Acórdão Nº 0300671-91.2014.8.24.0073 do Segunda Câmara de Direito Público, 01-06-2021

Número do processo0300671-91.2014.8.24.0073
Data01 Junho 2021
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoSegunda Câmara de Direito Público
Classe processualApelação / Remessa Necessária
Tipo de documentoAcórdão










Apelação / Remessa Necessária Nº 0300671-91.2014.8.24.0073/SC



RELATOR: Desembargador CARLOS ADILSON SILVA


APELANTE: ESTADO DE SANTA CATARINA APELANTE: LIRIO FERRARI APELADO: ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL


RELATÓRIO


Tanto o Estado de Santa Catarina como Lírio Ferrari, no contexto de "ação declaratória de obrigação de fazer" ajuizada pelo segundo contra o primeiro, interpuseram recurso de apelação contra a sentença proferida pela MMa. Juíza de Direito da 2ª Vara Cível da Comarca de Timbó, Dra. Shirley Tamara Colombo de Siqueira Woncce, cuja parte dispositiva foi redigida nos seguintes termos (Ev. 28 do processo originário):
"Ante o exposto:
a) nos termos do art. 267, VI, do Código de Processo Civil, julga-se extinto o feito com relação ao Estado do Rio Grande do Sul, porquanto reconhecida a sua ilegitimidade passiva e, por conseguinte, revoga-se a decisão de tutela antecipada de fls. 44/45.
Diante da sucumbência, condena-se o autor ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, os quais fixa-se em R$ 600,00 (seiscentos reais), com fulcro no art. 20, § 4º, do Código de Processo Civil. Suspende-se, entretanto, a exigibilidade das referidas verbas por ser o autor beneficiário da Justiça Gratuita.
b) resolvendo o mérito da causa, nos termos do art. 269, I, do Código de Processo Civil, julgam-se procedentes, em parte, os pedidos formulados por Lírio Ferrari em face do Estado de Santa Catarina, para determinar ao réu, por meio do órgão de trânsito competente, que proceda à substituição das placas do veículo marca/modelo CITROEN C3 GLX 1.4, modelo 2007/2007, Renavam 907149502, Chassis 935FCKFV87B520672, com as devidas alterações cadastrais e averbações perante o respectivo dossiê.
Diante da sucumbência recíproca, condena-se o autor na proporção de 50% (cinquenta por cento) do pagamento das custas processuais, observado o disposto na LCE n. 156/97, e honorários advocatícios, os quais fixa-se em R$ 1.000,00 (mil reais), com fulcro no art. 20, § 4º, do Código de Processo Civil, sendo que os 50% (cinquenta por cento)remanescentes deverão ser pagos pelo requerido.
Publique-se. Registre-se. Intimem-se.
Decisão sujeita ao reexame necessário.
Retifique-se o nome do autor para "Lírio Ferrari"."
O Estado de Santa Catarina suscita, preliminarmente, a falta de interesse de agir quanto ao pedido de troca das placas do veículo supostamente clonado, dado que poderia ter sido resolvido administrativamente, devendo o feito ser extinto sem resolução de mérito.
Quanto ao mérito, reitera a tese de que a pretensão de modificação das placas do veículo depende da demonstração cabal de que o veículo não é a cópia, bem como de que há outro clonado, mediante juntada de todos os documentos listados na Portaria n. 319/DETRAN/ASJUR/2014, requisitos não satisfeitos na hipótese vertente.
Por fim, em caso de manutenção da sentença, requer ao menos a compensação da verba honorária (Ev. 44 do processo originário).
O autor Lírio Ferrari, por sua vez, requer a reforma da sentença no ponto em que reconheceu a ilegitimidade passiva ad causam do Estado do Rio Grande do Sul, o qual deve ser compelido a anular as infrações de trânsito supostamente cometidas na cidade de Porto Alegre/RS, bem como a pontuação decorrente.
Pugna, ainda, pela determinação ao Detran de revogação de todos os pontos registrados em sua CNH, com as devidas alterações cadastrais e averbações (Ev. 45 do processo originário).
Foram apresentadas as contrarrazõs (fls. 162-171 e 175-179).
Inicialmente (22/08/2017), os recursos não foram conhecidos por este colegiado, determinando-se a remessa à respectiva Turma Recursal (Ev. 33).
Mais recentemente (22/04/2020), os autos foram restituídos a esta Corte com base no entendimento consolidado no Enunciado XXV do Grupo de Câmaras de Direito Público (Ev. 74 do processo originário), o que ensejou o cancelamento da baixa (Ev. 54).
É o relatório

VOTO


Os recursos devem ser conhecidos, porquanto satisfeitos os requisitos intrínsecos e extrínsecos de admissibilidade.
1. Recurso do Estado de Santa Catarina:
1.1 Preliminarmente: falta de interesse de agir
Deve ser afastada a preliminar de falta de interesse de agir em razão da Portaria n. 319/DETRAN/ASJUR/2014, que regula o procedimento a ser seguido para proprietários de veículos clonados.
Não se ignora que referida portaria permite que o procedimento seja realizado administrativamente.
Todavia, o fato é que o réu resistiu à pretensão ao ofertar contestação, e mesmo no seu recurso de apelação insiste na tese de que o veículo do autor não teria sido mesmo clonado.
Acrescente-se a isso o princípio constitucional da inafastabilidade da jurisdição (art. 5º, XXXV, da CRFB/88), razão pela qual não se pode admitir que o exercício do direito à substituição da numeração da placa veicular fique condicionado a uma suposta decisão saneadora pela autoridade administrativa competente, aliás, muito possivelmente com resultado desfavorável ao autor, como se viu até agora em todas as oportunidades que o Estado de Santa Catarina teve para falar nos autos.
Por todos, cita-se a ementa do seguinte julgado:
"REEXAME NECESSÁRIO. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER. CLONAGEM DE VEÍCULO. SUBSTITUIÇÃO DAS PLACAS DE IDENTIFICAÇÃO. PROCEDÊNCIA NA ORIGEM.
INTERESSE PROCESSUAL. VERIFICAÇÃO. DESNECESSIDADE DE ESGOTAMENTO DAS VIAS ADMINISTRATIVAS. PRINCÍPIOS DO LIVRE ACESSO À JUSTIÇA E DA INAFASTABILIDADE DA JURISDIÇÃO.
ALTERAÇÃO DOS CARACTERES ALFANUMÉRICOS DA PLACA DO CARRO. EXISTÊNCIA DE DUPLICATA ILEGALMENTE CLONADA. PRESSUPOSTO ATENDIDO PELO AUTOR. CONSERVAÇÃO DA SENTENÇA QUE SE IMPÕE.
HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. ATENÇÃO AO DISPOSTO NO ART. 85, § 8º, C/C O SEU § 2º, DO CPC/2015. VALOR PRESERVADO.
REMESSA OFICIAL CONHECIDA, COM MANUTENÇÃO DO JULGADO." (TJSC, Remessa Necessária Cível n. 0301622-45.2017.8.24.0020, de Criciúma, rel. Odson Cardoso Filho, Quarta Câmara de Direito Público, j. 29-10-2020).
1.2 Da substituição da numeração da placa veicular de veículo clonado:
Ainda que não tenha sido apreendida a placa replicada (o "carro dublê"), restou evidenciada nos autos de forma satisfatória a clonagem do veículo do autor.
O registro, à época, de boletim de ocorrência (Ev. 01, Inf. 07), em virtude de ter sido surpreendido com notificações de infração de trânsito originárias de Porto Alegre/RS (Ev. 15, Inf. 28), confere verossimilhança à tese defendida na inicial, uma vez que o veículo do autor - o qual não possui quaisquer sinais de adulterações - na verdade estava estacionado na garagem de sua residência, no Município de Timbó/SC.
Prontamente o autor providenciou o registro dos fatos perante a autoridade policial.
As infrações de trânsito foram cometidas em Porto Alegre/RS, via BR-101, a mais de 600Km de distância.
Além do que, não obstante as autuações sejam oriundas de infrações cometidas por veículo com características bastante semelhantes ao Citroen C3 de propriedade do autor, mas não iguais, as fotografias juntadas aos autos revelam algumas diferenças essenciais (Ev. 01, Inf. 11 e 14), assim como decidiu a magistrada de primeiro grau:
"(...) as fotografias do veículo pertencente ao autor acostadas às fls. 31 e 36 confirmam a notável diferença daquele constante no registro fotográfico das autuações de trânsito de fls. 20, 22, 24 e 26, tendo em conta que aquele possui espelhos retrovisores e frisos dianteiro/traseiro, todos na cor prata, além de não possuir farol de neblina, ao passo que este têm acessórios na cor preta e possui o referido farol.
Ademais, o autor juntou comprovante de residência nesta Comarca (fl. 15), alegando que não utilizou o referido veículo, em nenhuma oportunidade, para deslocamento à cidade de Porto Alegre/RS, fato não impugnado pelo réu."
Comprovada a clonagem do veículo descrito na inicial, perfeitamente possível a substituição dos caracteres e do número das placas, com a correspondente alteração cadastral.
De acordo com o art. 1º da Portaria n. 224/DETRAN/ASJUR/ 2013, "a troca das placas de identificação do veículo (substituição dos caracteres alfanuméricos de identificação) será autorizada na hipótese de demonstrada comprovação da existência de duplicatas ilegalmente clonadas, comumente denominado como veículo ´clonado'".
Extrai-se da jurisprudência:
"APELAÇÃO CÍVIL. AUTOMÓVEL CLONADO. INFRAÇÕES DE TRÂNSITO PRATICADAS COM VEÍCULO FALSO EM OUTRA UNIDADE DA FEDERAÇÃO. PREJUÍZOS AO LEGÍTIMO...

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