Acórdão Nº 0300562-23.2018.8.24.0078 do Quarta Câmara de Direito Civil, 04-11-2021

Número do processo0300562-23.2018.8.24.0078
Data04 Novembro 2021
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoQuarta Câmara de Direito Civil
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Nº 0300562-23.2018.8.24.0078/SC

RELATOR: Desembargador LUIZ FELIPE SCHUCH

APELANTE: BOA VISTA SERVIÇOS S.A. APELADO: SIRLEI DA SILVA MACHADO CAMARGO

RELATÓRIO

Acolho o relatório da sentença (evento 34 dos autos de primeiro grau), de lavra da Juíza de Direito Karen Guollo, por contemplar precisamente o conteúdo dos presentes autos, ipsis litteris:

Sirlei da Silva Machado Camargo, devidamente qualificada, ajuizou a presente "Ação Declaratória de Inexistência de Débito c/c Reparação por Danos Morais e Pedido de Tutela de Urgência" em face de Click Photo Reprod Fotofrag Ltda e Boa Vista Serviços S/A, igualmente qualificados, aduzindo que, ao tentar realizar um financiamento junto a Caixa Econômica Federal, através do programa Minha Casa Minha Vida, para adquirir uma casa própria, foi informada que seu nome estava inscrito no cadastro de inadimplentes por determinação da primeira requerida, por uma suposta dívida de R$ 180,00 (cento e oitenta reais), vencida em 10 de outubro de 2013, sem, contudo, possuir qualquer relação jurídica, uma vez que nesta data não adquiriu produtos ou serviços da primeira ré. Sustentou, ainda, que não recebeu qualquer notificação quanto à inscrição, a qual deveria ter sido formalizada pela segunda ré antes de inserir o seu nome no rol de maus pagadores. Apresentou os fundamentos jurídicos do pedido e requereu, em sede de tutela antecipada, a exclusão do seu nome no cadastro de inadimplentes. Ao final, pleiteou pela declaração da inexistência do débito e a condenação das rés, solidariamente, ao pagamento de indenização pelo abalo moral que alega ter sofrido. Valorou a causa e juntou os documentos de pp. 12-25. O pedido de tutela antecipada foi indeferido (pp. 26-28). Na sequência, a autora interpôs Agravo de Instrumento, o qual foi conhecido e provido (pp. 146-150). A requerida Boa Vista Serviços S/A apresentou contestação às pp. 101-120, porém, de forma intempestiva (p. 138). Em réplica, a autora arguiu a intempestividade da contestação, reiterando os termos da sua inicial (pp. 141-144). A requerida Click Photo Reprod Fotofrag Ltda, apesar de devidamente citada (p. 46), deixou transcorrer in albis o prazo para resposta (p. 145).

A Magistrada julgou procedentes os pedidos exordiais, nos seguintes termos:

Ante o exposto: JULGO PROCEDENTES os pedidos deduzidos na exordial, com resolução de mérito, na forma do art. 487, inciso I, do CPC, para, confirmando a decisão que deferiu a tutela: a) Declarar a inexistência do débito constante da declaração de pp. 13 e 126, atinente ao contrato n. 2802, com vencimento em 10.10.2013; b) Condenar a ré Click Photo Reprod Fotofrag Ltda a pagar à autora a importância de R$ 8.000,00 (oito mil reais), a título de indenização por danos morais, acrescido de juros de 1% (um por cento) ao mês a contar do evento danoso (inscrição indevida) e correção monetária pelo INPC, a partir desta data; c) Condenar a ré Boa Vista Serviços S/A a pagar à autora a importância de R$ 2.000,00 (dois mil reais), a título de indenização por danos morais, acrescido de juros de 1% ao mês a contar do evento danoso (inscrição indevida) e correção monetária pelo INPC, a partir desta data. Condeno as rés ao pagamento das despesas processuais e honorários advocatícios em 10% (dez por cento) sobre o valor da condenação de cada um, com fulcro no artigo 85, § 2º, do Código de Processo Civil. Ainda, uma vez efetivada a nomeação de defensor dativo, é imperativo o arbitramento de honorários assistenciais em seu favor, a despeito do resultado da demanda. Nesse sentido: (TJSC, Apelação Cível n. 0010212-06.2012.8.24.0038, de Joinville, rel. Des. Tulio Pinheiro, Terceira Câmara de Direito Comercial, j. 25-04-2019). Assim, revendo entendimento até então adotado, que vedava a cumulação, fixo em R$ 589,60 (quinhentos e oitenta e nove reais e sessenta centavos) a remuneração do procurador nomeado às pp. 26-28, a cargo do Poder Judiciário (Lei Complementar Estadual nº 730, de 21.12.2018), conforme disposição da Resolução CM nº. 8 de 08 de julho de 2019. Proceda-se o Cartório a inclusão do Procurador no sistema e requisite-se o pagamento. Expeça-se alvará em favor da autora para restituição do numerário depositado às pp. 42-43.

Os embargos de declaração opostos pela ré Boa Vista Serviços S. A. foram integralmente rejeitados (eventos 39 e 45 dos autos de origem).

Irresignada com a prestação jurisdicional entregue, a acionada Boa Vista Serviços S. A. interpôs apelação, por meio da qual alega, preliminarmente, a sua ilegitimidade passiva. No mérito, aduz que a sua única obrigação - de empresa mera arquivista - é enviar notificação prévia ao consumidor, no endereço fornecido pelo associado, sobre a inclusão de seu nome junto ao banco de dados em razão de suposta inadimplência, o que aduz ter comprovado com os documentos trazidos com a tese defensiva, não havendo falar, portanto, em conduta ilícita de sua parte. Salienta, ainda, que não há comprovação de dano moral in casu e, subsdiariamente, pugna a minoração do quantum arbitrado na sentença, bem como a fixação do termo inicial dos juros de mora tão somente a partir do arbitramento (evento 50 dos autos de origem).

Contrarrazões da autora no evento 54 dos autos de origem.

VOTO

De início, assinalo que, não obstante a existência de outros feitos mais antigos no acervo de processos distribuídos a este Relator, a apreciação do presente recurso em detrimento daqueles distribuídos há mais tempo não significa violação ao disposto no art. 12, caput, do novo Código de Processo Civil, uma vez que a Lei n. 13.256/2016 modificou a redação original do referido dispositivo legal para flexibilizar a obrigatoriedade de a jurisdição ser prestada em consonância com a ordem cronológica de conclusão dos autos. Observe-se que essa salutar alteração legislativa significou uma importante medida destinada à melhor gestão dos processos aptos a julgamento, pois permitiu a análise de matérias reiteradas e a apreciação em bloco de demandas ou recursos que versem sobre litígios similares sem que haja a necessidade de espera na "fila" dos feitos que aguardam decisão final, o que contribui sobremaneira na tentativa de descompressão da precária realidade que assola o Poder Judiciário em decorrência do assombroso número de lides jurisdicionalizadas.

Cuidam os autos de apelação cível interposta por Boa Vista Serviços S. A. (ré) contra sentença de procedência dos pedidos iniciais deduzidos por Sirlei da Silva Machado Camargo na presente ação declaratória de inexistência de débito cumulada com indenizatória por danos morais, ajuizada também em face de Click Photo Reprod. Fotofrag. Ltda.

O recurso preenche os requisitos extrínsecos e intrínsecos de admissibilidade, motivo pelo qual deve ser conhecido.

1 PRELIMINAR - ILEGITIMIDADE PASSIVA

Defende a apelante/ré que por se tratar de mera arquivista de informações e não possuir qualquer responsabilidade pela inclusão do nome da autora em seus cadastros, por suposta inadimplência da mesma perante a empresa credora corré Click Photo, não há falar em sua legitimidade para responder ao processo, razão pela qual deve a ação ser extinta em seu favor com fundamento no artigo 485, VI, do Código de Processo Civil.

A despeito da revelia da recorrente, temática que será melhor abordada no tópico seguinte, a matéria ora suscitada em preliminar é de ordem pública, motivo pelo qual deve ser analisada.

Sabe-se que o Código de Defesa do Consumidor, no art. 43, § 2º, dispõe que "a abertura de cadastro, ficha, registro e dados pessoais e de consumo deverá ser comunicada por escrito ao consumidor, quando não solicitada por ele".

O Superior Tribunal de Justiça, na Súmula 359, assentou que "cabe ao órgão mantenedor do Cadastro de Proteção ao Crédito a notificação do devedor antes de proceder à inscrição".

Considerando que a causa de pedir em relação à apelante é justamente a suposta falta de notificação prévia da autora acerca da inscrição negativa questionada judicialmente, e não há negativa da ré de que o registro partiu do seu cadastro - até porque o documento anexo no item 3 da exordial mostra de forma cristalina a negativação efetivada pela ré -, não há falar em ilegitimidade passiva.

Nesse sentido, mutatis mutandis, já decidiu esta Quarta Câmara de Direito Civil:

APELAÇÃO CÍVEL. CONSUMIDOR. DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO C/C INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. INSCRIÇÃO EM CADASTRO DE PROTEÇÃO AO CRÉDITO. DEMANDA AJUIZADA CONTRA O ÓRGÃO ARQUIVISTA (CDL DE BRASÍLIA). SENTENÇA DE EXTINÇÃO DO FEITO SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO (ART. 485, VI, DO CPC/2015). RECURSO DA AUTORA. PRELIMINAR. LEGITIMIDADE PASSIVA AD CAUSAM. ALEGADA AUSÊNCIA DE NOTIFICAÇÃO PRÉVIA E INSUFICIÊNCIA DE INFORMAÇÕES A RESPEITO DA EMPRESA ASSOCIADA QUE POSSIBILITASSE SUA IDENTIFICAÇÃO. ACOLHIMENTO. DEMANDADA QUE CONFIRMOU, NAS CONTRARRAZÕES, TER SIDO RESPONSÁVEL PELA INCLUSÃO DO REGISTRO. POSSIBILIDADE DE RESPONSABILIZAÇÃO DO ÓRGÃO ARQUIVISTA, NOS LIMITES DE SUAS ATRIBUIÇÕES. SÚMULA 359 DO STJ. PRECEDENTES. "O órgão mantenedor é parte legítima para responder ao pedido de compensação pecuniária resultante do abalo anímico sofrido em decorrência da inscrição indevida do nome do consumidor nos órgãos de proteção ao crédito em razão da falta de prévia notificação, a teor do que alude a Súmula 359 do STJ" (TJSC, AC nº 0300262-88.2016.8.24.0027, de Ibirama, Des. Joel Figueira Júnior, Quarta Câmara de Direito Civil, j. 16/8/2018). SENTENÇA CASSADA. IMPOSSIBILIDADE DE JULGAMENTO IMEDIATO. NECESSIDADE DE SANEAMENTO E DILAÇÃO PROBATÓRIA. RETORNO DOS AUTOS À ORIGEM PARA REGULAR PROSSEGUIMENTO DO FEITO. HONORÁRIOS RECURSAIS. NÃO CABIMENTO. ORIENTAÇÃO DO STJ (EDcl no AgInt no REsp 1.573.573/RJ, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze). RECURSO CONHECIDO E PROVIDO (Apelação Cível n. 0301069-84.2017.8.24.0056, de Santa Cecília...

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