Acórdão Nº 0300696-21.2016.8.24.0175 do Terceira Câmara de Direito Comercial, 13-02-2020

Número do processo0300696-21.2016.8.24.0175
Data13 Fevereiro 2020
Tribunal de OrigemMeleiro
ÓrgãoTerceira Câmara de Direito Comercial
Classe processualApelação Cível
Tipo de documentoAcórdão




Apelação Cível nº 0300696-21.2016.8.24.0175, de Meleiro

Relator: Desembargador Gilberto Gomes de Oliveira

DUPLICATAS MERCANTIS LEVADAS A PROTESTO. AUSÊNCIA DE CAUSA DEBENDI. DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO COM INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. IMPROCEDENCIA. APELO DA AUTORA.

ÔNUS DA PROVA. DEMANDA DE ÍNDOLE NEGATIVA. ÔNUS DO SACADOR.

Por se tratar, a ação declaratória de inexistência de débito, de demanda de índole negativa, compete exclusivamente ao sacador (vendedor ou prestador do serviço que emitiu a duplicata) comprovar a origem da cártula, haja vista que não se pode exigir do sacado (pessoa que compra ou contrata os serviços) a prova de fato negativo.

RELAÇÃO JURÍDICA VÁLIDA NÃO COMPROVADA. DUPLICATA SACADA POR ASSOCIAÇÃO DE PROPRIETÁRIOS DE CAMINHÕES PARA PARTILHA DO RISCO ORIUNDO DOS SINISTROS ANUAIS APURADOS. HIPÓTESE DIVERSA DA COMPRA E VENDA MERCANTIL OU DA PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. PROTESTO INDEVIDO.

A duplicada é título causal e compete à vendedora a prova da causa do título em demanda declaratória de inexistência de débito proposta pela sacada. Não comprovada suficientemente relação jurídica válida que deu azo à emissão do título, procede a pretensão para que os títulos levados à protesto sejam desconstituídos.

Duplicata é título causal que somente pode ser sacado de forma valida a partir de compra e venda ou da prestação de serviços.

CIRCULAÇÃO DE TÍTULO QUE PADECE DE VÍCIO - SEM LASTRO COMERCIAL. ABSTRAÇÃO AUSENTE.

A duplicata mercantil somente se torna absolutamente abstrata quando há o aceite ordinário (lançado no título pelo próprio devedor-sacado), desfazendo-se, nesta hipótese, o vínculo do negócio subjacente e, por conseguinte, permitindo a circulação da cambial sem necessidade de se perquirir sobre sua origem. Sem o aceite expresso, a duplicata ainda refletirá sua causa jurídica primitiva e, por conseguinte, para que pudesse circular livre de vícios, necessita da comprovação da origem válida e da entrega das mercadorias.

DANO À MORAL CONFIGURADO. PRECEDENTES DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA.

Nos casos de protesto indevido ou de apontamento de título à protesto - sustado por medida cautelar manejada em tempo hábil -, é desnecessária a demonstração objetiva do abalo à honra e à reputação sofrida pela empresa sacada.

QUANTUM INDENIZATÓRIO. OBSERVÂNCIA DAS FUNÇÕES DA PAGA PECUNIÁRIA.

O quantum indenizatório deve ser fixado levando-se em conta os critérios da razoabilidade, bom senso e proporcionalidade, a fim de atender seu caráter punitivo e proporcionar a satisfação correspondente ao prejuízo experimentado pela vítima sem, no entanto, causar-lhe enriquecimento, nem estimular o causador do dano a continuar a praticá-lo.

APELO PROVIDO. CAUSA JULGADA PROCEDENTE.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 0300696-21.2016.8.24.0175, da comarca de Meleiro Vara Única em que é apelante Transportadora Mazetrans Ltda Me e apelada Associação de Proprietários de Caminhões de Araranguá e Região - Aproc.

A Terceira Câmara de Direito Comercial decidiu, por unanimidade, dar provimento ao apelo, nos termos do voto do relator. Custas legais.

O julgamento, realizado nesta data, foi presidido pelo Exmo. Sr. Des. Tulio Pinheiro, com voto, e dele participou o Exmo. Sr. Des. Jaime Machado Junior.

Florianópolis, 13 de fevereiro de 2020.

Desembargador Gilberto Gomes de Oliveira

Relator

RELATÓRIO

Trata-se de recurso de apelação interposto pela autora, Transportadora Mazetrans Ltda., contra sentença prolatada pelo Juízo de Direito da Vara Única da comarca de Meleiro (Dra. Thania Mara Luz), em ação declaratória de inexistência de débito com indenização por dano moral ajuizada em face de Associação de Proprietários de Caminhões de Araranguá e Região - APROC, a qual julgou improcedentes os pedidos deduzidos na petição inicial.

A demandante defende em seu apelo a declaração de inexistência do débito, uma vez que os títulos protestados (duplicatas de vendas mercantis) são decorrentes de pagamento de mensalidade para associação, período no qual, inclusive, não possuía mais vínculo com a associação.

Pede, em razão dos protestos indevidos, pela condenação da demandada ao pagamento de indenização por danos morais.

Pautou-se, nestes termos, pelo provimento do apelo.

Contrarrazões às fls. 110/115.

Este é o relatório.


VOTO

I. Tempus regit actum

A decisão recorrida foi publicada em 06.06.2017.

Portanto, à lide aplica-se o CPC/15, na forma do enunciado administrativo nº 3 do STJ: "aos recursos interpostos com fundamento no CPC/2015 (relativos a decisões publicadas a partir de 18 de março de 2016) serão exigidos os requisitos de admissibilidade recursal na forma do novo CPC".

II. Admissibilidade

Presentes os requisitos de admissibilidade, conheço do recurso.

III. Retrospecção do caso concreto

Trata-se de recurso de apelação interposto pela autora, Transportadora Mazetrans Ltda, contra sentença que, em ação declaratória de inexistência de débito com indenização por dano moral ajuizada em face de Associação de Proprietários de Caminhões de Araranguá e Região - APROC, julgou improcedentes os pedidos deduzidos na petição inicial.

Em síntese, a autora, ora apelante, ajuizou em face da demandada ação de cobrança nº 0300186.08.2016.8.24.0175, requerendo o pagamento de indenização por danos materiais e morais, devido à ausência de pagamento do seguro do veículo sinistrado. Alega que, na tramitação da referida ação, a associação demandada continuou efetuando a cobrança das mensalidades.

Apresentou na exordial documentos comprovando que recebeu intimação para pagamento das Duplicatas de Venda Mercantil por Indicação, protocolo sob nº 182713, 182714, 277189, 278567, 278568, 278647, 181871, 278073, no valor respectivamente de R$ 717,09, R$ 4.769,17, R$ 699,94, R$ 2.758,47, R$ 6.843,48, R$ 844,51, R$ 658,28 e R$ 587,99 onde constava o prazo para pagamento de 3 dias, sob pena de protesto, apresentada pelo Banco Bradesco S.A., emitida pela ré Associação de Proprietários de Caminhões de Araranguá e Região - APROC (fls. 14/22).

A autora alegou que jamais houve compra e venda mercantil ou prestação de serviços entre as partes, e que não mais mantém qualquer espécie de relação jurídica com a demandada.

A empresa demandada, Associação de Proprietários de Caminhões de Araranguá e Região - APROC, esclarece que é uma associação de proprietários de caminhões cujo objetivo é ressarcir os prejuízos advindos de sinistros nos veículos dos cooperados, de modo que, após o pagamento, há um rateio dos valores gastos entre todos os sócios.

Afirma que, quando ocorre um sinistro, a associação tem obrigação de recuperar o veículo ou indenizar o proprietário no caso de perda total, substituindo o equipamento ou indenizando.

Diz que o fundo que mantém o pagamento da reparação dos sinistros ocorridos é composto das mensalidades que os associados pagam para manter seus veículos cobertos e dos rateios dos sinistros.

Alega que, até o momento da propositura da ação, a demandante não havia pedido sua exclusão como associada, portanto, é devida a cobrança dos valores, cujos títulos foram protestados, sob pena de prejuízo aos associados.

IV. Recurso da autora

Em suas razões recursais, a autora defende que a cobrança se refere ao rateio de riscos do período de vigência do contrato com a autora, do período que não era mais associada a Associação de Proprietários de Caminhões de Araranguá e Região - APROC.

Assim, busca a modificação da sentença para declarar indevido o protesto, bem como a inexistência do débito.

Bem analisado o caso retratado, tenho que lhe assiste razão.

a) causa debendi

A duplicata constitui título de crédito que somente emerge de uma compra e venda mercantil ou da prestação de serviços a prazo, na forma dos arts. 2 e 20 da Lei nº 5.474/1968 - dispõe sobre as Duplicatas.

Art . 2º. No ato da emissão da fatura, dela poderá ser extraída uma duplicata para circulação como efeito comercial, não sendo admitida qualquer outra espécie de título de crédito para documentar o saque do vendedor pela importância faturada ao comprador.

Art . 20. As emprêsas, individuais ou coletivas, fundações ou sociedades civis, que se dediquem à prestação de serviços, poderão, também, na forma desta lei, emitir fatura e duplicata.

Como a emissão é facultativa, somente saca a duplicata o vendedor ou prestador de serviços que queira antecipar o crédito descrito na Nota Fiscal/Fatura, vendendo-a antecipadamente e com desconto.

A doutrina explica:

Na duplicata, a obrigação que consta do título é o reflexo daquela que se construiu no mundo dos fatos. O sacador da duplicata é um vendedor ou u prestador de serviços. O sacado é a pessoa que comprou, a prazo, o produto ou que contratou os serviços. O beneficiário/tomador é o próprio sacador, o qual, normalmente, endossa a duplicata a uma instituição financeira que adquire o crédito da venda ou prestação do serviço, pagando o sacador, á vista e com desconto, e aguardando o vencimento para receber o valor cheio junto ao sacado (CHAGAS, Edilson Enedino das. Direito Empresarial Esquematizado. SP: Saraiva, 2017. p. 474).

Ainda nesse sentido: "a duplicata é título que permite o exame da causa de sua emissão, por isso sendo denominada título causal, devendo representar uma compra e venda ou uma prestação de serviços (ver Lei nº 5.474/68)" (MONTENEGRO FILHO, Misael. Novo Código de Processo Civil Comentado. São Paulo: Atlas, 2018. p. 587).

Por ser reflexo de uma compra e venda mercantil ou prestação de serviços a prazo, a duplicata é título de crédito causal, um daqueles que, conforme ensina a doutrina, "têm a sua origem declarada em fato gerador e causa anteriores ao ato de criação da própria cártula. A preexistência de contratos fundamenta a emissão desses papéis e o direito deles resultante é questionado da própria negociação explicitada no seu contexto...

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