Acórdão Nº 0300723-79.2014.8.24.0011 do Primeira Câmara de Direito Público, 12-07-2022

Número do processo0300723-79.2014.8.24.0011
Data12 Julho 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoPrimeira Câmara de Direito Público
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Nº 0300723-79.2014.8.24.0011/SC

RELATOR: Desembargador PEDRO MANOEL ABREU

APELANTE: ELIANA DA COSTA (AUTOR) ADVOGADO: RAFAEL FRANCISCO DOMINONI (OAB SC019073) ADVOGADO: RAFAEL NIEBUHR MAIA DE OLIVEIRA (OAB SC025993) APELANTE: INSTITUTO DE PREVIDÊNCIA DO ESTADO DE SANTA CATARINA - IPREV (RÉU) APELADO: OS MESMOS MP: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA (MP)

RELATÓRIO

Cuidam-se de apelações cíveis interpostas pelo Instituto de Previdência do Estado de Santa Catarina - IPREV e por Eliana da Costa contra sentença proferida em sede de "ação declaratória de inexistência de débito c/c reparação de danos materiais" movida pela segunda apelante.

O decisum objurgado julgou procedentes os pedidos iniciais para "declarar indevida a devolução dos valores apurados no Processo Administrativo IPREV 5804/2012", condenando o réu "a restituir à autora os valores indevidamente descontados mensalmente de sua pensão, a partir de abril de 2014, sob o código "8003 - pensão devolução", no importe de R$1.064,14 (pg. 20), pelo tempo em que perduraram".

Em sua insurgência, o apelante IPREV afirma que a autora recebeu indevidamente valores a maior a título de pensão por morte. Relata que somente por meio de requerimento administrativo de revisão de pensão, acompanhada de certidão fornecida pelo órgão de origem, é que a autarquia tem conhecimento de eventual modificação do valor da remuneração do instituidor da pensão. Disse que a Assembleia Legislativa do Estado de Santa Catarina emitiu certidões com valores diversos datadas dos anos de 2011 e 2012, motivo pelo qual oficiou a ALESC que atestou ser correta a última certidão com valores inferiores. Explica ter recalculado o valor da pensão por morte, adequando-o aos novos valores apresentados na certidão fornecida pela ALESC. Sustenta ter sempre agido de boa-fé, sendo a ALESC a única responsável pelos problemas ocasionados à apelada ante a emissão de certidões equivocadas. Alega que verificada a ocorrência de pagamento indevido, deve a Administração Pública buscar o ressarcimento dos valores indevidamente recebidos, sob pena de configurar enriquecimento ilícito. Afirma que a devolução sempre deve ocorrer quando se tratar de valores recebidos em consequência de "equívoco inescusável, decorrente de interpretação destituída de razoabilidade ou de erro operacional da administração". Defende que o IPCA-E somente pode ser aplicado a partir do julgamento da questão de ordem nas ADIs n° 4.357 e 4.425, devendo no caso ser utilizada a TR como índice de correção monetária. Ao final, pugna pelo provimento do recurso para julgar improcedentes os pedidos iniciais.

Por sua vez, a recorrente Eliana da Costa afirma ser descabida a fixação da verba honorária por equidade, devendo-se levar em conta o real proveito econômico buscado na demanda, o qual pode ser apurado por cálculo aritmético. Ressalta que a aplicação sobre o valor da causa ou por equidade, somente pode ser utilizada quando se mostra impossível a mensuração do proveito econômico obtido pelo vencedor da causa. Defende que os honorários devem ser calculados sobre o proveito econômico obtido, nos termos do parágrafo 2° do art. 85 do Código de Processo Civil. Aduz que na hipótese de equívoco na valoração da causa, poderia o magistrado a quo ter determinado a sua retificação com a complementação das custas processuais. Ao final, pugna pelo provimento do recurso para readequar a base de cálculo dos honorários sucumbenciais, devendo ser fixado sobre o proveito econômico obtido, qual seja, o valor de R$ 146.524,60. Sucessivamente, requer a fixação de honorários no patamar de 10% sobre o valor a ser apurado em liquidação de sentença. Prequestiona o §2° do art. 85 do CPC.

Com as contrarrazões das partes, seguiram os autos com vista à douta Procuradoria-Geral de Justiça que em parecer da lavra da Dra. Eliana Volcato Nunes manifestou-se pelo conhecimento e desprovimento do recurso interposto pelo Instituto de Previdência do Estado de Santa Catarina - IPREV, deixando de se "manifestar a respeito do recurso de apelação interposto por Eliana da Costa, por se tratar de valor arbitrado a título de honorários de sucumbência, por não vislumbrar interesse público".

Este é o relatório.

VOTO

Cinge-se a controvérsia em analisar, se é cabível a devolução dos valores recebidos a maior pela autora, acerca da possibilidade de aplicação da TR como índice de correção monetária, bem como sobre a fixação de honorários sobre o proveito econômico da autora.

Pois bem.

Do compulsar dos autos, verifica-se que a autora, pensionista de servidor público estadual, percebeu valores a maior a título de pensão por morte no período de fevereiro de 2006 a março de 2013. Após o trâmite de processos administrativos de revisão de benefício, o IPREV concluiu que a autora deve o montante de R$146.524,60, em virtude de pagamentos a maior.

Do recurso interposto, colhe-se que o IPREV sustenta a possibilidade de devolução dos valores recebidos, sob pena de enriquecimento ilícito da parte autora.

Sem razão, entretanto.

Discute-se nos autos sobre o cabimento da restituição ao erário em razão de verbas pagas equivocadamente pela Administração Pública à pensionista.

Nesse sentido, antes da afetação do Tema 1.009 pelo STJ, o entendimento das Cortes de Justiça Estadual e Superior eram pacíficos em inadmitir a repetição de valores quando recebidos de boa-fé pelo servidor e provenientes de simples equívoco da Administração, mesmo nos casos de erro operacional.

Assim se guiava a jurisprudência:

ADMINISTRATIVO. VERBA RECEBIDA A MAIOR. PAGAMENTO ESPONTÂNEO DO ENTE PÚBLICO DECORRENTE DE ERRO OPERACIONAL. IMPOSSIBILIDADE DE RESTITUIÇÃO. ENTENDIMENTO FIRMADO PELO STJ. SENTENÇA CONCESSIVA DA ORDEM MANTIDA. RECURSO E REMESSA DESPROVIDOS. "A Corte Especial no STJ ao julgar o MS 19.260/DF, no dia 03/09/2014, da relatoria do Min. Herman Benjamin, decidiu, por unanimidade, ser descabida a devolução ao Erário de valores recebidos pelo servidor, nos casos em que o pagamento reputado indevido se deu por erro de cálculo ou operacional da Administração, o que evidencia a boa fé objetiva do servidor no recebimento da verba alimentar. 3. Agravo regimental não provido" (STJ, AgRg no AREsp n. 766220/DF, rel. Min. Mauro Campbell Marques, j. 3.11.15). (TJSC, Apelação / Reexame Necessário n. 0022195-58.2013.8.24.0008, de Blumenau, rel. Des. Francisco Oliveira Neto, Segunda Câmara de Direito Público, j. 12.6.2018).

APELAÇÃO CÍVEL EM MANDADO DE SEGURANÇA. ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO ESTADUAL. AUXÍLIO-CRECHE. RECEBIMENTO DE VALOR SUPERIOR AO EFETIVAMENTE DEVIDO. PAGAMENTO ESPONTÂNEO DO ENTE PÚBLICO DECORRENTE DE ERRO OPERACIONAL. IMPOSSIBILIDADE DE RESTITUIÇÃO. ENTENDIMENTO FIRMADO PELO STJ. SENTENÇA DE CONCESSÃO DA ORDEM MANTIDA. RECURSO DESPROVIDO. '"A Corte Especial no STJ ao julgar o MS 19.260/DF, no dia 03/09/2014, da relatoria do Min. Herman Benjamin, decidiu, por unanimidade, ser descabida a devolução ao Erário de valores recebidos pelo servidor, nos casos em que o pagamento reputado indevido se deu por erro de cálculo ou operacional da Administração, o que evidencia a boa-fé objetivo do servidor no recebimento da verba alimentar' (STJ, AgRg no AREsp n. 766220/DF, rel. Min. Mauro Campbell Marques, j. 3.11.15)." (Apelação / Remessa Necessária n. 0313408-14.2016.8.24.0023, da Capital, rel. Des. Francisco Oliveira Neto, j. 02.04.2019). (TJSC, Apelação Cível n. 1013976-91.2013.8.24.0023, da Capital, rel. Cid Goulart, Segunda Câmara de Direito Público, j. 05-11-2019).

Do Superior Tribunal de Justiça, destaca-se:

[...] SERVIDOR PÚBLICO. RESTITUIÇÃO AO ERÁRIO DE VALORES PAGOS INDEVIDAMENTE POR ERRO OPERACIONAL DA ADMINISTRAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. PERCEPÇÃO DE BOA-FÉ. PRECEDENTES. SÚMULA 568/STJ. AGRAVO INTERNO DESPROVIDO. (AgInt no AREsp 1295872/RJ, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, j. 14.8.2018)

ADMINISTRATIVO. RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. SERVIDOR PÚBLICO TEMPORÁRIO. PAGAMENTO INDEVIDO POR ERRO DA ADMINISTRAÇÃO NO ENQUADRAMENTO. VALORES RECEBIDOS DE BOA-FÉ. INDEVIDA A RESTITUIÇÃO. PROVIMENTO DO RECURSO. 1. A Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça, "ao julgar o MS 19.260/DF, no dia 03/09/2014, da relatoria do Min. Herman Benjamin, decidiu, por unanimidade, ser descabida a devolução ao Erário de valores recebidos pelo servidor, nos casos em que o pagamento reputado indevido se deu por erro de cálculo ou operacional da Administração, o que evidencia a boa-fé objetiva do servidor no recebimento da verba alimentar" (AgRg no AREsp 766.220/DF, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, DJe 12/11/2015). 2. No presente caso, verifica-se a existência de erro exclusivamente da Administração, consubstanciado no equivocado enquadramento da recorrente na Classe C, Nível I, da Tabela de Cargos e Salários de Professores do SECITEC, equiparando, por consequência, seu salário à remuneração de professor portador do título de mestre. Descabida, portanto, a devolução dos valores recebidos de boa-fé pela recorrente. 3. "O elemento configurador da boa-fé objetiva é a inequívoca compreensão, pelo beneficiado, do caráter legal e definitivo do pagamento" (REsp 1.657.330/RS, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, DJe 25/04/2017). 4. Recurso ordinário provido. (RMS 55.045/MT, rel. Min. SÉRGIO KUKINA, PRIMEIRA TURMA, j. 20.3.2018)

Ou seja, não apenas o erro decorrente da má interpretação da lei autorizava a devolução, mas também aquele promovido por erro operacional/material da Administração e sem a participação do servidor (ausência de má-fé).

Atualmente, a posição do Superior Tribunal de Justiça é, de fato, a de distinguir os erros administrativos (operacional ou de cálculo) daqueles causados por má interpretação da lei. É o que se colhe do julgamento do citado Tema 1.009, no qual foi fixada a seguinte tese:

Os pagamentos indevidos aos servidores públicos decorrentes de erro administrativo (operacional ou de cálculo), não embasado em interpretação...

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