Acórdão Nº 0300570-75.2014.8.24.0066 do Terceira Turma de Recursos - Chapecó, 06-10-2017

Número do processo0300570-75.2014.8.24.0066
Data06 Outubro 2017
Tribunal de OrigemSão Lourenço do Oeste
Classe processualRecurso Inominado
Tipo de documentoAcórdão




ESTADO DE SANTA CATARINA

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SANTA CATARINA

Terceira Turma de Recursos - Chapecó






Recurso Inominado n. 0300570-75.2014.8.24.0066, de São Lourenço do Oeste

Relator: Juiz Ederson Tortelli

RECURSO INOMINADO. AÇÃO JUDICIAL AFETA À ASSISTÊNCIA À SAÚDE. ALEGAÇÃO DE SENTENÇA ILÍQUIDA. NÃO OCORRÊNCIA. TUTELA DE URGÊNCIA CONFIRMADA NA SENTENÇA. CONDENAÇÃO AO PAGAMENTO DE MULTA OCORRENTE. APURAÇÃO DE VALOR A SER FEITO EM EXECUÇÃO DE SENTENÇA. FIXAÇÃO DE MULTA (ASTREINTE) EM DESFAVOR DA FAZENDA PÚBLICA. POSSIBILIDADE. TEMA 98 REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA DO STJ (RESP 1474665/RS, PRIMEIRA SEÇÃO, RELATOR MINISTRO BENEDITO GONÇALVES). REDUÇÃO DO VALOR ARBITRADO. POSSIBILIDADE. VALOR DESPROPORCIONAL. RECURSO DA AUTORA CONHECIDO E DESPROVIDO. RECURSO DO RÉU CONHECIDO E PROVIDO EM PARTE.

O descumprimento das deliberações do Poder Judiciário traduz graves e relevantes consequências fáticas e jurídicas, a saber, entre outras: 1) intervenção federal nos estados (CR, art. 34, VI); 2) intervenção estadual nos municípios (CR, art. 35, IV); 3) crime de responsabilidade, punido com perda do cargo, do Presidente da República, ministros de Estado, governadores e secretários dos estados (CR, art. 85, VII; Lei n. 1.079/1950, arts. 3.º, VIII, 12, 13 e 74); 4) crime de responsabilidade (desobediência) dos prefeitos municipais (Decreto-Lei n. 201/1967, art. 1.º, XIV); 5) crime de desobediência (CP, art. 330 e 359); 6) improbidade administrativa (Lei n. 8.429/1992, art. 11, II); 7) ato atentatório à dignidade da Justiça (CPC, art. 77, IV, § 2.º; 774, III, IV e V); 8) litigância de má-fé (CPC, art. 80, IV e V; art. 536, § 3.º); 9) aplicação de todas as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias necessárias para o cumprimento da ordem, inclusive multa (CPC, arts. 139, IV; 311, III; 380, parágrafo único; 403, parágrafo único; 500; 523, § 1.º; 536, § 1.º; 806, § 1.º; e 814).

Constitui dever de todos, pois, cumprir as deliberações emanadas do Poder Judiciário, especialmente dever da Administração Pública, sob pena de recair sobre o ofensor as severas consequências de sua recalcitrância.

O cenário kafkiano é este: o Poder Público, por seu agente, menospreza e descumpre a ordem judicial e disso resulta: intervenção federal? crime de responsabilidade? crime de desobediência? multa? Não, nada disso. O ofensor nada sofre de punição. Unicamente irrompe o dever de o juiz, por si mesmo, cumprir a própria ordem espezinhada ao determinar o sequestro de pecúnia, exigir orçamentos, expedir alvarás, exigir prestação de contas, entre outros inúmeros incidentes que tanto tumultuam e atrasam a marcha processual.

É possível, justo e apropriado aplicar multa à Administração Pública pelo menosprezo ao Poder Judiciário, sem que isso exclua outras medidas civis, criminais, disciplinares e processuais consentâneas ao caso.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Recurso Inominado n. 0300570-75.2014.8.24.0066, da comarca de São Lourenço do Oeste (Vara Única), em que é/são Recorrente/Recorrido Estado de Santa Catarina,e Recorrido/Recorrente Marineis Crema Pomagerski:

A c. Terceira Turma de Recursos decidiu, por unanimidade: 1) quanto ao recurso da autora: a) conhecer do recurso e negar-lhe provimento, mantida a sentença recorrida por seus próprios fundamentos, de modo a servir a súmula do julgamento como acórdão, com fulcro no art. 46 da Lei n. 9.099/1995, e art. 63, § 2.º, do Regimento Interno das Turmas de Recursos dos Juizados Especiais do Estado de Santa Catarina; b) condenar o(a)(s) recorrente(s) autora ao pagamento do valor das custas, das despesas processuais e dos honorários advocatícios, estes arbitrados em 10% do valor da causa; c) quanto ao(à) recorrente autora, suspender a cobrança dos encargos da sucumbência, na forma da lei, visto que deferido o benefício da Justiça Gratuita; 2) quanto ao recurso do réu, conhecer do recurso e dar-lhe parcial provimento, nos termos do voto do relator.

Participaram do julgamento, realizado no dia 06 de outubro de 2017, os(as) Excelentíssimos(as) Senhores(as) Juízes(as) Márcio Rocha Cardoso e Marcos Bigolin.

Chapecó, 06 de outubro de 2017.


Ederson Tortelli

Relator


VOTO

Nos termos do art. 46 da Lei n. 9.099/1995, e do art. 63, caput e parágrafos, do Regimento Interno das Turmas de Recursos dos Juizados Especiais do Estado de Santa Catarina, este veredito pautar-se-á pelas seguintes premissas: 1) relatório dispensado; 2) fundamentação sucinta; 3) lavratura de acórdão apenas quanto à parte modificada da sentença ou decisão recorrida, se for o caso.

Quanto ao recurso da parte autora, a sentença merece manutenção por seus fundamentos, porquanto a tutela antecipada foi confirmada na sentença de tal maneira que, obviamente, houve sim condenação ao pagamento da multa arbitrada.

Além disso, tal como esclarecido pelo recorrido Estado de Santa Catarina em suas contrarrazões, o simples fato de não constar da sentença o valor da multa é irrelevante para o fim do art. 38, parágrafo único, da Lei n. 9.099/1995, visto que a apuração do valor da multa somente dar-se-á em sede de execução de sentença.

O recurso do réu, por seu turno, merece parcial provimento.

O Estado de Democrático de Direito conforma premissa constituinte da República Federativa do Brasil (CR, art. 1.º) e o Poder Judiciário, enquanto guardião dessa premissa e dos direitos e garantias do cidadão, possui o monopólio da missão institucional de administrar a Justiça estatal (jurisdição).

Em razão da relevância dessa atribuição, o descumprimento das deliberações do Poder Judiciário traduz graves e relevantes consequências fáticas e jurídicas, a saber, entre outras: 1) intervenção federal nos estados (CR, art. 34, VI); 2) intervenção estadual nos municípios (CR, art. 35, IV); 3) crime de responsabilidade, punido com perda do cargo, do Presidente da República, ministros de Estado, governadores e secretários dos estados (CR, art. 85, VII; Lei n. 1.079/1950, arts. 3.º, VIII, 12, 13 e 74); 4) crime de responsabilidade (desobediência) dos prefeitos municipais (Decreto-Lei n. 201/1967, art. 1.º, XIV); 5) crime de desobediência (CP, art. 330 e 359); 6) improbidade administrativa (Lei n. 8.429/1992, art. 11, II); 7) ato atentatório à dignidade da Justiça (CPC, art. 77, IV, § 2.º; 774, III, IV e V); 8) litigância de má-fé (CPC, art. 80, IV e V; art. 536, § 3.º); 9) aplicação de todas as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias necessárias para o cumprimento da ordem, inclusive multa (CPC, arts. 139, IV; 311, III; 380, parágrafo único; 403, parágrafo único; 500; 523, § 1.º; 536, § 1.º; 806, § 1.º; e 814).

Constitui dever de todos, pois, cumprir as deliberações emanadas do Poder Judiciário, especialmente dever da Administração Pública, sob pena de recair sobre o ofensor as severas consequências de sua recalcitrância.

Parece-me descabido e absurdo, portanto, considerar que não seria possível o arbitramento de multa coercitiva (astreinte) à Fazenda Pública nas ações afetas a assuntos de tamanha relevância como aquelas atinentes à saúde do cidadão.

Não basta o sequestro do numerário. É sobremaneira cômodo ao desobediente, sem qualquer risco de punição efetiva, a pura e simples transferência ao Poder Judiciário do dever de adquirir e transferir ao interessado o produto ou tratamento postulado em ação judicial.

O cenário kafkiano é este: o Poder Público, por seu agente, menospreza e descumpre a ordem judicial e disso resulta: intervenção federal? crime de responsabilidade? crime de desobediência? multa? Não, nada disso. O ofensor nada sofre de punição. Unicamente irrompe o dever de o juiz, por si mesmo, cumprir a própria ordem espezinhada ao determinar o sequestro de pecúnia, exigir orçamentos, expedir alvarás, exigir prestação de contas, entre outros inúmeros incidentes que tanto tumultuam e atrasam a marcha processual.

O descumprimento de ordem judicial é fato grave e atentatório ao próprio Estado de Direito, mormente se praticado pelo Poder Público. Não se pode admitir o menoscabo às deliberações judiciais. É possível, justo e apropriado aplicar multa à Administração Pública pelo menosprezo ao Poder Judiciário, sem que isso exclua outras medidas civis, criminais, disciplinares e processuais consentâneas ao caso.

Recentemente, sob o rito dos recursos repetitivos (tema 98, REsp 1474665/RS, sessão do dia 26-04-2017, relator Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Seção), o Superior Tribunal de Justiça assentou ser possível a imposição de multa ao ente estatal nos casos de descumprimento da obrigação de fornecer medicamentos.

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