Acórdão Nº 0300677-68.2015.8.24.0104 do Terceira Câmara de Direito Comercial, 15-07-2021

Número do processo0300677-68.2015.8.24.0104
Data15 Julho 2021
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoTerceira Câmara de Direito Comercial
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão










Apelação Nº 0300677-68.2015.8.24.0104/SCPROCESSO ORIGINÁRIO: Nº 0300677-68.2015.8.24.0104/SC



RELATOR: Desembargador GILBERTO GOMES DE OLIVEIRA


APELANTE: AMANDA BELTRAME GESSER (AUTOR) ADVOGADO: DEAN JAISON ECCHER (OAB SC019457) APELANTE: BANCO DO BRASIL S.A. (RÉU) APELADO: OS MESMOS


RELATÓRIO


Trata-se de recursos de apelação, interpostos por ambas as partes, da sentença, proferida pelo Juízo da Vara Regional de Direito Bancário da comarca de Rio do Sul, Dr. Rômulo Vinícius Finato, que, nos autos da ação de revisão contratual (abertura de crédito e outras avenças), ajuizada por Amanda Beltrame Gesser em face de Banco do Brasil S.A., julgou parcialmente procedentes os pedidos, para:
(a) determinar, em relação ao contrato de Abertura de Crédito em Conta Corrente - Cheque Especial, o expurgo dos juros cobrados na forma capitalizada mensalmente (anatocismo), assim compreendido como a incidência de juros sobre os juros incorporados ao capital em períodos anteriores;
(b) determinar, nos contratos de Abertura de Crédito em Conta Corrente - Cheque Especial, BB Crédito Automático - 801628607 e BB Crédito Automático 847439412 - Especial, o expurgo da comissão de permanência;
(c) determinar, em relação ao contrato BB Crédito Veículo US Private/Estilo - 832976349, a aplicação no período de inadimplência apenas da comissão permanência, não cumulada com outros encargos consectários de mora, bem como limitada à soma dos encargos remuneratórios e moratórios;
(d) determinar, em relação ao contrato de Abertura de Crédito em Conta Corrente - Cheque Especial, o expurgo das tarifas TAC, TEC e tarifa de cadastro;
(e) determinar a restituição, na forma simples, dos valores exigidos a maior, devendo os valores serem corrigidos monetariamente pelo INPC/IBGE a partir da data do desembolso, como incidência dos juros moratórios de 1% (um por cento) ao mês a partir da citação, admitida a compensação legal (art. 368, do CC).
Em suas razões recursais, a parte demandante requereu a descaracterização da mora.
Sustentou, ainda, a inversão dos ônus sucumbenciais e a majoração da verba honorária.
O banco demandado, por sua vez, sustentou as seguintes teses:
(a) a inépcia da petição inicial, pois da narração dos fatos não decorre logicamente a conclusão;
(b) a impossibilidade de revisão contratual;
(c) a legalidade da comissão de permanência;
(d) a validade da capitalização de juros;
(e) a legalidade das tarifas bancárias;
(f) a impossibilidade de devolução de valores;
(g) a inversão dos ônus sucumbenciais.
Ambas as partes apresentaram contrarrazões (evento 73 e 74).
É o relatório

VOTO


I. Tempus regit actum
Sentença proferida em 02.09.2020.
Portanto, à lide aplica-se o CPC/15, na forma do enunciado administrativo nº 3: "Aos recursos interpostos com fundamento no CPC/2015 (relativos a decisões publicadas a partir de 18 de março de 2016) serão exigidos os requisitos de admissibilidade recursal na forma do novo CPC".
II. Tempestividade e preparo recursal
Constata-se que os recursos de apelação são tempestivos e que as partes comprovaram o recolhimento dos preparos recursais.
III. Caso concreto
III.I Apelo da parte demandante
(a) inépcia da inicial
Inicialmente, o banco demandado sustenta a inépcia da petição inicial, pois da descrição dos fatos não há decorrência lógica com o pedido formulado.
Sem razão, porém.
É cediço que
"só se deve decretar inepta a petição inicial quando for ininteligível e incompreensível" (STJ. REsp 640.371-SC, rel. Min. José Delgado, julgado em 28.09.2004), assim lecionado pela doutrina: Se dela consta o pedido e a causa de pedir, ainda que o primeiro formulado de maneira pouco técnica e a segunda exposta com dificuldade, não há que se falar em inépcia da petição inicial. (MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDI- ERO, Daniel. Código de Processo Civil comentado artigo por artigo. 2ª ed. São Paulo: RT, 2010).
A petição inicial, portanto, só será considerada inepta quando lhe faltar pedido ou causa de pedir, o que evidentemente não é o caso, na medida em que inteligível o pedido a causa de pedir, devidamente fundamentados.
Sendo assim, não há falar em inépcia da inicial.
(b) impossibilidade de revisão
O apelante defende, em suas razões, a impossibilidade de revisão das cláusulas contratuais, bem como a legalidade dos encargos financeiros previstos no pacto, oportunidade em que discorre acerca do princípio da pacta sunt servanda.
De plano, cumpre pontuar que o caso em tela guarda relação de consumo, nos termos da Súmula n. 297, editada pelo Superior Tribunal de Justiça, que assim dispõe: "o Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras".
Aqui, calha anotar que o microssistema consumerista se aplica ao caso, ainda que o destinatário final do serviço ou produto (art. 2º do CDC) seja pessoa jurídica, como é o caso dos autos, em razão da mitigação da teoria finalista, nos termos do entendimento fixado pelo Superior Tribunal de Justiça:
CONSUMIDOR. DEFINIÇÃO. ALCANCE. TEORIA FINALISTA. REGRA. MITIGAÇÃO. FINALISMO APROFUNDADO. CONSUMIDOR POR EQUIPARAÇÃO. VULNERABILIDADE.
[...]
3. A jurisprudência do STJ, tomando por base o conceito de consumidor por equiparação previsto no art. 29 do CDC, tem evoluído para uma aplicação temperada da teoria finalista frente às pessoas jurídicas, num processo que a doutrina vem denominando finalismo aprofundado, consistente em se admitir que, em determinadas hipóteses, a pessoa jurídica adquirente de um produto ou serviço pode ser equiparada à condição de consumidora, por apresentar frente ao fornecedor alguma vulnerabilidade, que constitui o princípio-motor da política nacional das relações de consumo, premissa expressamente fixada no art. 4º, I, do CDC, que legitima toda a proteção conferida ao consumidor.
4. A doutrina tradicionalmente aponta a existência de três modalidades de vulne. [...] (RESP. n. 1195462/RJ. Relª Minª Nancy Andrghi, j. em 13.11.2012).
Chancelada aplicação do Código de Defesa do Consumidor à espécie, anota-se que o art. 6º, do aludido diploma legal, dispõe acerca dos direitos básicos do consumidor e, especificamente no inciso V, prevê a "modificação das cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais ou sua revisão em razão de fatos supervenientes que as tornem excessivamente onerosas".
Adiante, o art. 51 do Código de Defesa do Consumidor versa acerca das cláusulas contratuais nulas de pleno direito, relativas ao fornecimento de produtos e serviços, especialmente aquelas que colocam o consumidor em posição de extrema desvantagem.
Vale destacar algumas hipóteses previstas nos incisos do referido artigo:
Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que:
I - impossibilitem, exonerem ou atenuem a responsabilidade do fornecedor por vícios de qualquer natureza dos produtos e serviços ou impliquem renúncia ou disposição de direitos. Nas relações de consumo entre o fornecedor e o consumidor pessoa jurídica, a indenização poderá ser limitada, em situações justificáveis;
II - subtraiam ao consumidor a opção de reembolso da quantia já paga, nos casos previstos neste código;
III - transfiram responsabilidades a terceiros;
IV - estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a eqüidade;
[...]
§ 1º Presume-se exagerada, entre outros casos, a vantagem que:
I - ofende os princípios fundamentais do sistema jurídico a que pertence;
II - restringe direitos ou obrigações fundamentais inerentes à natureza do contrato, de tal modo a ameaçar seu objeto ou equilíbrio contratual;
III - se mostra excessivamente onerosa para o consumidor, considerando-se a natureza e conteúdo do contrato, o interesse das partes e outras circunstâncias peculiares ao caso.
[...]
Como se vê, ressoa patente a possibilidade de revisão, pelo Poder Judiciário, das cláusulas contidas nos contatos que instrumentalizam as relações de consumo, especialmente com o fim de aniquilar as arbitrariedades comumente inseridas nos contratos de adesão, tal como nos contratos de natureza bancária.
De mais a mais, a revisão das cláusulas contratuais é permitida também sob à ótica do Código Civil, mormente em razão da incidência dos princípios da boa-fé objetiva (art. 422 do CC), da função social dos contratos e do dirigismo contratual (art. 421 do CC), os quais levam à mitigação da força exorbitante que se atribuía ao princípio do pacta sunt servanda, quando tais ajustes, visivelmente de longa duração, trazem em seu teor cláusulas com conteúdo abusivo, desproporcional ou, quiçá, ilegal, as quais implicam em onerosidade excessiva daquele que, por exemplo, contrai um financiamento ou crédito de instituição financeira, a qual detém melhores condições jurídicas e técnicas, obtém grandes ganhos.
Neste sentido, colhe-se do Superior Tribunal de...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT