Acórdão Nº 0300744-89.2019.8.24.0040 do Segunda Câmara de Direito Comercial, 06-09-2022

Número do processo0300744-89.2019.8.24.0040
Data06 Setembro 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoSegunda Câmara de Direito Comercial
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Nº 0300744-89.2019.8.24.0040/SC

RELATORA: Desembargadora REJANE ANDERSEN

APELANTE: SALETE JOAO MIRANDA (AUTOR) ADVOGADO: FREDERICO CECY NUNES (OAB SC003282) APELANTE: BANCO INTER S.A. (RÉU) ADVOGADO: LUIS FELIPE PROCOPIO DE CARVALHO (OAB MG101488) APELADO: OS MESMOS

RELATÓRIO

Salete João Miranda ajuizou ação de restituição de valores c/c indenização por dano moral (RMC) em desfavor de Banco Inter S.A., ao argumento de que sofreu descontos indevidos em seu benefício previdenciário, oriundos de contrato de cartão de crédito com reserva de margem consignável, o qual aduz ter sido firmado mediante o desvirtuamento da real operação de crédito que pretendia contratar.

O Togado singular concedeu os benefícios da justiça gratuita (evento 3).

A casa bancária apresentou contestação (evento 12).

Réplica no evento 15.

Ato contínuo, sobreveio sentença (evento 29), na qual foi decretada a revelia da parte ré, da qual se extrai a seguinte parte dispositiva:

Ante o exposto, nos termos do artigo 487, I, do Código de Processo Civil, JULGO PROCEDENTES os pedidos formulados na peça inicial, para:

a) declarar inexistentes os débitos decorrentes da contratação realizada entre as partes (Evento 12, Doc. 05), devendo a parte requerida se abster de realizar qualquer desconto no benefício previdenciário da parte autora referente à contratação aqui discutida;

b) condenar a parte ré à restituição dos valores pagos pela parte autora indevidamente, na forma dobrada, acrescidos de juros de mora de 1% (um por cento) ao mês e correção monetária, desde o pagamento de cada parcela, valores esses que deverão ser efetivamente comprovados em sede de cumprimento de sentença;

c) condenar a parte ré ao pagamento de indenização por danos morais em favor da parte autora no valor de R$10.000,00 (dez mil reais), atualizado monetariamente pelo INPC, e acrescido de juros moratórios, no percentual de 1% (um por cento) ao mês, ambos a partir do trânsito em julgado desta sentença, conforme fundamentação supra.

Condeno a parte ré, ainda, ao pagamento das custas processuais, bem como ao pagamento dos honorários advocatícios da parte ex adversa, que se fixa em 10% (dez por cento) sobre o valor atualizado da condenação, a teor do disposto no artigo 85, §2º, do Código de Processo Civil.

Publique-se. Registre-se. Intimem-se.

Com o trânsito em julgado, arquivem-se.

Inconformada com o decisum de primeiro grau, a casa bancária interpôs recurso de apelação (evento 33), no qual sustentou: 1) a ausência de comprovação de descontos em razão da reserva de margem consignável; 2) a inexistência de dano moral ou, alternativamente, a minoração da indenização.

A parte autora, por sua vez, apresentou recurso de apelação (evento 41), oportunidade em que pugna pela necessidade de fixação do termo inicial dos juros de mora da indenização dos danos morais a partir do evento danoso.

Contrarrazões de ambas as partes litigantes (evento 49 e 51).

Após, ascenderam os autos a esta Corte de Justiça.

É o relatório.

VOTO

Tratam-se de recursos de apelação interpostos contra sentença que, no âmbito da presente ação, julgou parcialmente procedentes os pedidos formulados na peça exordial.

1 Insurgências da casa bancária

1.1 Legalidade do contrato firmado entre as partes

Alega a casa bancária apelante que a sentença singular deve ser reformada tendo em vista que ficou comprovado que a autora, ora apelante/apelada, realizou a contratação da operação de empréstimo consignado na modalidade "cartão de crédito consignado" e, por consectário, autorizou os descontos efetuados no seu benefício previdenciário a título de reserva de margem consignável. Sustenta, ademais, a ausência de comprovação de descontos em razão de reserva de margem consignável.

Da análise detida dos autos em epígrafe, depreende-se que a celeuma principal cinge-se na verificação da (i)legalidade da contratação de empréstimo consignado, por meio de cartão de crédito com reserva de margem consignável (RMC), a existência do efetivo desconto em razão da reserva de margem consignável e, também, na averiguação da existência de eventual vício de consentimento em relação à referida contratação.

Compulsando detidamente o caderno processual verifica-se por incontroverso, que houve transação formalizada pelas partes para realização de empréstimo, o qual se consolidou por meio do documento denominado "Termo de Adesão Cartão de Crédito Consignado INTERMEDIUM e Autorização para Desconto em Folha de Pagamento" (evento 12, CONTR19).

Entretanto, apesar do referido documento estar formalmente perfeito e possuir a assinatura da requerente, ora apelante/apelada, o contexto fático-probatório coligido nos autos revela uma ilicitude na referida contratação, a qual se materializa no fato de que houve um desvirtuamento da real intenção da demandante que, ao que tudo indica, desejava apenas realizar um empréstimo de dinheiro, sem, contudo, adquirir/contratar qualquer cartão de crédito.

Doutro vértice, dessume-se dos autos que a instituição financeira recorrente sequer comprovou o envio ou a efetiva entrega do aludido cartão no endereço da recorrente, o que poderia ser facilmente provado por meio da apresentação de documento idôneo assinado pela requerente.

Ademais, observa-se que a parte autora trouxe aos autos extrato de pagamentos do seu benefício previdenciário (evento 1, INF5), o qual demonstra a diminuição dos seus proveitos em razão da reserva de margem consignável.

Sendo assim, tem-se por evidente que a pretensão do autor, ora apelado, era firmar, tão somente, o denominado "empréstimo consignado puro e simples", com parcelas fixas e preestabelecidas e não a de adquirir cartão de crédito que, conforme já salientado, não foi sequer utilizado para aquisição de produtos e serviços de consumo (fim específico de um cartão de crédito).

Importante destacar, também, que diante das especificidades concernentes a quaestio ora debatida, torna-se imprescindível elucidar a diferença existente entre o empréstimo consignado simples e o empréstimo de numerário via cartão de crédito, o qual se dá por meio de reserva de margem consignável (RMC). A esse respeito, tem-se excerto extraído do voto proferido pelo eminente Desembargador Robson Luz Varella, nos autos da Apelação Cível n. 0301157-67.2017.8.24.0042, o qual esclarece as características e diferenças pertinentes as mencionadas operações financeiras.

Vejamos:

Sobre essas duas modalidades de mútuo bancário, o Banco Central do Brasil define como "empréstimo consignado aquele cujo desconto da prestação é feito diretamente em folha de pagamento ou benefício previdenciário. A consignação em folha de pagamento ou de benefício depende de autorização prévia e expressa do cliente à instituição financeira concedente" (http://www.bcb.gov.br/pre/bc_atende/port/consignados.asp).

Já a jurisprudência esclarece que no empréstimo por intermédio de cartão de crédito com margem consignável, coloca-se "à disposição do consumidor um cartão de crédito de fácil acesso ficando reservado certo percentual, dentre os quais poderão ser realizados contratos de empréstimo. O consumidor firma o negócio jurídico acreditando tratar-se de um contrato de empréstimo consignado, com pagamento em parcelas fixas e por tempo determinado, no entanto, acaba por aderir a um cartão de crédito, de onde é realizado um saque imediato e cobrado sobre o valor sacado, juros e encargos bem acima dos praticados na modalidade de empréstimo consignado, gerando assim, descontos por prazo indeterminado [...]" (Tribunal de Justiça do Maranhão, Apelação Cível n. 043633, de São Luis, Rel. Cleones Carvalho Cunha). [...]" (Apelação Cível n. 0300673-62.2018.8.24.0092, da Capital, rel. Des. Robson Luz Varella, Segunda Câmara de Direito Comercial, j. 20-11-2018).

Tendo em vista os esclarecimentos alhures, é muito improvável que o consumidor submeter-se-ia a um contrato de cartão de crédito sem a intenção de fazer uso deste, simplesmente porque não o queria ou porque não saberia da sua finalidade. Ora, se a intenção da requerente era empréstimo de pecúnia, não haveria razão lógica para contratar cartão de crédito com desconto de margem consignável apenas para esse fim específico.

De mais a mais, não é crível que a casa bancária demandada tenha prestado informações claras e adequadas sobre a viabilidade da requerente formalizar contrato de empréstimo por outros meios (menos onerosos), destacando as diferenças dos custos e encargos. Fosse assim, não haveria dúvidas que a requerente iria utilizar-se do meio menos custoso, ou seja, o empréstimo consignado "simples", com juros reduzidos, números de prestações e, principalmente, com termo final.

Logo, em que pese a requerente ter lançado sua assinatura nos documentos, sobressai límpida a existência de mácula na manifestação de vontade desta (apelante/apelada), porquanto há fortes indícios de que a casa bancária requerida, ora insurgente, não prestou informações claras e adequadas acerca da modalidade contratual firmada entre as partes (empréstimo de dinheiro por meio de contratação de cartão de crédito), a qual é extremamente mais onerosa para o consumidor.

Diante destas constatações, tem-se que a conduta perpetrada pela casa bancária apelante/apelada afetou a boa-fé objetiva, razão pela qual fica evidente a nulidade da avença firmada entre as partes.

A respeito da quaestio, tem-se o seguinte julgado deste Areópago:

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE RELAÇÃO JURÍDICA C/C INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA. RECURSO DA AUTORA. ALEGAÇÃO DE NULIDADE DO CONTRATO DE CARTÃO DE CRÉDITO COM RESERVA DE MARGEM CONSIGNÁVEL. BANCO RÉU QUE, VIOLANDO O DIREITO DE INFORMAÇÃO, INTERFERIU DIRETAMENTE NA MANIFESTAÇÃO DE VONTADE DA CONSUMIDORA, ENSEJANDO NA ACEITAÇÃO DE CONTRATO INEVITAVELMENTE MAIS ONEROSO DENTRE OS DISPONÍVEIS. CONTRATO NULO. DANO MORAL EVIDENTE. ATENTADO CONTRA VERBA DE SUBSISTÊNCIA. JUROS DE MORA DA CITAÇÃO E CORREÇÃO MONETÁRIA DO ARBITRAMENTO. ÔNUS SUCUMBENCIAL INVERTIDO.

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