Acórdão Nº 0300722-60.2016.8.24.0032 do Quarta Câmara de Direito Civil, 16-04-2020

Número do processo0300722-60.2016.8.24.0032
Data16 Abril 2020
Tribunal de OrigemItaiópolis
ÓrgãoQuarta Câmara de Direito Civil
Classe processualApelação Cível
Tipo de documentoAcórdão



Apelação Cível n. 0300722-60.2016.8.24.0032

Apelação Cível n. 0300722-60.2016.8.24.0032, de Itaiópolis

Relator: Des. Luiz Felipe Schuch

APELAÇÕES CÍVEIS. AÇÃO INDENIZATÓRIA. DANOS MORAIS. CONTAMINAÇÃO DE PRODUTO (LEITE) COM INSETO. PROCEDÊNCIA NA ORIGEM. INSURGÊNCIA DE AMBAS AS PARTES.

PRELIMINAR EM CONTRARRAZÕES. INOVAÇÃO RECURSAL. INOCORRÊNCIA. MATÉRIA SUSCITADA NA ORIGEM. TESE AFASTADA.

RECURSO DA RÉ. ALEGADA IMPOSSIBILIDADE DE CONTAMINAÇÃO DE PRODUTO E INEXISTÊNCIA DE DANO MORAL. FOTOS QUE NÃO COMPROVAM, INEQUIVOCADAMENTE, CONTAMINAÇÃO DO PRODUTO. AUSÊNCIA DE VERIFICAÇÃO DE SITUAÇÃO INSÓLITA CAPAZ DE GERAR DANO À DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. INEXISTÊNCIA DE DANO SUPERVENIENTE AO CONSUMO DO PRODUTO. MERO ABORRECIMENTO OU DISSABOR. DANO MORAL NÃO CONFIGURADO. SENTENÇA REFORMADA NO PONTO.

QUANTUM INDENIZATÓRIO. IRRESIGNAÇÃO DE AMBAS AS PARTES. PEDIDOS PREJUDICADOS.

INVERSÃO DOS ENCARGOS SUCUMBENCIAIS. CONDENAÇÃO DO AUTOR AO PAGAMENTO DAS CUSTAS PROCESSUAIS E HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS CONFORME O ART. 85, §2º DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. EXIGIBILIDADE SUSPENSA EM DECORRÊNCIA DA CONCESSÃO DO BENEFÍCIO DA GRATUIDADE DA JUSTIÇA.

RECURSO DA RÉ CONHECIDO E PROVIDO. APELO DO AUTOR PREJUDICADO PORQUANTO ADSTRITO À MAJORAÇÃO DO MONTANTE REPARATÓRIO.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível n. 0300722-60.2016.8.24.0032, da comarca de Itaiópolis (Vara Única), em que são apelantes e apelados João Felipe Zadorosny Pickcius e Lacticinios Tirol Ltda.

A Quarta Câmara de Direito Civil decidiu, por unanimidade: a) conhecer do recurso da ré e dar-lhe provimento para reformar a sentença vergastada e julgar improcedente o pedido de condenação ao pagamento de danos morais; b) condenar o autor ao pagamento das despesas processuais e honorários advocatícios, estes arbitrados em 20% (vinte por cento) do valor da causa com base no art. 85, § 2º, do Código de Processo Civil, cuja exigibilidade fica suspensa em face do benefício da justiça gratuita deferido à parte e c) declarar prejudicado o recurso do autor, porquanto adstrito ao montante indenizatório. Custas legais.

O julgamento, realizado em 16 de abril de 2020, foi presidido pelo Desembargador Helio David Vieira Figueira dos Santos, com voto, e dele participou o Desembargador José Agenor de Aragão.

Florianópolis, 17 de abril de 2020.

Luiz Felipe Schuch

RELATOR


RELATÓRIO

Acolho o relatório da sentença de fls. 196-203, por contemplar precisamente o conteúdo dos presentes autos, ipsis litteris:

JOÃO FELIPE ZADOROZNY PICKCIUS, qualificado nos autos, através advogado, ajuizou AÇÃO DE RESPONSABILIDADE CIVIL POR DANOS MORAIS contra LACTICÍNIOS TIROL LTDA, igualmente qualificada.

Relata que: a) no dia 08.06.2015, ao abrir embalagem do produto "Leite UHT Integral" fabricado pela suplicada, verteu parte em copo higienizado e consumiu parte do conteúdo. O produto era do Lote FL37J, com prazo de validade até 20.07.2015; b) ao colocar o recipiente sobre a mesa, após ingerir o produto, percebeu a presença de corpo estranho. Verificando com vagar percebeu tratar-se de algo parecido com um inseto (fotografias anexas); c) avisou a genitora que, preocupada com a saúde do filho, passou a observá-lo. Posteriormente compareceu ao Tabelionato de Notas solicitando a lavratura de ata notarial, o que foi procedido, tendo a delegatária se dirigido até sua (dela) residência; d) o fato, sustenta, causou-lhe "situação deletéria latente e incontestável"; e) há nexo causal entre a ação/omissão da requerida e os constrangimentos experimentados, configurando ilícito indenizável; f) são aplicáveis, ao caso, as disposições do CDC; g) fundamentou longamente o pedido, valorou a causa, especificou provas, requereu a justiça gratuita e juntou procuração e documentos (fls. 13/35).

Pelo despacho inicial foi reconhecido que se trata de relação de consumo, com inversão do ônus da prova, deferida a gratuidade e designada audiência de conciliação.

Na solenidade, frustrada a proposta de composição, a suplicada, através advogado, ofertou resposta em forma de contestação (fls. 77/91) aduzindo, em síntese:

- não haveria verossimilhança na alegação do autor e é impossível, à contestante, realizar a prova negativa;

- o "inseto" poderia já estar no fundo do copo quando o autor colocou o produto;

- não se pode deixar de notar que o autor teria, supostamente, ingerido parte do líquido, colocado o copo na mesa e somente então visualizado o "inseto";

- é evidente que o autor não conseguiria ingerir quantidade do líquido sem ingerir o "inseto" "porquanto este supostamente estaria flutuando conforme se observa das fotos";

- "é muito provável que o referido "inseto" tenha sido inserido no leite APÓS o Autor ter colocado no copo! (grifo do original);

- as fotos não podem ser consideradas como provas absolutas "porquanto tiradas após a abertura da caixa de leite";

- a ata notarial foi lavrada em momento posterior e apenas relata o que se apresenta nas fotos;

- possui um rigoroso controle de qualidade no processo de fabricação do leite pelo que é impossível a inserção de corpo estranho no produto;

- os produtos são submetidos a rigorosos processos de qualidade (BFP, PPHO e APPCC);

- análise técnica do Analista de Controle de Qualidade da Requerida, diante da tecnologia utilizada, autoriza informar que é IMPOSSÍVEL a presença de qualquer corpo estranho no produto (grifo no original);

- no processo de fabricação os ingredientes passam por filtro magnético "que realiza a retirada de qualquer material estranho";

- filtros utilizados no processo (junta fotografias) comprovam "que é impossível qualquer corpo estranho no leite, pois o mesmo ficaria retido no pequeno filtro";

- após passar pelo filtro o leite ainda passa pelo homogeneizador, sério de pistões que realizam pressão de 180 Bar, a fim de quebrar moléculas do leite para uma melhor homogeneização. Se ainda houvesse material estranho "o mesmo seria quebrado/triturado devido a pressão provocada pelo equipamento";

- a entrada de material deste tamanho pode acarretar danos aos equipamentos "portanto é patente a impossibilidade da presença do inseto no processo de fabricação";

- após a esterilização o produto segue por tubulação para envase, ali permanecendo até segundos antes da selagem da caixinha. "A câmara da máquina onde se realiza o envase fica em condições assépticas, não havendo qualquer contato com ambiente externo ou com o colaborador que opera a máquina";

- "o produto após laudo realizado, apresentou resultados dentro dos padrões legais permitidos, consoante laudos anexados no processo. Por evidente que, caso houve a presença de um inseto, os laudos apontariam alguma modificação, o que não ocorreu, o que leva a crer que o inseto "surgiu" após a abertura da caixa de leite e inserção do líquido no copo";

- tem convicção de "ter cumprido com seu ônus, nos moldes do art. 373, II, do CPC e art. 6º do CDC, de provar a impossibilidade dos fatos narrados pelo autor, excluindo qualquer possibilidade de corpo estranho no leite fabricado pela requerida";

- "para além disso, tratar-se-ia de prova negativa (impossível de ser realizada), a qual não está na alçada da requerida";

- "é importante sublinhar que não houve notícias de quaisquer danos à saúde do autor";

- não há que se falar em responsabilidade do fato do produto ante a ausência dos pressupostos da responsabilidade civil;

- não há comprovação da ingestão do leite e, se houve, não há comprovação de que tenha havido danos à saúde do autor;

- embora o CDC não preveja a necessidade da comprovação da culpa é necessária a prova de que alguma repercussão danosa pelo fato do produto;

- é necessária "a configuração do fato do produto ou da falha na prestação do serviço, do nexo causal e do dano";

- o caso é de aplicação do art. 12, § 3º, III, do CDC em razão da culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro;

- de todo modo, incabível a indenização por alegados danos morais posto que os fatos configuram mero dissabor. Cita julgados;

- acaso acolhido este pedido o valor da indenização deve ser fixado com moderação.

Procuração já fora juntada anteriormente. Vieram documentos (fls. 92/118).

O autor replicou (fls. 122/125).

Na decisão de saneamento e organização do processo (fl. 128) foram deferidas as provas orais requeridas.

Durante a instrução foram colhidos o depoimento pessoal do autor e de uma testemunha deste (fl. 141) e uma da suplicada (fl. 195).

As alegações finais foram apresentadas por memoriais (fls. 185/187) e 189/193).

O Magistrado de primeiro grau julgou procedente o pedido exordial, nos seguintes termos:

Ante o exposto, nos termos da fundamentação supra, JULGO PROCEDENTE a presente ação para condenar ao requerida a pagar, ao autor, indenização de R$ 5.000,00 (cinco mil reais), que dever ser corrigida pelo INPC a partir da data da publicação desta decisão, mais juros de mora de 1,00% contados, estes, a partir da data do fato (08.06.2015) (STJ, Súmula 54).

Destarte, condeno a requerida ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios estes que, considerando que o advogado do autor houve-se com adequado zelo profissional, que prestou os serviços na própria comarca onde mantém escritório, que a causa é de razoável importância e que demandou largo tempo de serviço, arbitro em 15,00% sobre o valor da Condenação.

Irresignado com a prestação jurisdicional entregue, o autor interpôs apelação em que pugna pela majoração do quantum indenizatório arbitrado a titulo de danos morais, a fim de adequar a condenação aos atuais parâmetros utilizados por esta Corte (fls. 207-212).

Igualmente irresignada, a ré interpôs apelação em que sustenta a insubsistência dos argumentos suscitados na análise de mérito, por tratar-se de declarações unilaterais do autor. Aduz que todo o procedimento de fabricação é rigorosamente automatizado, sem qualquer contato manual do...

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