Acórdão Nº 0300483-29.2019.8.24.0007 do Primeira Câmara de Direito Civil, 05-05-2022

Número do processo0300483-29.2019.8.24.0007
Data05 Maio 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoPrimeira Câmara de Direito Civil
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Nº 0300483-29.2019.8.24.0007/SC

RELATOR: Desembargador FLAVIO ANDRE PAZ DE BRUM

APELANTE: CELESC DISTRIBUIÇÃO S.A. (RÉU) APELADO: COOPERATIVA DE PRESTACAO DE SERVICOS PUBLICOS DE DISTRIBUICAO DE ENERGIA ELETRICA SENADOR ESTEVES JUNIOR - CEREJ (AUTOR) ADVOGADO: RAMMON OTTO ALVES (OAB SC040326)

RELATÓRIO

Trata-se de recurso de apelação interposto por Celesc Distribuição S/A, contra sentença prolatada pelo juízo da 1ª Vara Cível da Comarca de Biguaçu que, nos autos da "Ação regressiva" n. 0300483-29.2019.8.24.0007, ajuizada pela Cooperativa de Prestação de Serviços Públicos de Distribuição de Energia Elétrica Senador Esteves Junior - CEREJ, julgou procedentes os pedidos, nos seguintes termos (Evento 44/E1):

Diante do exposto, o que mais dos autos consta e os princípios de direitos aplicáveis JULGO PROCEDENTE o pedido deflagrado na presente Ação Regressiva por Danos Materiais promovida por Cooperativa de Prestação de Serviços Públicos de Distribuição de Energia Elétrica Senador Esteves Júnior, qualificada, em face de Celesc Distribuidora S.A., igualmente qualificada, CONDENANDO a Requerida à restituição da importância de R$ 3.700,00 (três mil e setecentos reais), atualizado desde o pagamento, com juros a contar da citação.

Condeno, também, a Requerida ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, estes fixados em 10% (dez por cento) sobre o valor da condenação, nos termos do art. 85, § 4º, do Código de Processo Civil.

Inconformada, a apelante sustentou, preliminarmente, o cerceamento ao seu direito de defesa. No mérito, asseverou que a relação entre as partes é regida pela ANEEL, a qual determina que os agentes de distribuição regularizados como permissionárias, aí incluída a parte autora, sujeitam-se às regras de continuidade do serviço público de distribuição de energia, motivo por que devem arcar com o pagamento de compensações pelas interrupções nos termos consignados naquele instrumento, não havendo previsão regulatória para qualquer outro tipo de ressarcimento, como a ação de regresso.

Além disso, destacou a inaplicabilidade da legislação consumerista no caso concreto, bem como a impossibilidade do ressarcimento postulado, vez que a ré firmou acordo com seu cooperado sem ao menos questionar a efetiva ocorrência de interrupção do serviço ou o laudo apresentado, ressaltando, ademais, não ser possível imputar-lhe qualquer culpa ou responsabilidade pelos eventos descritos na inicial, vez que a falha no fornecimento de energia foi decorrente de caso fortuito ou força maior, diante das condições climáticas adversas. Por fim, reverberou a ausência de comprovação dos danos materiais e teceu considerações sobre a legislação que rege a matéria, pugnando pela reforma da sentença prolatada.

Com as contrarrazões (Evento 57/E1), ascenderam os autos a esta Corte de Justiça.

Recebo-os conclusos.

É o relatório.

VOTO

O recurso é tempestivo e preenche os demais pressupostos de admissibilidade, razão por que dele se conhece.

Ultrapassada a quaestio, afirma a apelante o cerceamento ao seu direito de defesa, ante o julgamento antecipado da lide, asseverando, no mérito, não ter a autora direito ao ressarcimento postulado.

A parte apelada, a sua vez, rejeitou a argumentação, pugnando pelo desprovimento da insurgência.

O recurso, adianta-se, não comporta provimento.

1. Do Cerceamento de Defesa

Ab initio, asseverou a apelante que o julgamento antecipado da lide teria obstado a produção de prova indispensável ao perfeito deslinde da quaestio, em clara ofensa aos princípios do contraditório e da ampla defesa, vez que tinha interesse na oitiva de duas testemunhas, no intuito de "[...] esclarecer os termos dos mencionados contratos realizados entre a ré e a autora, bem como o teor da regulamentação aplicada ao setor, a qual, propositalmente, vem sendo omitida pela parte autora desde o início da lide", além de "demonstrar o reconhecimento de que na relação estabelecida entre as partes deve ser aplicada a regulamentação imposta pela agência reguladora - ANEEL, sem direito à restituição de valores pagos a título de indenização".

Razão, contudo, não lhe assiste.

Com efeito, de todos cediço ser o Julgador o destinatário das provas, que pode, dentro do princípio da persuasão racional adotado pelo art. 370 da Lei Processual Civil, decidir sobre a necessidade ou não da coleta de provas a partir do livre convencimento motivado, afastando a realização daquelas diligências que entender dispensáveis ao caso.

Desse modo, não se caracteriza cerceamento de defesa ou violação aos princípios do contraditório e da ampla defesa o julgamento com base nos elementos constantes nos autos, quando suficientes à formação do convencimento do Magistrado, como no caso. A propósito, lecionando a respeito do tema, Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery esmiúçam que:

"O juiz pode assumir uma posição ativa, que lhe permite, dentre outras prerrogativas, determinar a produção de provas, desde que o faça, é certo, com imparcialidade e resguardando o princípio do contraditório. Tem o julgador iniciativa probatória quando presentes razões de ordem pública e igualitária, como, por exemplo, quando esteja diante de causa que tenha por objeto direito indisponível (ações de estado), ou quando o julgador, em face das provas produzidas, se encontre em estado de perplexidade ou, ainda, quando haja significativa desproporção econômica ou sociocultural entre as partes (STJ, rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, RT 729/155). (...) Cabe ao juiz da matéria decidir sobre a necessidade da produção de provas (CPC/1973 130, 401) [CPC 370, CC 227], podendo ser a decisão revista em recurso especial quando, independentemente do exame da matéria de fato, ficar evidenciada a violação a princípio legal sobre prova, ou dissídio. Na espécie, a ré pretendia a oitiva do depoimento da autora para esclarecimento de fato considerado irrelevante para o julgamento da causa (STJ, 4.ª T., REsp 90435, rel. Min. Ruy Rosado, j. 24.6.1996, DJU 26.8.1996, p. 29695)" (Comentários ao código de processo civil. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015. p. 1.055).

Outrossim, pela pertinência, registre-se que o Superior Tribunal de Justiça deixou assente o entendimento de que "[...] não ocorre o cerceamento de defesa na hipótese em que o magistrado entende que o feito está suficientemente instruído e julga a causa sem a produção de prova testemunhal", pois os "princípios da livre admissibilidade da prova e do livre convencimento do juiz permitem ao julgador determinar as provas que entende necessárias à instrução do processo, bem como indeferir aquelas que considerar inúteis ou protelatórias" (AgRg no Resp n. 845384, rel. Min. Luis Felipe Salomão, j. em 03.02.2011).

Neste contexto, no caso concreto, denota-se que não há controvérsia quanto à interrupção do fornecimento de energia elétrica pela Celesc nas datas reclamadas pela autora, tendo em vista que a própria apelante confirmou o fato na origem, informando na peça de defesa a ocorrência de interrupções no equipamento da consumidora nos dias 09 e 10/01/2017 (evento 8, Contestação 14, fl. 20), oportunidade em que aventou a ocorrência de caso fortuito ou força maior .

Desse modo, considerando que os documentos encartados com a contestação (evento 8/INF36) ratificam a ocorrência de queda de energia nas datas e horários indicados na peça portal, impende destacar que os elementos de prova já produzidos pelas partes são suficientes ao deslinde da controvérsia, de modo que a oitiva das testemunhas indicadas pela ré não teria o condão de alterar a solução do litígio, como se verá no mérito, mas tão somente prolongaria o tramitar processual, em prejuízo dos princípios constitucionais da efetividade e da razoável duração do processo.

Até porque, conforme afirmado pela Celesc, a prova testemunhal "visa esclarecer os termos dos mencionados contratos realizados entre a ré e a autora, bem como o teor da regulamentação aplicada ao setor", condição, vênia, prescindível no caso concreto.

Neste sentido, aliás, já decidiu esta Corte de Justiça em casos análogos:

1) APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO REGRESSIVA DE RESSARCIMENTO DE DANOS. COOPERATIVA PERMISSIONÁRIA DE SERVIÇO DE DISTRIBUIÇÃO DE ENERGIA ELÉTRICA EM ÁREA RURAL - CEREJ CONTRA A CELESC DISTRIBUIÇÃO S.A. INTERRUPÇÃO DO FORNECIMENTO DE ENERGIA. PREJUÍZO À SAFRA FUMAGEIRA DE COOPERADO. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA. RECURSO DA RÉ. 1. CERCEAMENTO DE DEFESA. INOCORRÊNCIA. DESNECESSIDADE DE PRODUÇÃO DE PROVA ORAL E DE EXPEDIÇÃO DE OFÍCIO ÀS EMPRESAS FUMAGEIRAS NO CASO CONCRETO. [...] RECURSO PARCIALMENTE CONHECIDO E, NESTE TOCANTE, DESPROVIDO (TJSC, Apelação n. 0302127-75.2017.8.24.0007, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, rel. Raulino Jacó Bruning, Primeira Câmara de Direito Civil, j. 06-05-2021).

2) PROCESSUAL CIVIL - RELAÇÃO ENTRE COOPERATIVA DE ELETRIFICAÇÃO RURAL E CELESC - CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR E INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA - PEDIDO RECURSAL DE INAPLICABILIDADE DO DIPLOMA PROTETIVO - PRECLUSÃO - NÃO CONHECIMENTO - CERCEAMENTO DE DEFESA - INOCORRÊNCIA1 Não deve ser conhecido o pedido recursal de inaplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor e de afastamento da inversão do ônus da prova, quando determinada sua incidência em decisão interlocutória não recorrida a tempo e modo, o que torna preclusa a discussão.2 O julgamento da lide sem a produção de determinadas provas, por si só, não configura cerceamento de defesa, desde que pautado em cognição exauriente, sob o manto dos princípios da livre admissibilidade das provas e do convencimento motivado do juiz. Ademais, não há falar em cerceamento de defesa quando a prova pretendida se revelar inequivocamente dispensável para a resolução do litígio. [...] (TJSC, Apelação n. 5002851-96.2019.8.24.0007, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, rel. Luiz Cézar Medeiros, Quinta Câmara de Direito Civil, j. 15-12-2020).

Logo, inocorrente o alegado cerceamento de defesa.

2. Da inaplicabilidade da legislação consumerista

Aduz a...

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