês desde o evento danoso (não havendo comprovação de contratação, a partir de 06/10/2016, data do início do contrato constante no extrato do evento 1, doc. 4), nos termos do Enunciado n. 54 da Súmula do STJ;

d) CONDENAR a parte requerida, diante da sucumbência (Súmula n. 326 do STJ), ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, os quais, com fundamento no art. 85, § 2º, do CPC, fixo em 10% sobre o valor da condenação.

Autorizo a compensação entre os débitos e créditos da parte autora e da parte ré relativos aos presentes autos.

Publique-se. Registre-se. Intimem-se.

Transitada em julgado e cumpridas as formalidades, arquivem-se.

Inconformada, a instituição financeira demandada interpôs recurso de apelação (evento 40/1G), alegando, em síntese, que a parte autora tinha total ciência da natureza e forma de cobrança da operação pactuada, a qual se encontrava descrita de forma clara e expressa no contrato, desprovido de qualquer irregularidade, não possuindo a demandante, diversamente do que alega, a intenção de contratar empréstimo pessoal consignado no lugar do saque via cartão de crédito. Pugna pelo provimento do recurso com a reforma da decisão objurgada, sendo julgada totalmente improcedente a demanda de origem, com a inversão a responsabilidade pelo pagamento dos ônus sucumbenciais. Subsidiariamente, pugna pela minoração do valor da indenização por danos morais, pela restituição simples e pela fixação dos juros a partir da sentença.

Contrarrazões ao recurso de apelação no evento 43/1G.

Os autos ascenderam a este egrégio Tribunal de Justiça, vindo-me às mãos por sorteio.

Este é o relatório.

VOTO

1. Exame de admissibilidade

Inicialmente, registra-se que se trata de recurso de apelação interposto contra sentença prolatada sob a égide do Código de Processo Civil de 2015, motivo pelo qual é este diploma processual que disciplina o cabimento, o processamento e a análise do presente recurso, haja vista o princípio tempus regit actum (teoria do isolamento dos atos processuais).

Feitas estas digressões, conheço do recurso de apelação porque presentes os requisitos intrínsecos e extrínsecos de admissibilidade.

2. Fundamentação

2.1. Da inexistência da contratação entre as partes

Pugnou a autora em sua petição inicial, a declaração da inexistência da contratação de cartão de crédito com reserva de margem consignável do seu benefício previdenciário, a qual sustenta ter sido realizada sem o seu conhecimento e consentimento. A instituição financeira demandada, por sua vez, apesar de defender a licitude da negociação, não apresentou cópia do respectivo contrato.

É oportuno registrar ser evidente que o caso em apreciação deve ser apreciado à luz do Código de Defesa do Consumidor, na medida em que se trata de relação de consumo, conforme traduz os artigos 2º, caput, e 3º, § 2º, do referido código, verbis:

Art. 2º Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final.

[...]

Art. 3º Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção ou comercialização de produtos ou prestação de serviços.

§ 1º Produto é qualquer bem, móvel ou imóvel, material ou imaterial.

§ 2º Serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista. (grifou-se)

A relação de consumo decorre também da interpretação que segue a teoria finalista aprofundada do conceito de destinatário final, consolidada após a vigência do Código Civil de 2002, a qual analisa a vulnerabilidade econômica ou técnica como aspecto de identificação do consumidor.

Ademais, pelo enunciado da Súmula 297, o Superior Tribunal de Justiça pacificou entendimento de que o Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras.

Feita essa ponderação, destaca-se que, no presente caso, foi invertido o ônus probatório, initio litis, por decisão interlocutória preclusa do juízo da origem, com fundamento no art. 6º, VIII, do CDC, que dispõe ser um dos "direitos básicos do consumidor: [...] VIII - a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiências".

Sobre a inversão do ônus da prova, na esteira do ensinamento de Rizzatto Nunes, "a vulnerabilidade é o conceito que afirma a fragilidade econômica do consumidor e também técnica. Mas a hipossuficiência para fins da possibilidade de inversão do ônus da prova, tem sentido de desconhecimento técnico e informativo do produto e do serviço, de suas propriedades, de seu funcionamento vital e/ou intrínseco, de sua distribuição, dos modos especiais de controle, dos aspectos que podem ter gerado o acidente de consumo e o dano, das características do vício etc. (Curso de Direito do Consumidor. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 852).

Desse modo, cabe ao fornecedor do produto ou serviço, porque detém melhores condições e conhecimento sobre os atos relativos à sua atividade comercial, comprovar a regularidade da atuação no mercado de consumo e a inocorrência do...

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