Acórdão Nº 0300546-58.2014.8.24.0030 do Segunda Câmara de Direito Civil, 22-10-2020

Número do processo0300546-58.2014.8.24.0030
Data22 Outubro 2020
Tribunal de OrigemImbituba
ÓrgãoSegunda Câmara de Direito Civil
Classe processualApelação Cível
Tipo de documentoAcórdão



Apelação Cível n. 0300546-58.2014.8.24.0030


Apelação Cível n. 0300546-58.2014.8.24.0030

Relator: Desembargador João Batista Góes Ulysséa

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER C/C INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA. APELOS DOS LITIGANTES.

APELO DA RÉ. SEGURO AUTOMOTIVO. RESCISÃO UNILATERAL DO CONTRATO PELO CONSUMIDOR. POSTERIOR INCLUSÃO PELA EMPRESA DE RESTRIÇÃO NO CADASTRO DO AUTOMÓVEL QUE INVIABILIZA A CONTRATAÇÃO DE SEGURO COM TERCEIROS. DEVER DE LEVANTAR A ANOTAÇÃO SOB PENA DE MULTA DIÁRIA. OBRIGAÇÃO DE FAZER MANTIDA. MULTA COMINATÓRIA. CABIMENTO. NECESSIDADE DE REDUÇÃO DO VALOR. DANOS MORAIS CARACTERIZADOS. QUANTUM INDENIZATÓRIO ACERTADO. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.

Age ilicitamente a empresa seguradora que, após a rescisão do contrato por iniciativa unilateral do consumidor, lança restrição injustificada no cadastro do automóvel que inviabiliza a contratação de seguro perante terceiros, fato que inclusive dá azo para danos morais indenizáveis.

É cabível a fixação de multa cominatória para desestimular o descumprimento da obrigação de fazer imposta em sentença. O valor da indenização por danos morais deve representar um desestímulo à reincidência e uma reprovação ao ato ilícito do ofensor, bem como servir à reparação ou, ao menos, à minoração das consequências danosas impostas à vítima, sem que represente enriquecimento sem causa. Assim, respeitados os critérios de arbitramento, impositiva a manutenção do valor condenatório.

APELO DO AUTOR. PRETENSÃO À MAJORAÇÃO DOS DANOS MORAIS E DA VERBA HONORÁRIA. NÃO ACOLHIMENTO. RECURSO DESPROVIDO.

PLEITO DE CONDENAÇÃO DA RÉ APELANTE POR LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ. INOCORRÊNCIA. AFASTAMENTO.

Não configura litigância de má-fé a simples interposição do recurso cabível contra a decisão desfavorável, já que representa o exercício regular de um direito.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível n. 0300546-58.2014.8.24.0030, da comarca de Imbituba (1ª Vara) em que são Apelantes e Apelados João Bento e Brasil Veículos Companhia de Seguros.

A Segunda Câmara de Direito Civil decidiu, por votação unânime, prover parcialmente o apelo da Ré e desprover o do Autor, afastada a litigância de má-fé. Custas legais.

O julgamento, realizado em 22 de outubro de 2020, foi presidido pelo Exmo. Sr. Desembargador Rubens Schulz, com voto, e dele participou a Exma. Sra. Desembargadora Rosane Portella Wolff.

Florianópolis, 26 de outubro de 2020.

[assinado digitalmente]

Desembargador João Batista Góes Ulysséa

Relator


RELATÓRIO

João Bento (Autor) e Brasil Veículos Companhia de Seguros (Ré) apelaram da sentença que acolheu os pedidos formulados em ação de obrigação de fazer c/c indenização por danos morais, condenando a empresa a "excluir qualquer restrição técnica incidente sobre o veículo do(a) autor(a), sob pena de multa diária de R$ 200,00 (duzentos reais), limitada ao montante total de R$ 24.788,00 (vinte e quatro mil, setecentos e oitenta e oito reais)" (fl. 220), além do pagamento de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) a título de danos morais, mais custas processuais e honorários advocatícios de 12,5% do valor atribuído à causa.

Pleiteou o Autor a majoração do valor condenatório por danos morais e honorários advocatícios, argumentando que: (a) após rescindir unilateralmente o contrato de seguro que mantinha com a seguradora, esta lançou sobre o automóvel informação inverídica de que o bem sofrera perda total; (b) o fato fez com que as seguradoras do mercado não aceitassem securitizar o veículo, o que ainda lhe traz inúmeros problemas, passados três anos; (c) além de não conseguir seguro ao veículo, também não consegue aliená-lo, pois os interessados desistem da compra quando tomam conhecimento da restrição; (d) por tais fatores, é imperiosa a majoração do quantum indenizatório para R$ 15.000,00 (quinze mil reais), para melhor refletir as peculiaridades do caso; e (e) também se impõe o aumento da verba honorária pela atuação profissional de seu procurador.

A Ré/Apelante, de seu turno, pleiteou a reforma da sentença, aduzindo que: (a) desconhece alguma restrição sobre o cadastro do veículo do Autor, pois não há nada no seu sistema a esse respeito; (b) jamais lançou a referida restrição e, portanto, o fato de outras seguradoras negarem seguro ao automóvel, não lhe diz respeito; (c) não praticou ato ilícito e não pode ser compelida a levantar restrição que, para todos os efeitos, não existe, o que torna impossível cumprir obrigação de fazer; (d) o Autor não provou minimamente a propalada restrição e o ônus é seu, nos termos do art. 373, I, do CPC/2015; (e) a única testemunha ouvida em juízo, um corretor de seguros que revelou não ter conseguido realizar a simulação do seguro do automóvel, afirmou não ter ciência do motivo da impossibilidade, como desconhece o responsável pela restrição; (f) além de inexistir ato ilícito, também não há nexo de causalidade entre o fato e a eventual negativa do seguro por outras empresas; (g) se mantida a condenação, imperiosa a redução da multa cominatória, fixada em R$ 200,00 diários e limitada ao valor de mercado do bem, que supera R$ 25.000,00; (h) deve ser afastado o dano moral ou, ao menos, sua redução para quantia compatível com a ínfima repercussão do caso; e (i) se mantida a condenação, a propriedade do veículo automotor pertencente ao Autor deve lhe ser transferida, a fim de evitar-se o enriquecimento sem causa.

Apresentaram os litigantes contrarrazões pelo desprovimento do apelo da parte contrária (fls. 258/269 e 270/277), oportunidade em que o Autor pleiteou a condenação da Ré em litigância de má-fé.

Esse é o relatório.


VOTO

João Bento (Autor) e Brasil Veículos Companhia de Seguros (Ré) apresentaram recursos apelatórios contra a sentença de procedência parcial dos pedidos formulados em ação de obrigação de fazer c/c indenização por danos morais, que condenou a empresa a "excluir qualquer restrição técnica incidente sobre o veículo do(a) autor(a), sob pena de multa diária de R$ 200,00 (duzentos reais), limitada ao montante total de R$ 24.788,00 (vinte e quatro mil, setecentos e oitenta e oito reais)" (fl. 220), mais R$ 5.000,00 (cinco mil reais) a título de danos morais, custas processuais e honorários advocatícios de 12,5% do valor atribuído à causa.

Inicia-se pelo exame do apelo da Ré Brasil Veículos Companhia de Seguros, em razão de sua maior abrangência aos temas discutidos.

É incontroverso que as partes mantinham contrato de seguro do automóvel Fia Siena pertencente ao Autor, iniciado em 21/06/2010, nos termos da apólice de fls. 9/10, e renovado ao final de cada período anual de vigência.

Em abril de 2013, o automóvel sofreu pequena avaria e o Segurado preferiu por pagar diretamente à prestadora de serviços o conserto, no valor de R$ 344,00 (trezentos e quarenta e quatro reais) (nota fiscal de fl. 17), optando por não realizar o serviço por intermédio da Seguradora, que exigia o pagamento da franquia de R$ 838,96 (oitocentos e trinta e oito reais e noventa e seis centavos).

Em seguida, por iniciativa do próprio segurado, insatisfeito com a prestação dos serviços pela Ré, o contrato de seguro foi rescindido, o que está corroborado pelo documento "Endosso de Cancelamento da Apólice por Decisão do Segurado" (fls. 13/14).

Até este ponto da narrativa, as partes não divergem. Contudo, a controvérsia reside na alegada restrição lançada pela pessoa jurídica sobre o cadastro do automóvel do Autor, após a rescisão do contrato de seguro. Isso porque, para o Autor, a Ré valeu-se de sua posição contratual para fazer constar sobre o cadastro do automóvel uma restrição sobre sua "perda total", o que fez com que não mais alcançasse seguro de qualquer outra seguradora, por retaliação contra a rescisão unilateral do contrato pelo segurado.

Afirma a empresa, de seu turno, que não registrou qualquer ocorrência sobre o cadastro do veículo, desconhecendo quem o tenha feito e não tem ingerência sobre os atos de outras seguradoras, já que dotadas de autonomia contratual para realizar ou não o seguro de automóveis.

A resolução meritória da lide não passa ao largo da distribuição da prova, pois é imprescindível determinar-se quem melhor se desincumbiu de seu ônus probatório.

Não se pode deslembrar que a demanda em comento deve ser analisada sob o prisma do Código Consumerista, pois é inegável que a relação securitária submete-se aos ditames da Lei n. 8.078/1990, havendo a clara presença do consumidor e do prestador de serviços nos polos opostos da lide (arts. e do CDC), e em consonância com pacífica jurisprudência desta Corte:

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO CONDENATÓRIA. COBRANÇA SECURITÁRIA E INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. PARCIAL PROCEDÊNCIA À ORIGEM. RECURSO DA RÉ. RELAÇÃO DE CONSUMO. APLICAÇÃO DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. CONTRATO DE SEGURO VEICULAR. OCORRÊNCIA DE FURTO. AUTOMÓVEL DESACOMPANHADO, ABERTO E COM A CHAVE NA IGNIÇÃO. COMPORTAMENTO QUE FOI CONDIÇÃO NECESSÁRIA E ADEQUADA PARA A OCORRÊNCIA DO SINISTRO. CONDUTA LIVRE, CONSCIENTE E VOLUNTÁRIA DO SEGURADO. EFETIVO AGRAVAMENTO DO RISCO. PRECEDENTES DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. EXCLUSÃO DA COBERTURA. SENTENÇA DESCONSTITUÍDA. IMPROCEDÊNCIA DOS PEDIDOS INICIAIS. INVERSÃO DOS ÔNUS SUCUMBENCIAIS. RECURSO PARCIALMENTE CONHECIDO E PROVIDO. (TJSC, Apelação Cível n. 0314442-76.2016.8.24.0038, de Joinville, rel. Des. Ricardo Fontes, Quinta Câmara de Direito Civil, j. 28-04-2020).

Todavia, ainda que o Código de Defesa do Consumidor garanta à parte mais fraca e vulnerável da relação contratual a facilitação da defesa de seus interesses, inclusive em juízo (art. 6º, inc. VIII), possibilitando entre outras medidas a inversão do ônus da prova, não se pode desprezar que o atual Código de Processo Civil impõe às...

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