Acórdão Nº 0300623-31.2014.8.24.0042 do Terceira Câmara de Direito Público, 29-11-2022

Número do processo0300623-31.2014.8.24.0042
Data29 Novembro 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoTerceira Câmara de Direito Público
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Nº 0300623-31.2014.8.24.0042/SC

RELATORA: Desembargadora BETTINA MARIA MARESCH DE MOURA

APELANTE: ESTADO DE SANTA CATARINA APELADO: CLAUDIO BRUXEL APELADO: CLEUZA ZANIVAN BRUXEL

RELATÓRIO

Claudio Bruxel e Cleuza Zanivan Bruxel ajuizaram "Ação Ordinária de Indenização por Desapropriação Indireta" contra o Departamento Estadual de Infraestrutura de Santa Catarina - DEINFRA aduzindo, em síntese, que são proprietários e possuidores de parte ideal (15.000,00m2) do imóvel matriculado sob o n. 17.254 do CRI da Comarca de Maravilha/SC. Relataram que "Em meados de 2004 o DEINFRA sem qualquer respeito aos ditames da inviolabilidade da propriedade, apossou-se de uma gleba da área total de sua propriedade, e realizou a abertura da Rodovia SC 492". Relataram que "uma faixa de 60 metros de largura em toda a extensão da rodovia que passa por sua propriedade", todavia, nada receberam pelo apossamento da área. Em vista do exposto, requereram condenação do Réu ao pagamento de indenização, decorrente da desapropriação indireta do imóvel, em valor a ser apurado por perícia. Postulou a gratuidade da justiça e juntaram documentos (evento 1, PET1).

A gratuidade da justiça foi deferida (evento 3, DESP9).

Citado, o Réu apresentou contestação (evento 8, PET14). Preliminarmente, suscitou a ilegitimidade passiva dos Autores, posto que a aquisição da propriedade foi posterior à expropriação, a inépcia da inicial, pela ausência de delimitação da suposta área desapropriada e a prescrição da ação. No mérito, asseverou que a faixa de domínio "por ter natureza de limitação administrativa, não gera direito à indenização por não retirar o direito de propriedade" e defendeu a necessidade de realização de perícia técnica, para apuração da área efetivamente apossada. Teceu considerações sobre o valor de eventual indenização, juros compensatórios e remuneratórios incidentes. Requereu o acolhimento das preliminares, com a extinção da ação e, subsidiariamente, a improcedência do pleito.

Houve réplica (evento 13, PET29).

Saneado o feito, as preliminares foram afastadas. Na oportunidade, foi designada perícia técnica (evento 15, DEC30).

Acostado o laudo (evento 50/51/52, EP1G), as partes se manifestaram. Os Autores anuíram com o parecer (evento 57, PET118) e o Réu impugnou a conclusão e apresentou quesitos complementares (evento 60, PET121), os quais foram respondidos pelo especialista (evento 69/72, EP1G).

Instadas, apenas o Réu disse (evento 82, PET146), tendo os Autores silenciado (evento 89, CERT172).

Sobreveio sentença nos seguintes termos (evento 91, SENT173):

"[...] Por todo o exposto, com fundamento no artigo 487, I, do Código de Processo Civil, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTES os pedidos formulados por Cláudio Bruxel e Cleusa Zanivan Bruxel para CONDENAR o Estado de Santa Catarina ao pagamento da importância de R$ 3.609,10 (três mil, seiscentos e nove reais e dez centavos). Sobre o valor incidem:a) juros compensatórios, desde a efetiva ocupação do imóvel (2004), no patamar de 6% (seis por cento) ao ano; b) juros moratórios, a contar de 1º de janeiro do exercício seguinte àquele em que o pagamento deveria ser efetuado, de acordo com os índices apontados acima; c) correção monetária, a partir do laudo de avaliação (07/01/2018), cujo índice a ser utilizado é o IPCA-E/IBGE a partir de jan/2001. Deixo de condenar o réu ao pagamento das custas processuais por determinação do art. 35, "h", da Lei Complementar Estadual n.º 156/1997. Diante da sucumbência mínima dos autores, condeno o réu ao pagamento dos honorários advocatícios, os quais ficam arbitrados em 5% sobre o valor da condenação, nos termos do art. 27, §§ 1º e 3º, II, do Decreto-Lei nº 3.365/41, incluindo-se no cálculo as parcelas referentes aos juros moratórios e compensatórios. Fica o réu, ainda, condenado ao pagamento dos honorários periciais. Sentença não sujeita à remessa necessária, uma vez que os valores não ultrapassarão o montante previsto no artigo 496, §3º, inciso II, do Código de Processo Civil. Ao cartório, proceda-se à retificação do polo passivo da demanda. Publique-se. Registre-se. Intimem-se. Transitada em julgado, expeça-se mandado de averbação da transferência referente à parte desapropriada do imóvel ao órgão competente".

Irresignado, o Estado de Santa Catarina interpôs apelação (evento 98, PET179). Em preliminar, suscita a ilegitimidade ativa dos Autores, sob a assertiva de que o imóvel foi adquirido após o apossamento administrativo, de modo que não há que se falar em prejuízo ao seu patrimônio e a prescrição da ação. No mérito, alega o descabimento da indenização, "por ausência de provas sobre a natureza do condomínio e a localização da parte ideal dos requerentes". Assevera ainda, que "a faixa de domínio, por ter natureza de limitação administrativa, não gera direito à indenização, vez que não retira o direito de propriedade". Subsidiariamente, defende que deve ser levado em consideração o valor do bem na época do desapossamento e não da avaliação judicial. Por fim, postula a modificação dos índices de correção monetária, juros moratórios e compensatórios e a minoração dos honorários advocatícios. Requer a reforma integral da sentença.

Apresentadas contrarrazões (evento 107, PET189), com alegação de inovação quanto a prescrição e prequestionamento de dispositivos legais, os autos ascenderam a esta Corte.

Lavrou parecer pela Douta Procuradoria-Geral de Justiça o Exmo. Sr. Dr. Paulo Cezar Ramos de Oliveira, opinando pela desnecessidade de intervenção (evento 111, PARECER 194).

Em decisão, da lavra do Desembargador Ronei Danielli, foi determinado o sobrestamento do feito, em razão da discussão atinente a "legitimidade ativa dos adquirentes de imóvel para pleitear indenização por desapropriação indireta e parcial ocorrida antes da aquisição da propriedade" (evento 115, DECMONO200). A suspensão foi levantada (evento 30, EP2G).

Este é o relatório.

VOTO

1. Da admissibilidade

Inicialmente, consigno que a decisão recorrida foi publicada quando já em vigor o Código de Processo Civil de 2015, devendo este regramento ser utilizado para análise do recebimento da apelação.

Registro, por oportuno, que absolutamente desnecessária a apreciação sobre suposta inovação recursal quanto a prescrição, arguida em sede de contrarrazões, porque tal temática não intefere no julgamento - conforme se verá abaixo.

Presentes os pressupostos intrínsecos e extrínsecos de admissibilidade, conheço do recurso.

2. Do recurso do Réu

2.1 Da ilegitimidade ativa

Suscita o Apelante/Réu a ilegitimidade ativa, ao argumento de que os Autores adquiriram os imóveis após a construção da rodovia, de modo que não há que se falar em prejuízo ao seu patrimônio.

A insurgência comporta provimento.

Recentemente, o Superior Tribunal de Justiça resolveu o Tema n. 1.004 (REsp 1750660/SC), sob a sistemática dos recursos repetitivos, firmando a seguinte tese:

"Reconhecida a incidência do princípio da boa-fé objetiva em ação de desapropriação indireta, se a aquisição do bem ou de direitos sobre ele ocorrer quando já existente restrição administrativa, fica subentendido que tal ônus foi considerado na fixação do preço. Nesses casos, o adquirente não faz jus a qualquer indenização do órgão expropriante por eventual apossamento anterior. Excetuam-se da tese hipóteses em que patente a boa-fé objetiva do sucessor, como em situações de negócio jurídico gratuito ou de vulnerabilidade econômica do adquirente.

O julgado restou assim ementado:

RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. ADMINISTRATIVO. DESAPROPRIAÇÃO. APOSSAMENTO ADMINISTRATIVO ANTERIOR À ALIENAÇÃO. INDENIZAÇÃO. ILEGITIMIDADE ATIVA DO ADQUIRENTE. DESCABIMENTO DE PRETENSÃO FUNDADA EM CESSÃO DE DIREITOS E SUB-ROGAÇÃO. ARTS. 286, 290, 346, 347, 349, 884, CAPUT, E 927 DO CÓDIGO CIVIL. PRINCÍPIOS DA BOA-FÉ OBJETIVA, DA MORALIDADE E DA PROIBIÇÃO DE ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA. INAPLICABILIDADE DO ART. 31 DO DECRETO-LEI 3.365/1941. PRECEDENTES DA PRIMEIRA SEÇÃO E DA PRIMEIRA E SEGUNDA TURMAS DO STJ. JURISPRUDÊNCIA INERCIAL. ARTS. 926, CAPUT, E 927, § 4º, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL.HISTÓRICO DA DEMANDA 1. Estavam afetados à sistemática dos Repetitivos (Tema 1.004) os presentes autos e o Recurso Especial 1.750.660/SC.2. O julgamento da matéria foi interrompido por ter a eminente Ministra Assusete Magalhães pedido vista do Recurso Especial 1.750.660/SC, tendo sido o presente feito adiado na ocasião.3. Na sessão em que a Ministra Assuste Magalhães proferiu seu Voto-Vista no referido Recurso Especial 1.750.660/SC, o julgamento do Tema 1.004 foi concluído, fixando a Primeira Seção a seguinte TESE: "Reconhecida a incidência do princípio da boa-fé objetiva em ação de desapropriação indireta, se a aquisição do bem ou de direitos sobre ele for realizada quando já existente restrição administrativa, fica...

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