Acórdão Nº 0300548-51.2017.8.24.0053 do Primeira Câmara de Direito Civil, 25-05-2023

Número do processo0300548-51.2017.8.24.0053
Data25 Maio 2023
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoPrimeira Câmara de Direito Civil
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão










Apelação Nº 0300548-51.2017.8.24.0053/SC



RELATOR: Desembargador EDIR JOSIAS SILVEIRA BECK


APELANTE: DAVI ROQUE BOTTEGA (RÉU) APELANTE: MARLI PANICAO BOTTEGA (RÉU) APELADO: RONATAN PEDRO GANDINI (AUTOR)


RELATÓRIO


Adota-se o relatório e transcreve-se o dispositivo da sentença apelada:
Trata-se de "ação de cognição condenatória c/c pedido de antecipação de tutela do Art. 303 caput do CPC e condenação em danos morais" ajuizada por Ronatan Pedro Gandini em face de Davi Roque Bottega e de Marli Panição Bottega.
Relatou o autor que, há cerca de oito meses, adquiriu a motocicleta HONDA/CB 300R, Placa MGR-1485, Renavam 155001221, Fabricação/Modelo 2009/2010, Cor Preta, de Aldair Possa, o qual por sua vez a havia comprado de Daniel Flores, e este dos requeridos. Informou que os réus se negaram a transferir a propriedade da motocicleta em seu favor junto ao órgão de trânsito porque alegam a existência de débitos com relação às operações que antecederam a aquisição efetuada pela parte autora. Noticiou que, após se envolver em acidente de trânsito, a motocicleta foi encaminhada ao pátio de apreensões e que os réus, sabendo da situação, se aproveitaram do fato de que constam como proprietários no documento do veículo e o retiraram do local onde se encontrava, e posteriormente publicaram em rede social de internet um anúncio de venda do referido bem. Assim, pugnou pela concessão de tutela de urgência visando à entrega do bem em seu favor, a ser confirmada por sentença. No mérito, requereu ainda a condenação dos réus na obrigação de transferir o veículo e no pagamento de indenização por danos morais. Juntou documentos (p. 12-34).
A tutela de urgência foi parcialmente deferida, determinando-se a inclusão de restrição de transferência da motocicleta pelo sistema Renajud (fls. 35-38).
À fl. 40, restou deferida a gratuidade da justiça ao requerente.
Houve pedido de reconsideração da decisão liminar (fls. 42-55), o qual restou indeferido (fl. 56).
Citados (fls. 63 e 66), os demandados apresentaram contestação (fls. 69-77), sustentando preliminarmente a ilegitimidade passiva de ambos. No mérito, em síntese, afirmaram que o autor sabia das irregularidades referentes à motocicleta quando adquiriu o bem de terceiro, de modo que não ostenta a condição de adquirente de boa-fé. Também juntaram documentos (fls. 78-93).
Houve réplica (fls. 97-108).
Em decisão saneadora foi rejeitada a preliminar e ordenada a intimação das partes para especificarem as provas que ainda pretendiam produzir (fls. 109/110).
Diante do interesse na produção de prova oral por ambas as partes (fls. 113, 114/115 e 119/120), designou-se audiência de instrução e julgamento (fl. 121), na qual foram colhidos os depoimentos do réu Davi Roque Bottega e de seis testemunhas (fl. 141). Apresentadas razões finais escritas (fls. 142-148 e 149-157), vieram os autos conclusos.
(...)
Do exposto, resolvo o mérito julgando procedentes os pedidos deduzidos na petição inicial (art. 487, I, do CPC), para: a) determinar a restituição da motocicleta descrita na inicial ao autor; b) determinar a transferência da motocicleta para o nome do autor junto ao prontuário do veículo; e, c) condenar os réus, solidariamente, ao pagamento de indenização por danos morais, na quantia de R$ 10.000,00 (dez mil reais), acrescidos de juros de mora e de correção monetária, nos termos da fundamentação.
Defiro a tutela de urgência para determinar a imediata entrega do bem. CONCEDO o prazo de 15 (quinze) dias para cumprimento voluntário pelos réus. Oficie-se ao DETRAN do Estado de Santa Catarina para cumprimento do item "b" acima, no prazo de 10 (dez) dias.
Condeno a parte passiva ao pagamento das despesas processuais pendentes, conforme arts. 86 e 87 do CPC. Está igualmente obrigada a indenizar as despesas adiantadas no curso do processo pelo(s) vencedor(es), conforme art. 82, § 2º, do CPC. Fixo os honorários sucumbenciais devidos pela parte antes referida ao(s) advogado(s) do(s) litigante(s) vencedor(es) no percentual de 10% sobre o valor condenação (acrescido dos encargos moratórios), conforme art. 85 do CPC.
Opostos embargos declaratórios pelos requeridos, foram acolhidos para "suprir a omissão e CONCEDER aos requeridos/embargantes os benefícios da justiça gratuita, razão pela qual a exigibilidade das custas processuais e honorários advocatícios, pelos quais foram condenados na sentença de fls. 160-175, fica suspensa pelo prazo de 5 (cinco) anos, nos termos do artigo 98, § 3º do Novo Código de Processo Civil".
Acrescenta-se que a parte ré interpôs o presente recurso de apelação sustentando a aquisição do veículo de má-fé pelo autor e a ausência de dano indenizável, e, alternativamente, a redução da condenação.
A parte apelada apresentou contrarrazões reiterando os fundamentos já apresentados na origem e postulando a rejeição do pedido recursal

VOTO


Assumi em 21 de março de 2022 minhas funções neste Tribunal de Justiça, incluindo a relatoria do acervo em exame.
No pertinente à pretensão reparatória, também como razões de decidir de se transcrever excerto do decreto recorrido, da precisa lavra da Magistrada Jaqueline Fátima Rover:
Com efeito, sabe-se que a propriedade dos bens móveis é adquirida pela tradição, a teor do disposto nos artigos 1.226 e 1.267 do Código Civil:
Art. 1.226. Os direitos reais sobre coisas móveis, quando constituídos, ou transmitidos por atos entre vivos, só se adquirem com a tradição.
Art. 1.267. A propriedade das coisas não se transfere pelos negócios jurídicos antes da tradição. Parágrafo único. Subentende-se a tradição quando o transmitente continua a possuir pelo constituto possessório; quando cede ao adquirente o direito à restituição da coisa, que se encontra em poder de terceiro; ou quando o adquirente já está na posse da coisa, por ocasião do negócio jurídico.
É cediço que o Certificado de Registro de Veículo emitido pelo Detran não comprova a propriedade do veículo de forma absoluta, uma vez que, de acordo com os dispositivos retro citados, o bem móvel se transfere com a tradição, sendo considerado proprietário aquele que estiver na posse efetiva do veículo.
Portanto, em linha de princípio, apesar de os requeridos figurarem como proprietários nos documentos da motocicleta, poderiam não ser legitimados para retirá-la do pátio de apreensões, a depender dos seguintes fatores: i) se houve ou não descumprimento das obrigações assumidas pelo Sr. Daniel Flores com relação ao conserto do automóvel da parte ré, cujo pagamento havia sido realizado com a entrega da motocicleta; ii) se o autor teve ou não conhecimento do desacordo entre a parte requerida e o Sr. Daniel Flores.
Se a resposta a tais questionamentos for positiva, então os demandados teriam, em tese, agido no exercício regular do direito de propriedade, pois "feita por quem não seja proprietário, a tradição não aliena a propriedade, exceto se a coisa, oferecida ao público, em leilão ou estabelecimento comercial, for transferida em circunstâncias tais que, ao adquirente de boa-fé, como a qualquer pessoa, o alienante se afigurar dono" (art. 1.268, caput do Código Civil).
Dentre os documentos amealhados ao feito, encontram-se notas fiscais e recibos de conserto de automóvel VW/Gol, placa CCQ-3412, emitidos à parte ré (fls. 85, 90 e 92), o que apenas fornece indícios de que o sr. Daniel Flores teria descumprido o contrato. Ademais, não se pode esquecer que o autor era terceiro em relação ao ajuste, só podendo ter seu direito atingido em caso de comprovada má-fé.
Assim, passa-se a analisar a prova oral produzida no processo.
O réu Davi Roque Bottega disse que não conhecia Ronatan, ficou conhecendo na ocasião da audiência; que ele nunca lhe comprou moto; que nunca teve negócio com ele e nunca sequer conversou com ele; que tinha vendido a moto em negócio feito com Daniel Flores; que tem um gol branco que Daniel tinha que arrumar, colocar painel novo, assentos novos, quatro pneus e fazer a "chapeação" dele; que, além da motocicleta, Daniel "voltaria" mais R$ 1.500,00 (um mil e quinhentos reais); que...

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