Acórdão Nº 0300525-54.2019.8.24.0015 do Primeira Câmara de Direito Comercial, 15-10-2020

Número do processo0300525-54.2019.8.24.0015
Data15 Outubro 2020
Tribunal de OrigemCanoinhas
ÓrgãoPrimeira Câmara de Direito Comercial
Classe processualApelação Cível
Tipo de documentoAcórdão




Apelação Cível n. 0300525-54.2019.8.24.0015

Relator: Desembargador Luiz Zanelato

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE BUSCA E APREENSÃO. CONTRATO COM GARANTIA DE ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA. SENTENÇA QUE EXTINGUIU O FEITO SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO COM AMPARO NO ARTIGO 485, INCISO IV, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL.

RECURSO DA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA AUTORA.

ALEGADA VALIDADE DA CONSTITUIÇÃO EM MORA REALIZADA POR MEIO DE NOTIFICAÇÃO EXTRAJUDICIAL, ENVIADA AO ENDEREÇO DO RÉU PELOS CORREIOS. TESE QUE NÃO COMPORTA ACOLHIMENTO. COMPROVAÇÃO NOS AUTOS DE QUE A INTIMAÇÃO FOI DIRIGIDA À PESSOA NATURAL DO DEVEDOR FIDUCIANTE, JÁ FALECIDO POR OCASIÃO DE TAL DILIGÊNCIA E, PORTANTO, SEM CAPACIDADE DE DIREITOS E DEVERES. CONSEQUENTE INEFICÁCIA DO ATO QUE ELIDE PRESSUPOSTO DE CONSTITUIÇÃO E DESENVOLVIMENTO VÁLIDO E REGULAR DO PROCESSO NÃO PASSÍVEL DE SANAÇÃO APÓS A PROPOSITURA DA AÇÃO DE BUSCA E APREENSÃO. PRONUNCIAMENTO JUDICIAL COMBATIDO ACERTADO.

1. "A comprovação da mora é imprescindível à busca e apreensão do bem alienado fiduciariamente." (Súmula n. 72/STJ)

2. À luz do direito substantivo, a existência da pessoa natural termina com a morte (art. 6º do Código Civil), o que faz cessar sua capacidade de direitos e deveres na ordem civil (art. 1º). Consequentemente, a notificação extrajudicial tendente à comprovação da mora da devedora, por ter sido dirigida contra quem não mais era sujeito de direitos e deveres desde seu falecimento, revela-se ineficaz e sem aptidão de produzir efeitos jurídicos.

3. Constituindo a comprovação da mora do devedor pressuposto de estabelecimento e desenvolvimento válido e regular do processo em ação de busca e apreensão de bem alienado fiduciariamente em garantia, fundada no Decreto-lei nº 911/69, a inexistência ou ineficácia de tal requisito processual, que não comporta sanação no feito, conduz à extinção do processo, sem resolução do mérito, nos termos do art. 485, IV, do CPC/15.

PREQUESTIONAMENTO. DESNECESSIDADE DE MANIFESTAÇÃO ESPECÍFICA SOBRE TODOS OS DISPOSITIVOS INVOCADOS PELO APELANTE QUANDO O JULGADOR RESOLVE A LIDE DE FORMA SATISFATÓRIA.

HONORÁRIOS RECURSAIS. INAPLICABILIDADE NA ESPÉCIE. AUSÊNCIA DE CONDENAÇÃO DA PARTE APELANTE NA ORIGEM. INTELIGÊNCIA DO ARTIGO 85, § 11, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL.

RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível n. 0300525-54.2019.8.24.0015, da comarca de Canoinhas 2ª Vara Cível em que é Apelante Aymore CFI SA e Apelado Sidnei Schpak.

A Primeira Câmara de Direito Comercial decidiu, por votação unânime, conhecer do recurso e negar-lhe provimento. Custas legais.

O julgamento, realizado nesta data, foi presidido pelo Excelentíssimo Senhor Desembargador Guilherme Nunes Born, e dele participaram os Excelentíssimos Senhores Desembargadores Mariano do Nascimento e José Maurício Lisboa.

Florianópolis, 15 de outubro de 2020.

Desembargador Luiz Zanelato

Relator


RELATÓRIO

Aymore CFI SA interpôs recurso de apelação da sentença proferida pelo juízo da 2ª Vara Cível da comarca de Canoinhas que julgou extinto o feito, com lastro no art. 485, IV, do Código de Processo Civil (fls. 46-49).

Cinge-se a demanda exordial em ação de busca e apreensão proposta Aymore CFI SA em face de Sidnei Schpak visando a restituição de veículo dado em garantia de contrato de alienação fiduciária, em razão da apontada inadimplência do réu (fls. 1-2).

Ao receber a inicial, a magistrada de origem deferiu a liminar de busca e apreensão (fls. 29/30), e, ao tentar cumprir a medida, o Oficial de Justiça designado informou que não localizou o veículo, e, na oportunidade, foi informado acerca do falecimento do réu (fl. 33).

À fl. 40, foi determinada a restrição de circulação do veículo por meio do sistema Renajud e a intimação da autora para fornecer o endereço para cumprimento da liminar, a, qual, por sua vez, postulou a suspensão do processo (fl. 41), e à fl. 43, a expedição de ofício ao INSS a fim de verificar se há eventual benefício de pensão por morte em nome do réu, porquanto não logrou êxito em localizar representante legal do seu herdeiro/sucessor.

Na data de 30 de julho de 2019, a juíza da causa, Dra. Dominique Gurtinski Borba Fernandes, prolatou sentença de extinção do feito, cujo dispositivo segue transcrito:

Ante o exposto, JULGO EXTINTO O PROCESSO, SEM RESOLUÇÃO DE MÉRITO, com fundamento no art. 485, inciso IV do Código de Processo Civil.

Em homenagem ao princípio da causalidade, condeno a parte autora ao pagamento das custas e despesas processuais.

Sem honorários.

P.R.I.

Com o trânsito em julgado, arquivem-se. (fls. 46-49).

Irresignada, a parte autora interpôs recurso de apelação, pugnando ao juízo a quo, preliminarmente, a remessa dos autos ao Tribunal de Justiça nos moldes do art. 1.010, § 3º, do Código de Processo Civil. No mérito sustenta que a extinção prematura do feito afronta os princípios da primazia do julgamento de mérito, bem como da celeridade, efetividade e economia processual, sendo imperiosa a prestação satisfativa da tutela jurisdicional. Requer, ao final, o provimento do recurso para, cassada a sentença, seja determinado o prosseguimento do feito na origem, com a respectiva citação dos herdeiros do réu.

Sem contrarrazões, o recurso ascendeu ao Tribunal de Justiça e foi distribuído a esta relatoria por sorteio (fls. 63/64).

Este é o relatório.


VOTO

1. Juízo de admissibilidade

Inicialmente, registra-se que se trata de recurso de apelação interposto contra sentença prolatada sob a égide do Código de Processo Civil de 2015, motivo pelo qual é este diploma processual que disciplina o cabimento, o processamento e a análise do presente recurso, haja vista o princípio tempus regit actum (teoria do isolamento dos atos processuais).

Conheço do recurso de apelação porque presentes os requisitos intrínsecos e extrínsecos de admissibilidade.

2. Fundamentação

2.1. (Im)possibilidade de extinção do feito

A instituição financeira recorrente aduz que a extinção prematura do feito afronta os princípios da primazia do julgamento de mérito, bem como da celeridade, efetividade e economia processual, sendo imperiosa a prestação satisfativa da tutela jurisdicional.

Em sede de ação de busca e apreensão de veículo dado em alienação fiduciária, o art. 2º, § 2º, do Decreto-Lei n. 911/69, alterado pela Lei n. 13.043/2014, redige as consequências do descumprimento ou mora, senão vejamos:

Art 2º No caso de inadimplemento ou mora nas obrigações contratuais garantidas mediante alienação fiduciária, o proprietário fiduciário ou credor poderá vender a coisa a terceiros, independentemente de leilão, hasta pública, avaliação prévia ou qualquer outra medida judicial ou extrajudicial, salvo disposição expressa em contrário prevista no contrato, devendo aplicar o preço da venda no pagamento de seu crédito e das despesas decorrentes e entregar ao devedor o saldo apurado, se houver, com a devida prestação de contas.

[...]

§ 2º A mora decorrerá do simples vencimento do prazo para pagamento e poderá ser comprovada por carta registrada com aviso de recebimento, não se exigindo que a assinatura constante do referido aviso seja a do próprio destinatário.

Da redação dessa norma extrai-se que, na alienação fiduciária, a mora do devedor origina-se com o não pagamento da prestação no vencimento, ou seja, decorre automaticamente do vencimento do prazo para o pagamento.

No entretanto, a mora, por si só, não basta para o credor fiduciário demandar a recomposição de seu direito mediante a busca e apreensão do bem. Indispensável sua comprovação.

Aliás, trata-se de entendimento sedimentado pela jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, nos termos da Súmula n. 72, sob este enunciado: "A comprovação da mora é imprescindível à busca e apreensão...

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