Acórdão Nº 0300657-80.2018.8.24.0166 do Quarta Câmara de Direito Civil, 04-11-2021

Número do processo0300657-80.2018.8.24.0166
Data04 Novembro 2021
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoQuarta Câmara de Direito Civil
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Nº 0300657-80.2018.8.24.0166/SC

RELATOR: Desembargador LUIZ FELIPE SCHUCH

APELANTE: EDELCIO MINATTO APELANTE: BANCO COOPERATIVO SICREDI S.A. RÉU: OS MESMOS

RELATÓRIO

Acolho o relatório da sentença (evento 34 dos autos de primeiro grau), de lavra da Juíza de Direito Luciana Lampert Malgarin, por contemplar precisamente o conteúdo dos presentes autos, ipsis litteris:

Trata-se de ação declaratória de inexistência de débito c/c indenização por danos morais ajuizada por Edelcio Minatto em desfavor de Banco Cooperativo Sicredi S. A., aduzindo que apesar de não manter com a requerida relação jurídica cambial, teve seu nome inserido nos organismos de proteção ao crédito por protesto de dívida que desconhece, advindo daí os danos morais que afirmou ter sofrido com o ato promovido pela ré. Requereu a declaração de inexistência do débito e a condenação desta ao pagamento de danos morais, no valor de R$ 20.000,00 (vinte mil reais). Juntou documentos (fls. 16/23). Justiça gratuita deferida parcialmente às fls. 29/30, oportunidade em que indeferida a antecipação dos efeitos da tutela. A ré contestou a ação (fls. 77/93), aduzindo, preliminarmente, a ilegitimidade passiva por ser apenas mandatária do detentor do título e, no mérito, pelas mesmas razões, aduziu sua irresponsabilidade e a inexistência de danos morais, requerendo a improcedência do pedido. Juntou documentos (fls. 94/101). Houve réplica (fls. 105/113).

A Magistrada julgou parcialmente procedentes os pedidos exordiais, nos seguintes termos:

Ante o exposto, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTES os pedidos formulados para: a) DECLARAR a inexistência do débito relacionado aos títulos n. 1507715121 e n. 1521617669 e b) CONDENAR Banco Cooperativo Sicredi S. A. pagar ao Edelcio Minatto, à título de danos morais, o valor de R$ 8.000,00 (oito mil reais), acrescidos de juros legais desde o evento danoso e correção monetária, pelos índices oficiais da CJG-SC, que deverá incidir a partir de hoje (data da sentença). Concedo a antecipação dos efeitos da tutela para sustar o protesto lavrado em desfavor do autor e excluir seu nome dos organismos de proteção ao crédito. Oficie-se. Condeno a ré ao pagamento da integralidade das custas processuais e honorários advocatícios, os quais fixo em 10% sobre o valor da condenação.

Irresignado com parte da prestação jurisdicional entregue, o autor interpôs apelação, por meio da qual pugna a majoração do quantum fixado a título de danos morais para o importe de R$ 25.000,00 (vinte e cinco mil reais), bem como o aumento do percentual dos honorários advocatícios, para 20% (vinte por cento) sobre o valor da condenação (evento 39 dos autos de origem).

Igualmente inconformado, a cooperativa ré apelou suscitando, preliminarmente, sua ilegitimidade passiva. No mérito, aduz que apenas recebeu as duplicatas na qualidade de mandatária e para cobrança, mas sem conhecer os termos da relação negocial, de modo que não possui qualquer ingerência sobre a avença que envolveu as partes negociantes. Salienta que estava com a posse temporária dos títulos apenas para cumprimento do endosso mandato, não sendo proprietária dos documentos. Ressalta a aplicação da Súmula 476 do Superior Tribunal de Justiça e aduz sobre ter agido com zelo no cumprimento do mandato, sem extrapolar os poderes que lhe foram conferidos, notadamente porque nunca foi comunicada pelas partes de que os protestos não deveriam ocorrer. Suscita, ainda, a inexistência de comprovação de danos morais e, subsidiariamente, pugna pela minoração do quantum arbitrado na origem. Ao final, requer o provimento integral do recurso (evento 41 do feito a quo).

Contrarrazões do acionado no evento 49 dos autos de origem e do autor no evento 50 do feito a quo.

VOTO

De início, assinalo que, não obstante a existência de outros feitos mais antigos no acervo de processos distribuídos a este Relator, a apreciação dos presentes recursos em detrimento daqueles distribuídos há mais tempo não significa violação ao disposto no art. 12, caput, do novo Código de Processo Civil, uma vez que a Lei n. 13.256/2016 modificou a redação original do referido dispositivo legal para flexibilizar a obrigatoriedade de a jurisdição ser prestada em consonância com a ordem cronológica de conclusão dos autos. Observe-se que essa salutar alteração legislativa significou uma importante medida destinada à melhor gestão dos processos aptos a julgamento, pois permitiu a análise de matérias reiteradas e a apreciação em bloco de demandas ou recursos que versem sobre litígios similares sem que haja a necessidade de espera na "fila" dos feitos que aguardam decisão final, o que contribui sobremaneira na tentativa de descompressão da precária realidade que assola o Poder Judiciário em decorrência do assombroso número de lides jurisdicionalizadas.

Cuidam os autos de apelações cíveis interpostas por ambas as partes contra a sentença de parcial procedência dos pedidos iniciais deduzidos na presente ação declaratória de inexistência de débito cumulada com indenizatória por danos morais.

Os recursos preenchem os requisitos extrínsecos e intrínsecos de admissibilidade, motivo pelo qual devem ser conhecidos.

1 APELAÇÃO CÍVEL DO RÉU

1.1 Preliminar - ilegitimidade passiva

Sustenta a cooperativa ré ser, em suma, parte passiva ilegítima para responder neste processo, pois é apenas mandatária do determinado pelo emitente dos títulos (Irmãos Thonnigs Ltda.).

A temática deduzida em forma de prefacial relaciona-se com o mérito da demanda.

A legislação processual aplicável à espécie preconiza que "para postular em juízo é necessário ter interesse e legitimidade" (CPC, art. 17). Nessa esteira, consabido que o art. 17 "deve, pois, ser interpretado como significando que o autor só tem direito de ação se for legitimado ativamente e se a propuser contra um réu que tenha legitimação passiva, isto é, que seja o outro sujeito da relação jurídica, objeto da demanda" (BARBI, Celso Agrícola. Comentários ao código de processo civil. 14. ed. Forense: Rio de Janeiro, 2010, v. 1. p. 31).

É que "parte, em sentido processual, é um dos sujeitos da relação processual contrapostos diante do órgão judicial, isto é, aquele que pede a tutela jurisdicional (autor) e aquele em face de quem se pretende fazer atuar dita tutela (réu). Mas, para que o provimento de mérito seja alcançado, para que a lide seja efetivamente solucionada, não basta existir um sujeito ativo e um sujeito passivo. É preciso que os sujeitos sejam, de acordo com a lei, partes legítimas, pois se tal não ocorrer o processo se extinguirá sem julgamento do mérito" (THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil. 37. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2001, v. 1. p. 53).

Ainda, ao discorrer sobre legitimidade processual, Nelson Nery Júnior e Rosa Maria de Andrade Nery afirmam: "tanto o que propõe quanto aquele em face de quem se propõe a ação devem ser partes legítimas para a causa. Somente é parte legítima aquele que é autorizado pela ordem jurídica a postular em juízo". (Código de Processo Civil Comentado, 14. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014. p. 215), de sorte que, a contrario sensu, se inocorrente tal pressuposto, redundaria na extinção do processo pelo Estado-Juiz sem a resolução do mérito por "ausência de legitimidade" (CPC, arts. 337, XI, e 485, VI).

Todavia, no caso vertente, evidenciado que a matéria não se desvincula do próprio meritum causae, de se aplicar a teoria da asserção ou da prospettazione, pois constatada a necessidade de o julgador analisar a prova amealhada aos autos para concluir que as partes são legítimas, de forma a estabilizar os polos processuais e resolver definitivamente a quaestio, prestigiando a solução definitiva da demanda - princípio da primazia da resolução do mérito -, nos termos da novel legislação processual (Lei n. 13.105/15, arts. , , 317, 488 e 1.029, § 3º).

Nesse sentido a lição de Fredie Didier Jr:

Sem olvidar o direito positivo, e considerando a circunstância de que, para o legislador, carência de ação é diferente de improcedência do pedido, propõe-se que a análise das condições da ação, como questões estranhas ao mérito da causa, fique restrita ao momento de prolação do juízo de admissibilidade inicial do procedimento. Essa análise, então, seria feita à luz das afirmações do demandante contidas em sua petição inicial (in statu assertionis). "Deve o juiz raciocinar admitindo, provisoriamente, e por hipótese, que todas as afirmações do autor são verdadeiras, para que se possa verificar se estão presentes as condições da ação. O que importa é a afirmação do autor, e não a correspondência entre a afirmação e a realidade, que já seria problema de mérito" (Curso de direito processual civil: Introdução ao Direito Processual Civil e Processo de Conhecimento. 14. ed. rev. ampl. e atual. Salvador: Podivm, 2012, vol. I. p. 213).

No mesmo diapasão, o Superior Tribunal de Justiça, em casos tais, vem reafirmando que tem "prevalecido na jurisprudência desta Corte o entendimento de que as condições da ação, aí incluída a legitimidade para a causa, devem ser aferidas com base na teoria da asserção, isto é, à luz das afirmações deduzidas na petição inicial" (AgRg nos EDcl no REsp n. 1.035.860/MS, rel. Min. Antonio Carlos Ferreira, Quarta Turma, j. 25-11-2014).

Ademais, ainda que assim não fosse, em casos desta natureza, sabe-se que, em tese, o banco que aponta duplicatas em cartório detém legitimação passiva para figurar no polo passivo da lide, até porque para que seja reconhecido como mero mandatário deve demonstrar esta circunstância por meio de documentos que identifiquem a...

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