Acórdão Nº 0300747-27.2018.8.24.0057 do Sexta Câmara de Direito Civil, 04-02-2020

Número do processo0300747-27.2018.8.24.0057
Data04 Fevereiro 2020
Tribunal de OrigemSanto Amaro da Imperatriz
ÓrgãoSexta Câmara de Direito Civil
Classe processualApelação Cível
Tipo de documentoAcórdão




Apelação Cível n. 0300747-27.2018.8.24.0057, de Santo Amaro da Imperatriz

Relator: Desembargador André Carvalho

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO CONDENATÓRIA À INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS. INTERRUPÇÃO ABRUPTA NO FORNECIMENTO DE ENERGIA ELÉTRICA. PARALISAÇÃO DO PROCESSO DE SECAGEM DO FUMO EM ESTUFA. PERDA NA QUALIDADE DA PRODUÇÃO. PROCEDÊNCIA NA INSTÂNCIA DE ORIGEM.

RECURSO DA CONCESSIONÁRIA.

QUESTÃO PRELIMINAR. JULGAMENTO ANTECIPADO DA LIDE. CERCEAMENTO DE DEFESA. INOCORRÊNCIA. ADEQUAÇÃO DA MEDIDA AO CASO CONCRETO.

Não há cerceamento de defesa quando a instrução se afigura inadequada a influenciar no convencimento do julgador, aplicando-se o julgamento antecipado.

OBRIGAÇÃO INDENITÁRIA. FALHA NO SERVIÇO PRESTADO SOB A MODALIDADE DE CONCESSÃO. OMISSÃO ESPECÍFICA. RESPONSABILIDADE OBJETIVA EM RELAÇÃO AOS DANOS CAUSADOS AOS USUÁRIOS (ART. 37, § 6º, DA CRFB/1988 E ART. 14 DO CDC).

Seja em face do art. 37, § 6º, da Constituição Federal, ou à luz do disposto no art. 14 do Código de Defesa do Consumidor, remanesce a responsabilidade objetiva nos casos de interrupção injustificada da prestação dos serviços por concessionária de energia elétrica.

NEXO DE CAUSALIDADE. LIAME SUBJETIVO INCONTESTE ENTRE OS DANOS À PRODUÇÃO DE FUMO E A INTERRUPÇÃO DO SERVIÇO DE ENERGIA. LAUDO TÉCNICO. PRODUÇÃO UNILATERAL PELA PARTE AUTORA. IDONEIDADE À PROVA DO DANO. PRECEDENTES DESTA CORTE.

Consoante posição pacífica nesta Corte, é viável a utilização de perícia unilateral para comprovação dos danos causados à produção de fumo, sobretudo em face de impugnação genérica da concessionária de energia elétrica.

HONORÁRIOS RECURSAIS. RECURSO DA RÉ CONHECIDO E DESPROVIDO.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível n. 0300747-27.2018.8.24.0057, da comarca de Santo Amaro da Imperatriz 1ª Vara em que é Apelante Cooperativa de Prestação de Serviços Públicos de Distribuição de Energia Elétrica Senador Esteves Júnior CEREJ e Apelado Vilson Marian.

A Sexta Câmara de Direito Civil decidiu, por votação unânime, conhecer do recurso e negar-lhe provimento, majorando-se a verba advocatícia, à guisa de honorários recursais em favor do patrono da parte autora, na forma da fundamentação. Custas na forma da lei.

Participaram do julgamento, realizado nesta data, os Exmos. Srs. Des. André Luiz Dacol e Des. Gerson Cherem II.

Florianópolis, 04 de fevereiro de 2020

Desembargador André Carvalho

Relator


RELATÓRIO

Adoto, por economia processual e em homenagem à sua completude, o relatório da sentença (fl. 68):

Trata-se de ação de indenização por perdas e danos ajuizada por Vilson Marian em face da Cooperativa de Eletricidade Rural Senador Esteves Junior, por meio da qual objetiva ser ressarcido pelos danos decorrentes da perda de sua safra de fumo, ocasionada pela interrupção do fornecimento de energia elétrica à estufa em que o produto permanecia em cura.

Citada, a parte ré apresentou resposta em forma de contestação dizendo não ter responsabilidade quanto aos prejuízos alegados pelo autor. Por fim, pugnou pela improcedência dos pedidos deduzidos na inicial.

Réplica às fls. 59/61.

A requerida apresentou pedido de realização de prova testemunhal e pericial.

Vieram-me conclusos.

É o relatório.

Sobreveio sentença nos seguintes termos (fl. 74):

Antes o exposto, JULGO PROCEDENTE o pedido formulado por Vilson Marian, na forma do artigo 487, inciso I, do Código de Processo Civil e, em consequência, CONDENO a Cooperativa de Eletricidade Rural Senador Esteves Junior a indenizar o prejuízo que a parte autora sofreu em decorrência dos fatos narrados na inicial, cujo valor é de R$ 14.476,00 (quatorze mil, quatrocentos e setenta e seis reais), a ser corrigido monetariamente pelo INPC a contar da data dos laudos periciais (16/04/2018), e acrescido de juros de mora contados da citação (art. 405 do Código Civil).

Condeno a parte ré ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, os quais fixo no valor de 10% (dez por cento) sobre o valor da causa, conforme art. 85, § 2º, do CPC.

Publique-se. Registre-se. Intimem-se.

Ultimadas as providências necessárias, arquive-se, dando-se baixa no sistema.

Opostos aclaratórios pela requerida (fls. 77-80), foram rejeitados (fls. 81-82).

Inconformada, a parte ré manejou o recurso de fls. 87-94, asseverando, preliminarmente, cerceamento de defesa, em flagrante ofensa ao contraditório e à ampla defesa, pois, embora tenha se manifestado requerendo a produção de provas orais (depoimentos pessoas) e periciais (em razão da impugnação específica do laudo), o magistrado optou pelo julgamento antecipado da lide. Destarte, requereu a cassação da sentença e o retorno dos autos à origem, a fim de que seja promovida a instrução probatória.

No mérito, arguiu que os danos materiais alegadamente suportados não foram comprovados, ônus que incumbia ao requerente - que não é afastada nem mesmo diante da sua responsabilidade objetiva. Nesse sentido, requereu a reforma da sentença a fim de que os pedidos exordiais sejam julgados improcedentes e o apelado seja condenado ao pagamento das verbas sucumbenciais.

Contrarrazões às fls. 100-105.

Este é o relatório.


VOTO

Registro inicialmente que, tendo a ação sido ajuizada já sob a égide do Código de Processo Civil de 2015, são desnecessárias discussões relativas ao direito processual aplicável à espécie.

Por preencher os pressupostos de admissibilidade, o recurso deve ser conhecido.

Como visto, trata-se de apelação cível interposta por Cerej - Cooperativa de Eletricidade Rural Senador Esteves Júnior em "ação de indenização por perdas e danos" movida por Vilson Mariam em seu desfavor, tendo o magistrado a quo julgado procedentes os pedidos declinados à petição inicial.

Ab initio, vale gizar que a circunstância relativa à ocorrência das quedas de energia elétrica restou incontroversa ao longo da instrução, porquanto afirmado pela parte autora e reconhecido pela demandada (fl. 23), limitando-se o apelo à abordagem de teses jurídicas com o fito de afastar a obrigação indenitária, devendo o reclamo ser apreciado sob essa perspectiva.

Pois bem, impende registrar que o caso vertente atrai a incidência da legislação consumerista, vez que a Apelante enquadra-se de maneira precisa no art. 3º, caput, do Código de Defesa do Consumidor, in verbis: "Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços".

Dessarte, em face da normativa inserta no art. 14 do pergaminho de regência, tem-se que a empresa ré, na qualidade de fornecedora dos serviços de energia elétrica, deve responder objetivamente "pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos".

Outrossim, a parte autora também se subsome ao conceito de consumidor encartado no art. 2º daquele diploma, que assim dispõe: "Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final".

Segundo ensinamento de Flávio Tartuce e Daniel Amorim Assumpção Neves, à luz da "teoria finalista aprofundada" (ou mitigada) - a qual vem prevalecendo no âmbito do Superior Tribunal de Justiça -, desvela-se que "o enquadramento do consumidor dependerá da presença de uma parte qualificada como grande ou pequena, forte ou fraca", vez que o ponto chave para a quaestio repousa sobre a eventual hipossuficiência do adquirente do produto ou dos serviços (TARTUCE, Flávio; NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de Direito do Consumidor. 6ª Edição. Rio de Janeiro: Forense, 2017, p. 92-101).

Sobre o tema, do Tribunal da Cidadania, colhe-se:

AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL CIVIL. PROCESSO CIVIL. RECURSO MANEJADO SOB A ÉGIDE DO CPC/73. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. RECURSO ESPECIAL. PESSOA JURÍDICA. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. APLICAÇÃO DO CDC. TEORIA FINALISTA MITIGADA. PRESCRIÇÃO QUINQUENAL. ART. 27 DO CDC. SÚMULA Nº 83 DO STJ. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO.

1. Inaplicabilidade do NCPC a este julgamento ante os termos do Enunciado nº 1 aprovado pelo Plenário do STJ na sessão de 9/3/2016: Aos recursos interpostos com fundamento no CPC/1973 (relativos a decisões publicadas até 17 de março de 2016) devem ser exigidos os requisitos de admissibilidade na forma nele prevista, com as interpretações dadas até então pela jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça.

2. A jurisprudência desta Corte tem mitigado os rigores da teoria finalista para autorizar a incidência do CDC nas hipóteses em que a parte (pessoa física ou jurídica), embora não seja tecnicamente a destinatária final do produto ou serviço, se apresente em situação de vulnerabilidade. Tem aplicação a Súmula nº 83 do STJ.

3. Agravo regimental não provido. (STJ, AgRg no AREsp 646.466/ES, rel. Min. Moura Ribeiro, Terceira Turma, j. 07-06-2016 - grifou-se).

E da jurisprudência catarinense, destaca-se:

DIREITO DO CONSUMIDOR - MICROEMPRESÁRIO INDIVIDUAL - PRODUTO ADQUIRIDO COMO INSTRUMENTO DE TRABALHO - CONCEITO DE CONSUMIDOR - TEORIA FINALISTA MITIGADA - PRECEDENTES DO STJ - VULNERABILIDADE DEMONSTRADA - APLICABILIDADE DO REGIME CONSUMERISTA.

A jurisprudência assente do Superior Tribunal de Justiça adotou a respeito da concepção de consumidor a teoria finalista mitigada, a qual estende a aplicação das normas protetivas constantes no Código de Defesa do Consumidor a determinados consumidores profissionais de produtos ou serviços, desde que comprovada vulnerabilidade em relação ao fornecedor. (TJSC, Agravo de Instrumento n. 2015.072971-1, de São José, rel. Des. Luiz Cézar Medeiros, Quinta Câmara de Direito Civil, j. 29-02-2016 - grifou-se).

No caso em apreço,...

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