Acórdão Nº 0300550-02.2015.8.24.0082 do Primeira Câmara de Direito Civil, 22-09-2022

Número do processo0300550-02.2015.8.24.0082
Data22 Setembro 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoPrimeira Câmara de Direito Civil
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Nº 0300550-02.2015.8.24.0082/SC

RELATOR: Desembargador SILVIO DAGOBERTO ORSATTO

APELANTE: UNIMED GRANDE FLORIANÓPOLIS - COOPERATIVA DE TRABALHO MÉDICO APELANTE: ELIANE VAZ MAGNI APELANTE: MATHEUS VAZ GOUDEL APELADO: OS MESMOS

RELATÓRIO

Trata-se de Apelação Cível e Recurso Adesivo interpostos, respectivamente, por U. G. F. C de T. M. e E.V. M. e M. V. G. em face da sentença proferida pelo juízo da 1ª Vara Cível da comarca da Capital que, nos autos da Ação de Indenização c/c Restituição de Valores n. 0300550-02.2015.8.24.0082 ajuizada por E. V. M. e M. V. G., acolheu os pedidos iniciais, nos seguintes termos (Evento 31 - autos de origem):

"Ante o exposto, com fundamento no art. 487, I, do CPC, JULGO PROCEDENTES os pedidos formulados por Eliane Vaz Magni e Matheus Vaz Goudel em desfavor de Unimed Grande Florianópolis - Cooperativa de Trabalho Médico para, em consequência: (a) Condenar a demandada a pagar aos demandantes o valor equivalente a R$ 18.000,00 (dezoito mil reais) a título de danos morais, acrescido de correção monetária desde o presente julgamento e juros de mora a contar da citação; (b) Condenar a demandada a restituir o valor de R$ 2.000,00 (dois mil reais) dispendido com a compra do botão tightrope. Tal valor deverá ser acrescido de correção monetária pelo INPC desde o presente julgamento e juros de mora a contar desde o desembolso. Condeno a demandada ao pagamento das despesas processuais e honorários de advogado, os quais arbitro em 10% sobre o valor da condenação, tendo em vista o julgamento antecipado da lide (art. 355, I) e a complexidade da presente ação, com fulcro no art. 85, §2º, do CPC. Publique-se. Registre-se. Intimem-se."

A apelante alegou, em síntese, que o plano de saúde entabulado entre as partes foi firmado antes da vigência da Lei n. 9.656/98, não sendo aplicável as disposições da referida normativa. Destacou ter sido ofertada proposta de migração do plano aos autores, consoante disposição da Agência Nacional de Saúde - ANS, havendo recusa em razão do valor da contraprestação ser superior ao contrato de origem, mantendo-se válida, portanto, a cláusula contratual que exclui da cobertura próteses e órteses de qualquer natureza. Por fim, pugnou pela inexistência de dano moral em face da mera negativa de cobertura respaldada pelo contrato ou, alternativamente, pela minoração (Evento 40 - autos de origem).

Os autores recorreram adesivamente, requerendo a repetição do indébito em dobro e a majoração do dano moral (Evento 47 - autos de origem).

Após, ascenderam os autos a esta Corte de Justiça.

É o breve relatório.

VOTO

Preenchidos os requisitos intrínsecos e extrínsecos de admissibilidade, conhece-se do recurso e passa-se à sua análise.

A apelante defende a regularidade da negativa de cobertura para o fornecimento de Botão TightRope indicado ao autor beneficiário, alegando que o contrato, não regulamentado pela Lei n. 9.656/98, prevê a exclusão de próteses e órteses de qualquer natureza.

Ao que se infere dos autos, é incontroverso que o autor apelado é beneficiário do plano de saúde firmado com a operadora ré apelante (Evento 11, INF23 - autos de origem).

É inconteste, ainda, que o autor passou por cirurgia de urgência decorrente de trauma no ombro direito, a qual foi autorizada pela apelante (Evento 1, INF3 e INF4 - autos de origem), com posterior negativa de cobertura relativa ao Botão TightRope (Evento 11, INF24 - autos de origem), obrigando os apelados a custeá-lo.

Inaplicabilidade da Lei n. 9.656/98

Sobre a tese da inaplicabilidade do contrato firmado antes da vigência da Lei n. 9.656/98, salienta-se, de início, que o seu acolhimento deve estar embasado na prova de que foi ofertada ao beneficiário a adaptação do plano aos termos da nova legislação, consoante previsão no art. 35 da mencionada Lei, in verbis:

Art. 35. Aplicam-se as disposições desta Lei a todos os contratos celebrados a partir de sua vigência, assegurada aos consumidores com contratos anteriores, bem como àqueles com contratos celebrados entre 02 de setembro de 1998 e 1º de janeiro de 1999, a possibilidade de optar pela adaptação ao sistema previsto nesta Lei.

Compulsando os autos, constata-se a ausência de elementos que comprovem que a ré apelante possibilitou aos beneficiários migrarem para o novo plano, tendo se limitado a dizer que os autores apelados recusaram a oferta em razão da contraprestação ser superior a do contrato de origem (Evento 30, PET44 - autos de origem).

À luz da falta de provas dessa oferta de adaptação, a qual incumbia à operadora de saúde, nos termos do art. 373, II do Código de Processo Civil, não há como afastar as regras previstas na Lei n. 9.656/98.

Em casos semelhantes, esta Corte já se manifestou nesse sentido:

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER. PLANO DE SAÚDE. NECESSIDADE DE REALIZAÇÃO DE RESSONÂNCIA MAGNÉTICA. NEGATIVA DE FORNECIMENTO. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA. RECURSO DA REQUERIDA. (I) PLEITO OBJETIVANDO A INAPLICABILIDADE DA LEI Nº 9.656/98. CONTRATO FIRMADO ANTES DA SUA VIGÊNCIA. INSUBSISTÊNCIA. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DE QUE FOI OFERTADA A MIGRAÇÃO OU A ADAPTAÇÃO A PLANO REGULAMENTADO. ÔNUS QUE INCUMBIA À DEMANDADA. EXEGESE DO ARTIGO 373, II, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. SÚMULA 469 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. APLICABILIDADE CONJUNTA DA LEI DOS PLANOS DE SAÚDE E DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR [...] (TJSC, Apelação n. 5008463-30.2020.8.24.0023, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, rel. José Agenor de Aragão, Quarta Câmara de Direito Civil, j. 17-02-2022).

"Embora o contrato em análise tenha sido estabelecido em data pretérita ao início de vigência da Lei n. 9.656/98, uma vez que não comprovada a oferta de migração a plano regulamentado, deve ser analisado à luz de suas disposições." (TJSC, Apelação Nº 5005224-52.2019.8.24.0023/SC, rel. Des. LUIZ CÉZAR MEDEIROS, j. 21.07.2020)

Logo, não comprovada a adaptação do plano aos termos da Lei n. 9.656/98 ou a recusa da oferta pelos beneficiários, o contrato firmado entre as partes pode ser interpretado aos termos da referida legislação.

Alegada exclusão de cobertura

Insurge-se a ré apelante que a negativa do custeio do Botão TightRope deu-se em decorrência de disposição contratual que prevê a exclusão de próteses e órteses de qualquer natureza.

Observando o contrato paradigma (Evento 11, INF23 - autos de origem), em especial a Cláusula VI, é possível extrair a garantia de assistência médica hospitalar para as áreas correspondentes ao tratamento cirúrgico indicado ao beneficiário: ortopedia e cirurgia.

"CLÁUSULA VI - SERVIÇOS ASSEGURADOS (ASSISTÊNCIA MEDICO-HOSPITALAR E SERVIÇOS AUXILIARES DE DIAGNÓSTICOETERAPIA). 6.1 -A UNIMED assegura, aos usuários principais e dependentes regularmente inscritos, assistência médica nos consultórios dos médicos cooperados, em hospitais e ambulatórios, dentro da rede por ela mantida ou contratada, nas especialidades a seguir relacionadas: - Alergologia e Imunologia; -- Anestesiologia;-Angiologia;-Cardiologia (excluídas as cirurgias);-Cirurgia de cabeça e pescoço;-Cirurgia da mão;-Cirurgia Geral;-Cirurgia Gastroentero-lógica;- Cirurgia Pediátrica;-Cirurgia Plástica Reparadora;-Cirurgia Torácica;-Cirurgia Vascular Periférica;-Clínica Médica;-Dermatologia; Endocrinologia;-Fisiatria;- Gastroenterologia; Ginecologia e Obstetrícia;-Hematologia; -Homeopatia (somente consultas);---Nefrologia;-Neurolo-gia;-Neurocirurgia;-Oftalmologia;-Oncologia;- Ortopedia; -Otorrinolaringologia;-Pediatria; -Pneumologia;- Proctologia;- Psiquiatria (somente consultas); Reumatologia; -Traumatologia;-Urologia."

Nesse sentido, se a cobertura para o tratamento é resguardada pelo plano de saúde contratado, é incompreensível imaginar que os meios e os materiais necessários para a sua efetivação não estivessem assegurados.

A exclusão de procedimentos, técnicas ou materiais pelas operadoras de planos de saúde, necessários à concretização de cirurgia indicada por médico assistente ao beneficiário de plano de saúde, revestem-se de abusividade sob a ótica do Direito do Consumidor. As cláusulas contratuais que tornam a relação contratual manifestamente vulnerável aos consumidores devem ser interpretadas no melhor interesse destes.

Essa interpretação também é adotada pelo Superior Tribunal de Justiça, para o qual "(...) havendo cobertura para a doença, consequentemente deverá haver cobertura para procedimento ou medicamento necessário para assegurar o tratamento de doenças previstas no referido plano (...)" (AgInt no AREsp 1567720/SP, rel. Min. Raul Araújo, j. em 26-10-2020).

Igualmente, no âmbito desta Primeira Câmara de Direito Civil:

"Havendo no contrato de plano de saúde previsão de cobertura específica para determinada doença, afigura-se injustificada a recusa da administradora em fornecer ao usuário a prótese necessária para a realização de cirurgia, quando este material for indicado por profissional especializado na respectiva área de atuação, pois, segundo as diretrizes do Código de Defesa do Consumidor, é nula de pleno direito a cláusula contratual que estabeleça obrigação considerada iníqua, abusiva, que coloque o consumidor em desvantagem...

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