Acórdão Nº 0300485-09.2016.8.24.0070 do Sétima Câmara de Direito Civil, 16-04-2020

Número do processo0300485-09.2016.8.24.0070
Data16 Abril 2020
Tribunal de OrigemTaió
ÓrgãoSétima Câmara de Direito Civil
Classe processualApelação Cível
Tipo de documentoAcórdão


Apelação Cível n. 0300485-09.2016.8.24.0070

Relator: Desembargador Carlos Roberto da Silva

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE USUCAPIÃO DE IMÓVEL RURAL. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA.

INSURGÊNCIA DOS AUTORES.

PRETENSÃO DE DECLARAÇÃO DE PROPRIEDADE VIA PRESCRIÇÃO AQUISITIVA. DESCABIMENTO. IMÓVEL QUE PASSOU A SER OCUPADO INICIALMENTE EM RAZÃO DE RELAÇÃO LABORAL EXISTENTE ENTRE A DEMANDANTE E A EMPRESA PROPRIETÁRIA. LOCAÇÃO VINCULADA AO CONTRATO DE TRABALHO. ALUGUERES DESCONTADOS DA FOLHA DE PAGAMENTO DA EX-FUNCIONÁRIA. PERMANÊNCIA DOS USUCAPIENTES NO IMÓVEL APÓS A EXTINÇÃO DO VÍNCULO EMPREGATÍCIO E INADIMPLÊNCIA EM RELAÇÃO AOS DEMAIS ALUGUERES QUE NÃO ENSEJAM A TRANSMUDAÇÃO DO CARÁTER PRECÁRIO DA POSSE. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DE DESFAZIMENTO DA RELAÇÃO LOCATÍCIA. PRORROGAÇÃO DA AVENÇA POR PERÍODO INDETERMINADO. INTELIGÊNCIA DO ART. 46, § 1º, DA LEI DE LOCAÇÕES. EXISTÊNCIA DE AÇÃO DE DESPEJO EM DESFAVOR DOS DEMANDANTES FUNDADA EM INADIMPLEMENTO DE ALUGUERES. PODER FÁTICO MANTIDO POR MERA TOLERÂNCIA E PERMISSÃO DA TITULAR REGISTRAL. INTELIGÊNCIA DOS ARTS. 1.203 E 1.208 DO CÓDIGO CIVIL. ANIMUS DOMINI NÃO COMPROVADO. REQUISITOS PREVISTOS NO ART. 1.238 DO CÓDIGO CIVIL NÃO PREENCHIDOS. SENTENÇA MANTIDA.

"Se a posse foi adquirida por força de relação de emprego, o término desta relação não modifica, de per si, o status da posse antiga a fim de transmudar-se em posse ad usucapionem porque a precariedade que a imanta não desaparece pelo simples decurso do prazo para usucapir, sendo de rigor o animus domini, ausente, de toda sorte, na mera detenção" (TJSC, AC n. 2010.059521-8, de Canoinhas, rel. Des. Gilberto Gomes de Oliveira, j. 09.02.2012).(TJSC, Apelação Cível n. 2014.045438-5, de Mafra, rel. Des. Eládio Torret Rocha, j. 23-07-2015).

FIXAÇÃO DE HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS RECURSAIS. ART. 85, §§ 2º E 11, DO CPC/2015. SENTENÇA PUBLICADA APÓS A VIGÊNCIA DO ATUAL DIPLOMA PROCESSUAL CIVIL. MAJORAÇÃO DA VERBA HONORÁRIA QUE SE IMPÕE. EXIGIBILIDADE SUSPENSA. AUTORES BENEFICIÁRIOS DA JUSTIÇA GRATUITA. APLICAÇÃO DO DISPOSTO NO ART. 98, § 3º, DO MESMO DIPLOMA LEGAL.

RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível n. 0300485-09.2016.8.24.0070, da comarca de Taió (Vara Única) em que são Apelantes Cecília Ribeiro e Osmar Oderdenge e Apelada Rohden S.A.

A Sétima Câmara de Direito Civil decidiu, por votação unânime, conhecer do recurso e negar-lhe provimento e, em consequência, majorar os honorários de sucumbência em favor do patrono da parte apelada. Custas legais.

O julgamento foi presidido pelo Exmo. Des. Carlos Roberto da Silva, com voto, e dele participaram o Exmo. Des. Osmar Nunes Júnior e o Exmo. Des. Álvaro Luiz Pereira de Andrade.

Funcionou como representante do Ministério Público o Exmo. Sr. Procurador de Justiça Tycho Brahe Fernandes e lavrou parecer o Exmo. Sr. Procurador de Justiça Plínio César Moreira.


Florianópolis, 16 de abril de 2020.


Carlos Roberto da Silva

PRESIDENTE E RELATOR






RELATÓRIO

Cecília Ribeiro e Osmar Oderdenge interpuseram recurso de apelação contra sentença (p. 278-283) que, nos autos da ação de usucapião ajuizada em desfavor de Rohden S.A., julgou improcedente o pedido inicial.

Para melhor elucidação da matéria debatida nos autos, adota-se o relatório da sentença recorrida:

Cecília Ribeiro e Osmar Oderdenge ajuizaram a presente ação de usucapião em face de Rohden S/A, alegando que, mantiveram a posse sobre o imóvel descrito na inicial, constituindo moradia, cujo aluguel era descontado diretamente da folha de pagamento, pois empregados da empresa requerida.

Asseveram que, a partir de 2006, após a falência da empresa requerida, cessou o pagamento dos alugueres, mantendo a posse do bem, mesmo sem qualquer vínculo empregatício com a empresa proprietária. Assim, pretendem seja declarada a aquisição prescritiva da propriedade do imóvel por intermédio da usucapião em sua modalidade extraordinária (fls. 01-12).

Devidamente citada, a ré refutou os argumentos lançados na exordial, asseverando, em suma, que jamais decretou falência e que o contrato de locação se deu em razão de vínculo empregatício, afastando o animus domini necessário à prescrição aquisitiva da propriedade.

Aduziu que a confissão da inadimplência dos alugueres confirma que os representes da empresa foram tolerantes com a permanência dos autores na propriedade. Ainda, afirmou que não houve a rescisão do contrato de aluguel, que somente poderia ocorrer de maneira escrita, estando, portanto, vigente até os dias de hoje (fls. 59-71).

Houve réplica (fls. 108-115).

Diante da possibilidade de acordo entre as partes, procedeu-se à avaliação do imóvel, que seria dado em pagamento pela empresa ré por dívidas trabalhistas com os requerentes. Contudo, infrutífera a composição entre as partes, conforme ação de despejo apensa, o feito foi saneado, designando-se audiência instrutória (fls. 233-234).

Considerando a existência de várias demandas envolvendo idêntica causa de pedir e tendo a Rohden S/A como ré, foi deferida a utilização de prova emprestada, consistente nos depoimentos colhidos durante a instrução na ação de n. 0300474-77.2016.8.24.0070, ocasião em que foram ouvidas seis pessoas.

As partes apresentaram alegações finais por memoriais (fls. 264-277).

Vieram os autos conclusos.

Da parte dispositiva do decisum, extrai-se a síntese do julgamento de primeiro grau:

Ante o exposto, JULGO IMPROCEDENTE o pedido deduzido na petição inicial, na forma do art. 487, I, do Código de Processo Civil.

Condeno a autora ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, estes arbitrados em 15% (quinze por cento) sobre o valor da causa, atentando para a complexidade mediana da causa e a realização de audiência instrutória, na forma do art. 85, § 2º, do Código de Processo Civil.

A exigibilidade des tais verbas está suspensa com relação à(s) parte(s) ativa, durante o prazo extintivo de 5 (cinco) anos, nos termos dos arts. 98 a 102 do CPC e da Lei 1.060/1950.

Translade-se cópia da presente sentença aos autos da ação de despejo apensa, dando-se vista às partes para manifestação, pelo prazo de 15 (quinze) dias.

Publique-se. Registre-se. Intimem-se.

Após o trânsito em julgado, arquivem-se.

Em suas razões recursais (p. 287-303) os demandantes asseveram que "quanto ao animus domini, o mesmo se encontra engajado e cumprido pelo fato de visivelmente os requerentes terem mantido sua posse com o animus de ser dono, cercando, reformando, ampliando, plantando, tudo a melhorar o imóvel e dentro de suas condições financeiras, sem qualquer supervisão do proprietário do imóvel, que abandonou por completo as terras, como ficou demonstrado pelas fotos da demanda originária" e que "vislumbra-se que houve e há a posse usucapienda dos apelantes, não ocorrendo em qualquer hipótese a tolerância do proprietário, pois nem sequer haveria esta possibilidade, ou ainda, aquele que é devedor de milhões deixaria um imóvel ser ocupado por meros trabalhadores que não receberam suas rescisões trabalhistas? Não se verifica como possível (...)" [sic] (p. 291-292).

Aduzem ainda que "fizeram melhoras na residência, que em princípio eram todas iguais, algumas tendo sido feitas de alvenaria, zelando pelo imóvel, mantendo-o limpo e livre de terceiras pessoas, tudo isto sem a supervisão pelo proprietário, ou seja, mantendo a posse desgarrada daquele, não a fazendo em detrimento da retrógrada e extinta locação" (p. 293).

Alegam, por fim, que "além das provas de descaso para com o imóvel, não fez prova a apelada em nenhum momento de que efetivamente pretendia manter seu imóvel, quando não cuidou mais do bem, não notificou os posseiros para retirarem-se do imóvel e não cobrou aluguéis pois o contrato de locação estava extinto" (p. 296).

Amparados em tais argumentos, postulam a reforma da sentença vergastada para que seja acolhido o pleito inicial.

Com as contrarrazões (p. 307-312), ascenderam os autos a esta Corte de Justiça.

A Procuradoria-Geral de Justiça, por intermédio de parecer do Procurador de Justiça Plínio César Moreira deixou de se manifestar quanto ao mérito, por entender desnecessária a intervenção do Ministério Público (p. 321-322), vindo os autos conclusos para julgamento.

Este é o relatório.


VOTO

Trata-se de recurso de apelação interposto contra sentença que julgou improcedente o pedido inaugural formulado pelos apelantes.

Porque presentes os pressupostos de admissibilidade, conhece-se da apelação interposta.

De início, destaca-se que a decisão recorrida foi publicada quando já vigente o novo Código de Processo Civil (24-1-2019 - p. 284), motivo pelo qual a referida norma norteará a presente decisão, por incidência do princípio tempus regit actum (teoria do isolamento dos atos processuais), nos moldes do art. 1.046 do atual Código de Ritos.

Tem-se como fato incontroverso que os autores pleiteiam na presente demanda a declaração originária de propriedade em relação à área de 525,72m² localizada na Linha Ribeirão Grande, município de Salete, inclusa em porção maior registrada na matrícula n. 10.430 do Cartório de Registro de Imóveis da citada comarca em nome da apelada (p. 23-29).

Indiscutível ainda que a ocupação no bem usucapiendo teve início em virtude de celebração de contrato de locação entabulado entre a demandante e a empresa ré, decorrente da relação de emprego mantida no período de 18-5-2000 (p. 84) até 5-8-2009 (p. 83).

A controvérsia, portanto, cinge-se em analisar o (não) preenchimento dos requisitos da usucapião na modalidade extraordinária prevista no art. 1.238 do Código Civil, e sobre tal ponto debruçar-se-á a presente decisão.

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