Acórdão Nº 0300659-57.2019.8.24.0023 do Quarta Câmara de Direito Civil, 17-02-2022

Número do processo0300659-57.2019.8.24.0023
Data17 Fevereiro 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoQuarta Câmara de Direito Civil
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Nº 0300659-57.2019.8.24.0023/SC

RELATOR: Desembargador JOSÉ AGENOR DE ARAGÃO

APELANTE: BRUNA COSTA GALLOTTI PRISCO PARAISO (AUTOR) APELANTE: BRADESCO SAUDE S/A (RÉU) APELADO: OS MESMOS

RELATÓRIO

A bem dos princípios da celeridade e da economia processual, adoto o relatório elaborado na sentença (e. 80), in verbis:

"BRUNA COSTA GALLOTTI PRISCO PARAISO, qualificada na inicial, ajuizou a presente ação de obrigação de fazer cumulada com indenização por perdas e danos, com antecipação de tutela, em face de BRADESCO SAUDE S/A, também qualificada nos autos, alegando que a parte ré, indevidamente, negou-se a cobrir assistência médica.

Sustentou que a empresa na qual trabalha contratou, no final de 2018, seguro saúde oferecido pela ré, o qual foi firmado na modalidade "SPG TOP/COMPULSÓRIO", oferecendo cobertura ambulatorial e hospitalar.

Apontou que, em janeiro de 2019, realizou consultou médica, na qual adveio a suspeita de estar com câncer de mama, razão pela qual solicitou a autorização da ré para realizar diversos exames, o que foi negado ante a justificativa de não cumprimento do prazo de carência.

Disse que, em virtude da urgência e da necessidade dos exames, arcou com os custos dos procedimentos, que constataram a existência de câncer mamário (C50) em estágio avançado e que houve nova recusa da parte ré para custear a quimioterapia.

Argumentou que o período de carência para não urgência estipulado no contrato é de 180 dias, todavia, em virtude do quadro clínico urgente da autora, ela não pode aguardar o transcurso do lapso descrito.

Requereu, assim, a antecipação de tutela para que a ré arque com os custos integrais do seu tratamento até a decisão final e que a demanda seja julgada procedente para condenar a ré (a) a fornecer cobertura integral financeira ao tratamento para a doença; (b) ao pagamento de R$ 28.259,45 adimplidos pela autora para custear os tratamentos; (c) a danos morais in re ipsa no importe de R$ 50.000,00 (evento 1).

A antecipação da tutela foi deferida em parte para determinar à parte ré que proceda a imediata e integral autorização do tratamento de quimioterapia prescrito (evento 4).

Citada, a ré pugnou pela reconsideração da concessão da antecipação de tutela para que seja revogada ou para afastar/minorar o valor da multa. No mérito, apontou que as cláusulas contratuais devem ser respeitadas e que não houve cumprimento do prazo de carência para exames com autorização e internações clínicas, que se encerraria somente em 31-03-2019. Disse, ainda, que o quadro clínico da autora não se enquadra no conceito de urgência previsto contratualmente, o qual considera apenas eventos resultantes de acidente pessoal ou complicação no processo gestacional. No tocante ao pleito de reembolso, aduziu que em virtude do contrato estar ainda no período de carência, não é devida a cobertura contratual, bem como não praticou qualquer ato ilícito a justificar o ressarcimento. Pugnou pela reconsideração da concessão da tutela ou do importe da multa aplicada e, no mérito, pelo julgamento improcedente da demanda ou, em caso de condenação, que se aplique os juros de mora a partir da citação e correção monetária desde o ajuizamento da ação (evento 12).

A autora requereu a concessão de tutela provisória de urgência em caráter incidental para que fosse autorizado a realização de exame "painel multigênico por sequenciamento de nova geração", procedimento que antecederia a futura cirurgia de retirada de mama, visto que tal exame foi negado pela ré (evento 19).

Em nova petição, a demandante informou que a ré não estava cumprido integralmente o estabelecido em decisão que antecipou a tutela, visto que havia autorizado tão somente a realização de quimioterapia e não dos demais procedimentos que envolviam o tratamento, razão pela qual pugnou pelo seu cumprimento integral e que a ré fosse condenada por multa de R$ 100.000,00 (evento 22).

A tutela de urgência em caráter incidental foi deferida em parte para determinar à ré que proceda ao reembolso das despesas decorrentes da realização do exame painel multigênico por sequenciamento de nova geração para os genes BRCA1 e BRCA2 dentro dos limites da contratação ou, alternativamente, que seja realizado referido exame na rede referenciada (evento 23).

Houve réplica (evento 35).

Após a autora comprovar a realização e o custeio do procedimento (evento 53), a parte ré foi intimada para promover o reembolso da quantia despendida com a realização do exame multigênico em 14-03-2019 dentro dos limites da contratação no prazo de 48 (quarenta e oito) horas, sob pena de multa diária de R$ 10.000,00 (dez mil reais) (evento 55).

A parte autora opôs embargos de declaração para sanar a omissão quanto ao pedido de majorar a multa para R$ 100.000,00 (evento 58), no entanto, os aclaratórios não foram acolhidos (evento 64).

A parte ré informou que cumpriu as determinações judiciais (evento 67), o que foi impugnado pela parte autora que informou que o reembolso do valor despendido ocorreu apenas sete meses após a determinação, motivo pelo qual deveria ser reconhecida a aplicação das astreintes (evento 73).

É o relatório".

Sentenciando, o Togado de primeiro grau julgou a lide nos seguintes termos:

"Em face do que foi dito, julgo procedentes em parte os pedidos formulados por Bruna Costa Gallotti Prisco Paraiso em face de Bradesco Saúde S/A para:

a) confirmar os efeitos da tutela concedida no evento 4 e, assim, condenar à parte ré a fornecer a imediata e integral autorização do tratamento de quimioterapia prescritos pelos médicos da autora;

b) confirmar os efeitos da decisão constante no evento 55 e, assim, delimitar que houve o descumprimento de ordem judicial por 4 (quatro) dias, com quantum diário por não cumprimento em R$ 5.000,00, em observância ao entendimento exposto no agravo de instrumento n. 0300659-57.2019.8.24.0023.

c) condenar a parte ré a danos materiais no importe despendido pela autora para realizar exames e procedimentos, valor este que deverá ser limitado aos parâmetros previstos nas cláusulas 2.23.1 e 2.23.2 e individualizados em fase de liquidação de sentença, sendo corrigidos monetariamente pelos índices do INPC-IBGE desde a data do desembolso (evento 1, docs. 34-50) e com juros de mora de 1% ao mês desde a citação;

d) condenar a parte ré por danos morais no valor de R$ 15.000,00 (quinze mil reais), quantia esta a ser corrigida monetariamente pelos índices do INPC-IBGE a partir da data de arbitramento, isto é, da prolação desta sentença (Súmula 362 do STJ), bem como ao acréscimo de juros moratórios de 1% (um por cento) ao mês desde a citação;

Em razão da sucumbência recíproca, condeno as partes, na proporção de 90% para a parte ré e 10% para a parte autora, ao pagamento das despesas processuais e honorários advocatícios, estes fixados em 10% sobre o valor da condenação (art. 85, §2º, do CPC).

Publique-se. Registre-se. Intimem-se.

Após o trânsito em julgado, arquivem-se, cobrando-se eventuais custas via GECOF".

Interposto embargos de declaração (e. 85), os mesmos foram acolhidos, em parte, para tão somente esclarecer que no evento 55 foi reconhecido o descumprimento da tutela parcialmente deferida no evento 4, reduzidas as astreintes no Agravo de Instrumento n. 4001807-46.2020.8.24.0000. (e. 92).

Irresignado, o réu interpôs recurso de apelação (e. 100) pleiteando a reforma da sentença para julgar a ação totalmente improcedente. Não sendo este o entendimento, requer seja reformada a decisão recorrida, para minorar a indenização por danos morais, e determinar que a partir da citação a verba seja atualizada pela taxa SELIC somente.

Por sua vez, a parte autora interpôs recurso adesivo (e. 112), pleiteando que seja reformada a sentença a fim de que a parte ré seja condenada ao reembolso integral dos valores despendidos pela autora no custeio dos tratamentos e exames clínicos na rede credenciada por ocasião da recusa injustificada da ré.

Contrarrazões no e.118.

Este é o relatório.

VOTO

Ab initio, sobreleva consignar que a sentença objurgada foi prolatada sob a vigência do Diploma Processual Civil de 2015, atraindo, portanto, a aplicação do Enunciado Administrativo n. 3 da Corte da Cidadania à hipótese em análise, in verbis:

"Aos recursos interpostos com fundamento no CPC/2015 (relativos a decisões publicadas a partir de 18 de março de 2016) serão exigidos os requisitos de admissibilidade recursal na forma do novo CPC".

No mais, o recurso de apelação interposto é cabível, tempestivo e preenche os requisitos de admissibilidade, razão pela qual defiro o seu processamento, passando-se à análise das questões deduzidas nas razões recursais.

Do apelo da parte ré

1. Do mérito

Postula a ré a reforma da decisão recorrida, ao argumento de que a apólice previa carência para o procedimento pleiteado pela apelada e, ainda que o caso da Apelada seja de caráter emergencial, nos termos da legislação aplicável à espécie, a seguradora é responsável apenas pelo custeio das 12 primeiras horas de atendimento e em âmbito ambulatorial.

Inicialmente, destaco que a relação havida entre as partes é de consumo, enquadrando-se a recorrida como consumidora, a teor do artigo 2º do Código de Defesa do Consumidor, e a recorrente como fornecedora, a teor do dispositivo subsequente (CDC, art. 3°) (STJ, REsp. 986947/RN, Relª. Minª. Nancy Andrighi, j. em 11.03.2008).

Aplicam-se ao caso, então, os princípios protecionistas do consumidor, como o da vulnerabilidade (art 4°, I), o da hipossuficiência (art. 6°, VIII), o do equilíbrio e da boa-fé objetiva (art. 4°, III), o do dever de informar (art. 6°, III); o da revisão das cláusulas contrárias (art. 6°, V), o da conservação do contrato (art. 6°, V), o da equivalência (art. 4°, III, c/c o art. 6°, II), o da transparência (art 4°, caput) e o da solidariedade (parágrafo único do art. ). (NUNES, Rizzatto. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor. 9 ed. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 83).

A legislação consumerista, de per si, disponibiliza ao julgador princípios...

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