Acórdão Nº 0300758-79.2019.8.24.0038 do Terceira Câmara de Direito Civil, 26-07-2022

Número do processo0300758-79.2019.8.24.0038
Data26 Julho 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoTerceira Câmara de Direito Civil
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Nº 0300758-79.2019.8.24.0038/SC

RELATOR: Desembargador FERNANDO CARIONI

APELANTE: CONSÓRCIO CONSTRUTOR SALINI IMPREGILO - CIGLA (AUTOR) APELADO: AUTOPISTA LITORAL SUL S.A. (RÉU)

RELATÓRIO

Adota-se o relatório da sentença recorrida, de pleno conhecimento das partes, proferida no pedido de tutela cautelar antecedente convertida em ação pelo procedimento comum ajuizada pelo Consórcio Construtor Salini Impregilo - CIGLA contra Autopista Litoral Sul S.A.

Ao sentenciar o feito, a MMa. Juíza de Direito da 2ª Vara Cível da Comarca de Joinville, Dra. Caroline Bündchen Felisbino Teixeira, consignou na parte dispositiva:

"Isso posto, com fulcro no art. 487, I, do Código de Processo Civil, JULGO IMPROCEDENTES os pedidos iniciais.

"Revogo os efeitos da decisão do Evento 18, DEC439, no ponto em que concedeu parcialmente a tutela cautelar para que a ré suspendesse qualquer ato comissivo (ou omissivo) que pudesse resultar na excussão da apólice de seguro garantia n. 02-0776-0221528 e da carta de fiança bancária n. 180020417.

"Confirmo a ordem cautelar de Evento 56 e determino seja encaminhada cópia da presente decisão, que valerá como ofício, à Secretária da Corte Internacional de Arbitragem Câmara de Comércio Internacional, dando ciência àquele juízo arbitral do conteúdo da presente decisão e para que encerre o requerimento de arbitragem n. 24809/PFF.

"Em consequência, condeno a parte ativa ao pagamento das custas processuais e dos honorários advocatícios sucumbenciais, os quais arbitro em 10% (dez por cento) do valor da causa do pedido principal (CPC, art. 85, § 2º) (Evento 90 dos autos de origem)."

Inconformada, a autora Consórcio Construtor Salini Impregilo - CIGLA interpôs recurso de apelação (Evento 97 dos autos de origem), no qual sustentou, em preliminar: a) a existência de decisão surpresa, pois a sentença fundamenta-se na higidez da rescisão contratual mediante a aplicação da Cláusula 2.6 do contrato; todavia, nesta ação as partes não debateram a aplicação dessa cláusula contratual; b) o cerceamento de defesa, diante do julgamento antecipado da lide, uma vez que as provas a serem produzidas, em especial a testemunhal e pericial, teriam o potencial de influenciar no julgamento da lide.

No mérito, relatou que a sentença recorrida julgou válida a rescisão operada pela concessionária apelada aplicando isoladamente a cláusula 2.6 do Contrato de empreitada por conta de dois dias não trabalhados em um contrato de 32 (trinta e dois) meses, bem como porque o consórcio não poderia suspender as obras sem "amparo judicial"; e, ainda, porque é inadmissível que as empresas como as consorciadas, por alegadamente serem capitalizadas e com atuação internacional, deixem de executar as obras.

Defendeu que não houve o exame da culpabilidade, bastando apenas dois dias de não-execução das obras, em um empreendimento cuja execução se arrasta por 10 (dez) anos, para legitimar o término da avença, com o que não se pode concordar em razão da falta de razoabilidade, do abuso de direito e da postura arbitrária.

Mencionou que o ato rescisório promovido pela apelada foi efetuado fora dos limites da cláusula resolutiva expressa, tendo em vista que o contrato celebrado entre as partes textualmente exige, para qualquer resolução motivada por suspensão das obras, que duas condições sejam atendidas: (a) a suspensão deve ser "sem causa justificada" e (b) possuir um "período superior a 60 (sessenta) dias" (cláusula 16.3, "b").

Salientou que a sentença ignora por completo a disposição contratual (cláusula 16.3) e aplica a cláusula 2.6, como se pudesse haver leitura isolada de uma parte do contrato sem se atentar para o restante do instrumento celebrado entre as partes que deve ser interpretado de forma sistemática.

Destacou que o contrato sub judice previu outro remédio para paralisações simples, como a que ocorreu na espécie - a aplicação de multa (Cláusula 17.1, "b"); contudo, sem nunca ter aplicado uma multa sequer, partiu ela de pronto para a resolução contratual com base em um inadimplemento não enquadrável na cláusula resolutiva expressa do contrato.

Enfatizou ter apresentado fundada justificativa para ter paralisado as obras pelo período de dois dias.

Ressaltou que isso se deu por dois motivos: o primeiro deles é que desde o início dos trabalhos foram detectadas inconsistências de projeto da recorrida e, apesar de um sem-número de pedidos, a solução de engenharia de responsabilidade da concessionária apelada foi por ela alterada, o que fez o consórcio recorrente experimentar um déficit acumulado de exorbitantes R$ 39.000.000,00 (trinta e nove milhões de reais) nas obras, com uma projeção de prejuízo de mais de R$ 134.000.000,00 (cento e trinta e quatro milhões de reais), até o término da obra.

Defendeu que o segundo motivo para paralisação se deveu ao fato de que as partes chegaram à composição que levaria o contrato a ser executado somente até fevereiro de 2019. Esse foi o acordo de término amigável de novembro de 2018 efetuado para que o consórcio recorrente pudesse ter fôlego financeiro, honrar com os pagamentos de fornecedores e empregados, e concluir ao menos parcialmente os trabalhos. Por ele, para o que interessa à rescisão, combinou-se um novo adiantamento de R$ 10.000.000,00 (dez milhões de reais) que cobriria parte daquele déficit.

Acrescentou que o longo de dezembro de 2018, a recorrida efetuou a antecipação de R$ 2.900.000,00 (dois milhões e novecentos mil reais), fato este incontroverso; todavia, faltavam os R$ 7.100.000,00 (sete milhões e cem mil reais), o que inviabilizou a continuidade das obras.

Concluiu que esses são os fatores essenciais à compreensão dos acontecimentos e que não poderiam ser descurados, como o foram pela sentença objurgada.

Destacou que, por três vezes, no início de 2019, notificou a recorrida em caráter de urgência da essencialidade daquele novo adiantamento para poder continuar as obras.

Disse que tendo causado o desbalanceamento do contrato e inadimplido o próprio compromisso de adiantar valores, havia duplo inadimplemento da concessionária apelada em função do que não pode ela rescindir o contrato.

Asseverou que na sentença ainda se entendeu que, por possuírem as empresas do consórcio apelante "atuação global" e "receita bilionária", deveriam continuar com as obras independentemente dos prejuízos ou dos problemas de responsabilidade da recorrida. Esse pensamento, contudo, sem levar em consideração sequer a economia do próprio contrato, fere por completo a esfera do razoável e contraria a comutatividade contratual típica da empreitada ajustada, não encontrando respaldo algum no direito posto.

Esclareceu, ainda, que eventual suspensão das obras não dependia de prévio "amparo judicial" e que não houve nenhum "exercício arbitrário das próprias razões", conforme apontado na decisão impugnada.

Reafirmou que a não realização das obras, por meros dois dias, jamais poderia justificar o desfazimento unilateral de um contrato multimilionário de quase 3 (três) anos. Se ocorre assim em qualquer obra de menor escala, com muito mais razão em obras da magnitude do Contorno Viário de Florianópolis, cujos trabalhos já se arrastam por mais de 10 (dez) anos, ao passo que deveriam ter sido concluídos em 2012 - muito antes da contratação do consórcio recorrente.

Acrescentou que, com sua expulsão do canteiro de obras, noticiou a grande imprensa que as obras encontravam-se em grande parte abandonadas, sendo inegável a irrelevância daqueles dois dias de não retomada das obras após o recesso de janeiro, tal como sempre sustentou nesses autos.

Concluiu que resta inequívoco que a sentença objurgada não efetuou uma interpretação sistemática do contrato na aplicação (surpresa) da cláusula 2.6; descurou das exigências da própria cláusula resolutiva expressa (cláusula 16.3, 'b'); reconheceu uma rescisão fora dos limites da cláusula resolutiva expressa; não efetuou sequer um exame de culpabilidade da suspensão e presumiu que a não-execução das obras, por dois dias, seja suficiente para dar por terminado um contrato multimilionário de 32 (trinta e dois) meses.

Esclareceu, outrossim, que em sua notificação rescisória, de apenas uma lauda, a recorrida sequer efetuou explicação dos motivos pelo qual rescindiu o contrato, nenhuma justificativa concreta, afora a não-execução dos trabalhos por dois dias, fora dada que pudesse ao menos caracterizar descumprimentos enquadráveis nas hipóteses da cláusula resolutiva expressa mencionadas no ato rescisório (cláusula 16.3, 'a', 'c' e 'd').

Arguiu que, nesses autos, a recorrida passou a modificar e a emendar as razões para ter lançado mão do remédio resolutório, tendo afirmado, na contestação ao pedido cautelar, que o "motivo que levou a Ré a rescindir o contrato foi o descumprimento do índice de produtividade", argumento novo nunca antes revelado, nem em juízo e muito menos fora dele, o qual não foi sequer devidamente comprovado, tendo ela juntado apenas documento unilateral para demonstrar acusações de improdutividade.

Defendeu, por outro lado, a necessidade de reconhecimento do acordo de término amigável pactuado entre as partes em novembro de 2018, ficando de fora desta ação a apreciação da validade da convenção de arbitragem, negócio jurídico autônomo por lei e que cabe aos árbitros a primazia de avaliar.

Relatou que a sentença, com equívoco, julgou que nenhum acordo poderia ser entendido válido sem um aditivo formal.

Sustentou que, muito embora se aduza na sentença ser essa a visão desta egrégia Terceira Câmara de Direito Civil, quando julgou a existência de convenção de arbitragem, entende que, ao menos no tocante às deliberações que tratam da execução das obras, há relevantes razões de fato e de direito que atestam a validade do acordo de término amigável, sobretudo em função de a própria recorrida ter dado cumprimento a ele enquanto lhe interessava.

Esclareceu que o acordo de término amigável de novembro de 2018 visava pôr um fim consensual à relação entre partes...

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