Acórdão Nº 0300643-76.2016.8.24.0163 do Quarta Câmara de Direito Comercial, 17-08-2021

Número do processo0300643-76.2016.8.24.0163
Data17 Agosto 2021
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoQuarta Câmara de Direito Comercial
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Nº 0300643-76.2016.8.24.0163/SC

RELATOR: Desembargador JOSÉ CARLOS CARSTENS KOHLER

APELANTE: JOSE ANTONIO DAVID BARBOSA (AUTOR) APELANTE: BANCO DO BRASIL S.A. (RÉU) APELADO: OS MESMOS

RELATÓRIO

Banco do Brasil S.A. e José Antônio David Barbosa interpuseram Apelações Cíveis (Evento 39, APELAÇÃO1 e Evento 41, APELAÇÃO1, respectivamente) contra a sentença prolatada pelo Magistrado oficiante na Comarca de Capivari de Baixo que, nos autos da "ação ordinária de revisão de contrato c/c repetição de indébito e pedido de antecipação de tutela" n. 0300643-76.2016.8.24.0163, detonada pelo segundo em face do primeiro, julgou parcialmente procedentes os pedidos formulados na exordial, cuja parte dispositiva restou vazada nos seguintes termos:

III. DISPOSITIVO

Pelo exposto, nos termos do artigo 487, I, do CPC, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTES os pedidos formulados por JOSÉ ANTONIO DAVID BARBOSA em face de BANCO DO BRASIL SA, para determinar a restituição/compensação, pela instituição financeira, dos valores pagos indevidamente, de forma simples, corrigidos em índice da CGJ e acrescidos de juros moratórios de 12% a.a., desde a data do efetivo pagamento.

Face a sucumbência recíproca, condeno ambas as partes ao pagamento das custas processuais, na proporção de 65% para a parte autora e 35% para a ré. Fixo em 15% (quinze por cento) do valor atualizado da causa (art. 85, § 2º, do Código de Processo Civil), os honorários advocatícios que serão pagos também na proporção de 65% pela parte autora em favor do procurador da instituição financeira ré, e 35% pelo banco réu ao procurador da parte autora, nos termos do art. 86, caput, do Código de Processo Civil, vedada a compensação.

Contudo, considerando que à parte autora foram deferidos os auspícios da justiça gratuita (Evento 15), a exigibilidade de tal verba ficará sobrestada até que demonstrada a alteração de sua situação econômica, no prazo prescricional de 05 (cinco) anos, nos termos do art. 98, § 3º, do Código de Processo Civil.

Publique-se. Registre-se. Intimem-se.

Após o trânsito em julgado, arquivem-se.

(Evento 31, SENT1, grifos no original).

Em suas razões recursais, o Banco defende em síntese: a) a inépcia da incial; b) a inexistência dos pressupostos para a revisão contratual pleiteada; c) a manutenção dos contratos com base no princípio da boa fé; d) a aplicação do pacta sunt servanda nas operações ajustadas; e) a legalidade da capitalização mensal de juros em contratos bancários celebrados posteriormente à edição da MP n. 1.963-17/2000, desde que expressamente pactuada; f) a inviabilidade de limitação dos juros remuneratórios; g) a legalidade da comissão de permanência; h) o afastamento pedido de repetição do indébito; i) a responsabilidade integral do Autor pelos ônus sucumbenciais; e j) o prequestionamento da matéria.

Por sua vez, o Autor requer "o provimento do presente recurso para reformar a R. Decisão, para aplicação integral do disposto no art. 400, I, do CPC, com a utilização da taxa media de mercado aos contratos a revisar e afastar a capitalização dos juros, com a redistribuição dos honorários e custas processuais, tudo nos termos da fundamentação acima".

Empós, vertidas as contrarrazões somente pelo Réu (Evento 48, CONTRAZAP1), os autos ascenderam a este grau de jurisdição e foram distribuídos a esta relatoria por sorteio, na data de 19-7-21 (Evento 1, segundo grau).

É o necessário escorço.

VOTO

Primeiramente gizo que, uma vez preenchidos os requisitos de admissibilidade, os Recursos são conhecidos.

Esclareço, por oportuno, que a decisão recorrida se subsome ao regramento processual contido no CPC/2015, porquanto a publicidade do comando judicial prolatado pelo Estado-Juiz se deu já na vigência do Código Fux.



1 Do Inconformismo do Banco

1.1 Da inépcia da petição inicial

O Banco defende a extinção do processo sem resolução do mérito, ante a inépcia da exordial.

Razão, entretanto, não lhe assiste.

Estabelece o § 2º do art. 330 do CPC:

§ 2º Nas ações que tenham por objeto a revisão de obrigação decorrente de empréstimo, de financiamento ou de alienação de bens, o autor terá de, sob pena de inépcia, discriminar na petição inicial, dentre as obrigações contratuais, aquelas que pretende controverter, além de quantificar o valor incontroverso do débito.

Da análise do caderno processual observo que a peça inaugural expõe as questões de fato e de direito sobre as quais se alicerça o pleito revisional, havendo indicação dos encargos reputados como abusivos nas contratualidades sub examine e identificação do que consistiriam as ilegalidades, satisfazendo os requisitos do arts. 319, 330, §§ 2° e 3°, todos do NCPC.

Ora, uma vez que foram indicadas no caso concreto, de forma objetiva e pontual, as supostas ilegalidades, não há falar-se em extinção da ação sem resolução de mérito por inépcia da exordial.

Nesse diapasão, extraio precedente deste Órgão Fracionário:

APELAÇÃO CÍVEL E RECURSO ADESIVO. AÇÃO REVISIONAL DE CONTRATOS BANCÁRIOS. SENTENÇA DE PARCIAL PROCEDÊNCIA. INSURGÊNCIA DE AMBAS AS PARTES. RECURSO DA CASA BANCÁRIA.

PRELIMINAR DE INÉPCIA DA INICIAL. PEDIDO CERTO E DETERMINADO NA EXORDIAL. PARTE AUTORA QUE DISCRIMINOU AS ABUSIVIDADES CONTRATUAIS QUE ENTENDIA PRESENTES NAS AVENÇAS. PARTE RÉ QUE IMPUGNOU ESPECIFICAMENTE AS TESES APRESENTADAS. AUSÊNCIA DE PREJUÍZO.

[...]

RECURSOS CONHECIDOS E DESPROVIDOS.

(Apelação Cível n. 0001901-22.2011.8.24.0083, Rel. Sérgio Izidoro Heil, j. 26-5-20, sublinhei).

À vista disso, a aventada inépcia da inicial não restou configurada.



1.2 Da revisão contratual e o Código de Defesa do Consumidor

Impende assinalar ser inconteste a aplicação do Código de Defesa do Consumidor às relações de consumo que envolvam instituições financeiras, restando a matéria inclusive sumulada pelo Superior Tribunal de Justiça, através do verbete n. 297, in verbis: "O Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras".

Em face dessa aplicabilidade, tem-se a possibilidade da revisão das cláusulas contratuais abusivas ou que coloquem em situação amplamente desfavorável o consumidor, conforme preceitua o art. 51, inciso IV, da Lei n. 8.078/90, merecendo frisar-se que essa revisão não viola os princípios do pacta sunt servanda, autonomia da vontade e ato jurídico perfeito que, por serem genéricos, cedem espaço à norma específica prevista no art. 6º, inciso V, do Código de Defesa do Consumidor.

Nesse diapasão, cai por terra qualquer argumento de que o cumprimento do contrato seria obrigatório por ter sido firmado livremente pelas Partes, sem qualquer erro, coação ou abuso.

Enfatizo, por outro lado, que a viabilidade de modificação das cláusulas pelo juiz não significa que tal tarefa possa ser realizada de ofício, conclusão que se extrai da leitura conjunta dos arts. 2º, 141, 492 e 1.103, todos do Código Fux.

Aceitar o inverso, ou seja, que o magistrado analise a validade de cláusulas contratuais sem provocação dos contratantes fora das hipóteses legais, é permitir que ele atue como procurador de uma das partes, o que é inconcebível e afronta os princípios da inércia e dispositivo.

Esse entendimento é o que vem sendo atualmente esposado pelo Superior Tribunal de Justiça, senão confira-se: "[...] Em homenagem ao método dispositivo (CPC, Art. 2º), é defeso ao juiz rever de ofício o contrato para, com base no Art. 51, IV, do CDC anular cláusulas que considere abusivas (EREsp 702.524/RS)." (REsp n. 767052/RS, Rel. Min. Humberto Gomes de Barros, j. 14-6-07).

Colocando uma pá de cal na quaestio, o Superior Tribunal de Justiça editou a Súmula n. 381, que reza: "Nos contratos bancários, é vedado ao julgador conhecer, de ofício, da abusividade das cláusulas".

No mesmo viés, em decisão capitaneada pela Ministra Nancy Andrighi no Recurso Especial n. 1.061.530/RS, apreciado em 22-10-08, no julgamento das questões idênticas que caracterizam a multiplicidade de recursos, restou assentada a impossibilidade de atuação de ofício na revisão dos contratos bancários. Veja-se:

ORIENTAÇÃO 5 - DISPOSIÇÕES DE OFÍCIO

É vedado aos juízes de primeiro e segundo graus de jurisdição julgar, com fundamento no art. 51 do CDC, sem pedido expresso, a abusividade de cláusulas nos contratos bancários. Vencidos quanto a esta matéria a Min. Relatora e o Min. Luis Felipe Salomão. [...]

Como se vê, o Código de Defesa do Consumidor é aplicável ao caso concreto, o que significa dizer que a revisão de cláusulas contratuais poderá ocorrer, entretanto somente mediante provocação da parte, o que, na hipótese, ocorreu por meio da interposição da ação revisional, em que foram apontados os pontos das avenças supostamente abusivos, tornando possível o seu enfoque.



1.3 Da necessidade de delimitação dos contratos a serem revisados

Debuxando o feito, verifico que o Autor requereu, na peça vestibular, "seja aplicada a inversão do ônus da prova, já que ao presente caso se aplica o Código de Defesa do Consumidor, devendo o Banco Requerido juntar todos os contratos desde a abertura da conta e todos os extratos" (Evento 1, PET1, fl. 19).

O Juízo de origem determinou "a intimação da parte autora para que regularize, no prazo de 15 (quinze) dias, o pedido referente à revisão judicial de ofício de cláusulas bancárias, sob pena de julgamento liminar de improcedência do referido ponto" (Evento 3, DEC31), aspecto que não foi cumprido pelo Consumidor.

Sobreveio decisório julgando liminar improcedente conforme segue:

Considerando que o autor não saneou a irregularidade relacionada ao pedido de revisão contratual de cláusulas não expressamente indicadas na inicial, conflitando com a súmula nº 381 do Superior Tribunal de Justiça, julgo liminarmente improcedente o referido pedido, o que faço nos moldes do art. 332, inciso I, do novo CPC.

(Evento 8, DEC36).

No mesmo decisório suso, houve a inversão do ônus probatório e a determinação para que o Banco juntasse "o(s) contrato(s) objeto(s) da presente lide", o nos moldes do art. 6º, inciso VIII, do CDC (Evento 8, DEC36).

O Réu colacionou, então os seguintes...

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