Acórdão Nº 0300664-06.2019.8.24.0015 do Quinta Câmara de Direito Civil, 21-01-2020

Número do processo0300664-06.2019.8.24.0015
Data21 Janeiro 2020
Tribunal de OrigemCanoinhas
ÓrgãoQuinta Câmara de Direito Civil
Classe processualApelação Cível
Tipo de documentoAcórdão




Apelação Cível n. 0300664-06.2019.8.24.0015, de Canoinhas

Relator: Desembargador Ricardo Fontes

APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL. INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS. CELESC. INTERRUPÇÃO DO FORNECIMENTO DE ENERGIA ELÉTRICA. PRODUÇÃO DE FUMO PREJUDICADA. DESLIGAMENTO DE ESTUFA DURANTE PROCESSO DE SECAGEM E CURA. PERDA DA QUALIDADE DA SAFRA. PROCEDÊNCIA À ORIGEM. RECURSO DA RÉ.

APLICAÇÃO DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. RESPONSABILIDADE OBJETIVA. INVERSÃO DO ÔNUS PROBATÓRIO. NEXO DE CAUSALIDADE DEMONSTRADO. LAUDO TÉCNICO IDÔNEO. AUSÊNCIA DE IMPUGNAÇÃO ESPECÍFICA. DEMAIS PROVAS SUFICIENTES. DESNECESSIDADE DE REMESSA DO FEITO À LIQUIDAÇÃO POR ARBITRAMENTO. EXCLUDENTES DE RESPONSABILIDADE. CASO FORTUITO OU FORÇA MAIOR NÃO CONFIGURADO. EVENTOS CLIMÁTICOS PREVISÍVEIS. CULPA EXCLUSIVA DA VÍTIMA AFASTADA. DEVER DE INDENIZAR CONFIGURADO. CONSECTÁRIOS LEGAIS READEQUADOS DE OFÍCIO.

HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS RECURSAIS. INTELIGÊNCIA DO ART. 85, § 11, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. ARBITRAMENTO. RECURSO DESPROVIDO.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível n. 0300664-06.2019.8.24.0015, da comarca de Canoinhas 1ª Vara Cível em que é Apelante Celesc Distribuição S/A e Apelado Giovane Leandro Krauss Schiessl.

A Quinta Câmara de Direito Civil decidiu, por votação unânime, negar provimento ao recurso, readequado, de ofício, o termo inicial dos consectários legais fixados preambularmente, porquanto, sobre o valor da condenação deverão incidir juros de mora de 1% (um por cento) ao mês a contar da citação, e correção monetária desde o efetivo prejuízo, in casu, 5-2-2017, majorados os honorários advocatícios, na esfera recursal, em 3% (três por cento). Custas legais.

O julgamento, realizado em 21 de janeiro de 2020, foi presidido pelo Excelentíssimo Senhor Desembargador Luiz Cézar Medeiros, e dele participaram o Excelentíssimo Senhor Desembargador Jairo Fernandes Gonçalves e a Excelentíssima Senhora Desembargadora Cláudia Lambert de Faria.

Florianópolis, 22 de janeiro de 2020.

Desembargador Ricardo Fontes

Relator


RELATÓRIO

Adota-se, por oportuno, o relatório da sentença:

Giovane Leandro Krauss Schiessl ajuizou ação de indenização por danos materiais contra Celesc Distribuição S/A, na qual objetiva o ressarcimento pelos danos causados em sua produção de fumo, causados pela queda de energia ocorrida no mês de fevereiro de 2019.

Pugnou pela procedência da demanda, com a condenação da ré ao pagamento do valor de R$ 14.172,00 (quatorze mil, cento e setenta e dois reais), mais a quantia gasta com a confecção do laudo pericial (R$ 650,00), bem como das custas processuais e honorários advocatícios. Juntou documentos (pp. 09/20).

Citada, a ré apresentou contestação às pp. 29/51, alegando, preliminarmente, a necessidade de revogação dos benefícios da justiça gratuita e a impossibilidade de inversão do ônus da prova. No mérito, disse que de fato houve interrupção no fornecimento de energia elétrica no período apontado na inicial, porém, derivadas de caso fortuito e por tempo insuficiente para causar prejuízos ao autor. Admitiu que possa ter havido alguma perda, mas não nos valores indicados na inicial. Ao final, refutou o dever de indenizar e requereu a improcedência dos pedidos pleiteados na peça vestibular.

Houve réplica (pp. 75/86).

[...] (fl. 87, com destaque no original).

Após, sobreveio sentença da MMa. Juíza a quo (fls. 87-96), da qual se transcreve a parte dispositiva:

[...] Ante o exposto, julgo procedentes os pedidos formulados na inicial e resolvo o mérito da lide, nos termos do artigo 487, inciso I, do CPC, para condenar a ré ao pagamento de: a) R$ 14.172,00 (quatorze mil, cento e setenta e dois reais), quantia a ser atualizada monetariamente (pelo INPC) a contar da confecção do laudo (p. 10 - 12/02/2019), com juros de mora de 1% ao mês devidos desde a citação (p. 43 - 05/08/2019) e b) de R$ 650,00 (seiscentos e cinquenta reais), quantia a ser atualizada monetariamente (pelo INPC) a contar da confecção do laudo (p. 10 - 12/02/2019), com juros de mora de 1% ao mês devidos desde a citação (05/08/2019 p. 43).

Condeno a parte ré ao pagamento das custas processuais e dos honorários advocatícios, que fixo em 10% (dez por cento) sobre o valor da condenação, nos termos do artigo 85, §2º, do CPC, diante do grau de zelo do profissional, do lugar da prestação do serviço, da natureza e da importância da causa, do trabalho realizado pelo advogado e do tempo da lide.

[...] (fls. 95-96, com destaque no original).

Em apelação (fls. 100-106), a parte ré sustenta, preliminarmente, a ocorrência de cerceamento de defesa quando foram indeferidos os pedidos para expedição de ofícios, os quais não possui acesso e poderiam esclarecer e comprovar a divergência nas informações apontadas pelo perito. No mérito, afirma que: a) os documentos carreados aos autos não são aptos a comprovar as alegações do apelado, uma vez que são unilaterais; b) o laudo apresentado não veio acompanhado de Anotação de Responsabilidade Técnica (ART) pelo subscritor; c) a ocorrência de falta de energia elétrica não é prova cabal de qualquer perda, fazendo-se necessária a devida comprovação dos danos; e d) a melhor maneira de apurar o alegado dano é a liquidação por arbitramento, a fim de evitar o enriquecimento sem causa.

Ao final, pugna pela reforma integral do decisum para que o feito seja julgado improcedente, condenando os apelados ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios; sucessivamente, seja minorada a condenação em 1/3 da perda, ou, ainda, que seja procedida a liquidação por arbitramento.

Contrarrazões às fls. 112-121.


VOTO

Inicialmente, destaca-se que a preliminar de cerceamento de defesa aventada pela apelante será abordada no decorrer do voto, porquanto a produção de provas congrega intimamente com o mérito da demanda.

Pois bem. Verifica-se, de saída, que a relação jurídica subjacente à lide consubstancia-se em típica relação de consumo. Isso porque, forte no art. 3º do Código de Defesa do Consumidor, a requerida apresenta-se como fornecedora de energia elétrica, ao passo que o autor assume o papel de consumidor, à luz do art. 2º da lei regente.

Isso porque, "o fato de o demandante usar de energia elétrica para secagem do produto por si cultivado não retira a condição de consumidor, seja por sua hipossuficiência, seja em razão da evidente vulnerabilidade técnica" (TJSC, Ap. Cív. n. 0301104-60.2015.8.24.0041, de Mafra, Rel. Des. Luiz Cézar Medeiros, Quinta Câmara de Direito Civil, j. 2-10-2018), sem olvidar, ainda, da clara dependência que o serviço de fornecimento de energia elétrica representa à atividade desenvolvida pelo autor, o qual é prestado por uma única empresa na região.

Assim, a celeuma posta a desate atrai para si a imperiosa observância dos preceitos da legislação consumerista. E os arts. 14 e 22 da Lei Protetiva preceituam:

Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos.

Art. 22. Os órgãos públicos, por si ou suas empresas, concessionárias, permissionárias ou sob qualquer outra forma de empreendimento, são obrigados a fornecer serviços adequados, eficientes, seguros e, quanto aos essenciais, contínuos.

Depreende-se, portanto, que as relações jurídicas regidas pelo CDC norteiam-se à luz do regime da responsabilidade civil objetiva, na medida em que a configuração do dever reparatório, em casos tais, prescinde da comprovação do elemento subjetivo na conduta do fornecedor.

Logo, à caracterização da obrigação indenizatória - uma vez evidenciada a falha na prestação do serviço -, basta a demonstração de existência de dano e de seu nexo de causalidade com a conduta do agente - ato ilícito.

Satisfeitos tais pressupostos, este arcará com os infortúnios de qualquer ordem ocasionados em prejuízo do consumidor, frisa-se, independentemente de culpa.

Não bastante, à demandada - pessoa jurídica de direito público, assim categorizada como concessionária de serviços de energia elétrica - aplica-se o disposto no art. 37, § 6º, da Constituição Federal, in verbis:

§ 6º As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.

Delineados tais aspectos, o sucesso do pleito autoral subordina-se à suficiente e efetiva demonstração de que os danos relatados originaram-se da interrupção ou da oscilação injustificada no fornecimento de energia elétrica - nexo de causalidade entre o dano e o ato ilícito -, fatores os quais fariam pressupor pela atuação falha e, portanto, indenizável da concessionária de serviço público.

Sendo assim, mostra-se cabível a inversão do ônus probatório em favor do autor, consumidor do serviço de energia elétrica fornecido pela ré e pequeno produtor rural, tornando-se evidente, portanto, a sua hipossuficiência técnica acerca do tema em relação à ré.

Da análise dos autos, mostra-se incontroverso que a interrupção do fornecimento de energia elétrica iniciou no dia 4-2-2019, das 21h00 às 16h00 do dia 5-2-2019 - totalizando 19 (dezenove) horas de interrupçãp -, porquanto confirmado pela própria ré em contestação e em documento...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT