Acórdão Nº 0300830-06.2017.8.24.0113 do Segunda Câmara de Direito Comercial, 07-12-2021

Número do processo0300830-06.2017.8.24.0113
Data07 Dezembro 2021
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoSegunda Câmara de Direito Comercial
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Nº 0300830-06.2017.8.24.0113/SC

RELATORA: Desembargadora REJANE ANDERSEN

APELANTE: KAEMA EMPREENDIMENTOS IMOBILIARIOS LTDA ADVOGADO: JULIO CESAR DALMOLIN (OAB PR025162) ADVOGADO: Jair Antonio Wiebelling (OAB PR024151) ADVOGADO: MARCIA LORENI GUND (OAB PR029734) APELANTE: ITAU UNIBANCO S.A. ADVOGADO: JULIANO RICARDO SCHMITT (OAB SC020875) RÉU: OS MESMOS

RELATÓRIO

Kaema Empreendimentos Imobiliários Ltda ajuizou ação ordinária de cobrança em desfavor de Itaú Unibanco S.A, pretendendo a revisão da legalidade das cláusulas constantes no contrato de abertura de crédito em conta corrente ag. 3761, conta 04600-6 junto à casa bancária.

A instituição financeira apresentou contestação (evento 13).

Réplica (evento 16).

Ato contínuo, sobreveio sentença (evento 28), da qual se extrai a seguinte parte dispositiva:

Ante o exposto, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTES os pedidos formulados na presente ação de cobrança/revisão de contrato proposta por Kaema Empreendimentos Imobiliários Ltda contra Itaú Unibanco S/A para, em consequência: a) reconhecer a incidência das normas de proteção de consumo (CDC) e a respectiva inversão do ônus da prova; b) rejeitar a produção de outros meios de prova, especialmente a pericial; c) limitar os juros remuneratórios do contrato de abertura de crédito da conta corrente n. 04600-6 da agência 3761 à taxa média de mercado divulgada pelo Bacen em relação a todos os períodos em que houve utilização do limite de crédito, salvo se a exigida por inferior, mais benéfica ao consumidor; d) rejeitar o pedido de afastamento da capitalização dos juros; e) determinar a restituição dos valores pagos a maior pela parte autora, na forma simples, corrigida monetariamente pelo INPC/IBGE e acrescido de juros de mora de 1% ao mês a contar de cada desembolso. Considerando a sucumbência recíproca, CONDENO cada parte ao pagamento de metade das custas e despesas processuais, bem como honorários advocatícios que fixo em R$ 2.000,00 (dois mil reais), sendo metade para ao(s) procurador(es) de cada parte adversa, na forma dos artigos 85, § 8º e 86, parágrafo único,do Código de Processo Civil de 2015, considerando o inestimável proveito econômico. Publique-se. Registre-se. Intimem-se.

Inconformada com o decisum de primeiro grau, a parte autora interpôs recurso de apelação (evento 33), pugnando a declaração de ilegalidade na capitalização de juros diária pactuada na avença e a condenação da casa bancária ré ao pagamento total das custas e honorários advocatícios.

Por sua vez, a casa bancária interpôs recurso de apelação (evento 42), no qual aduziu, em síntese: a) a inaplicabilidade do CDC, uma vez que o autor não figura como consumidor final, assim como ausente de hipossuficiência técnica; b) a inexistência de juros abusivos na relação contratual; c) a aplicação da taxa selic; d) a impossibilidade de compensação em favor da parte autora, uma vez que inexiste quaisquer valores cobrados acima do devidamente pactuado; e) a condenação da parte autora ao pagamento total das custas e honorários advocatícios.

Contrarrazões de ambas as partes (eventos 41 e 50).

Após, ascenderam os autos a esta Corte de Justiça.

É o relatório.

VOTO

Tratam-se de recursos de apelação interpostos contra sentença que, no âmbito da presente ação, julgou parcialmente procedentes os pedidos formulados na peça exordial.

1 Aplicação do Código de Defesa do Consumidor

Insurge-se o banco em relação à aplicação do Código de Defesa do Consumidor (CDC), uma vez que o autor não figura como consumidor final, assim como ausente de hipossuficiência técnica.

Quanto ao tema, importante registrar-se que o Código de Defesa do Consumidor diz:

''Art. 2º Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final.

[...]

Art. 3º Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção ou comercialização de produtos ou prestação de serviços.

§ 1º Produto é qualquer bem, móvel ou imóvel, material ou imaterial.

§ 2º Serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista''.

E, sabendo-se que na relação entre o tomador do empréstimo e a casa bancária, a parte hipossuficiente é o consumidor, seja pelo lado econômico ou técnico, o que traz à lume que o intuito da ação é a revisão de encargos contratuais decorrentes de uma relação de consumo e de dano causado pela instituição financeira.

Da narrativa dos fatos, extrai-se que a relação entre as partes foi a de consumo, porquanto a instituição financeira recorrida, na condição de fornecedora, concedeu financiamento à recorrente, na condição de consumidora.

Neste sentido já decidiu esta Corte:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE RELAÇÃO JURÍDICA C/C PLEITOS DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E REPETIÇÃO DO INDÉBITO DE VALORES DESCONTADOS DO BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO DA AUTORA A TÍTULO DE RESERVA DE MARGEM CONSIGNÁVEL - RMC. DECISÃO AGRAVADA QUE NÃO INVERTEU O ÔNUS DA PROVA E DETERMINOU A EMENDA DA INICIAL PARA QUE A DEMANDANTE COMPROVASSE O PRÉVIO REQUERIMENTO ADMINISTRATIVO DE EXIBIÇÃO DA AVANÇA OBJETO DA PRETENSÃO AUTORAL, SOB PENA DE INDEFERIMENTO DA INICIAL. RECLAMO DA REQUERENTE. ALEGADA A NECESSIDADE DE REFORMA DO INTERLOCUTÓRIO E INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA PARA DETERMINAR A APRESENTAÇÃO, PELA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA AGRAVADA, DA AVENÇA FIRMADA ENTRE AS PARTES. TESE ACOLHIDA. APLICABILIDADE DA SÚMULA N. 297 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA AO CASO CONCRETO. RELAÇÃO CONSUMERISTA INCONTROVERSA. DEVER DA CASA BANCÁRIA DE JUNTAR O CONTRATO CELEBRADO COM O ORA AGRAVANTE. EXEGESE DO ART. 6, VIII, DO CDC. ADEMAIS, DESNECESSIDADE DE COMPROVAÇÃO, PELA AUTORA, DE PRÉVIO REQUERIMENTO ADMINISTRATIVO DE EXIBIÇÃO DA AVENÇA. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO PARA REFORMAR O DECISUM OBJURGADO.

"[...] considerando não apenas a possibilidade de inversão do ônus da prova ante a hipossuficiência do consumidor perante o banco, mas também que o contrato entabulado é documento comum entre as partes, cabível a determinação para que a instituição financeira exiba o documento objeto da demanda, independentemente de prévio requerimento administrativo. A propósito: "o correntista não precisa exaurir previamente a via administrativa para o fim de, em juízo, obter a exibição de documento comum". (TJSC, Apelação Cível n. 2014.025850-1, de Joinville, rel. Des. Jânio Machado, j. 03-07-2014). [...]" (Apelação Cível n. 0007130-21.2012.8.24.0020, de Criciúma, rel. Des. Newton Varella Júnior, Segunda Câmara de Direito Comercial, j. 3-10-2017) (Agravo de Instrumento n. 4007872-91.2019.8.24.0000, de Brusque, rel. Rejane Andersen, Segunda Câmara de Direito Comercial, j. 18-6-2019).

E, ainda:

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO CUMULADA COM INDENIZATÓRIA POR DANOS MORAIS. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA. RECURSO DO BANCO RÉU. RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA COM FUNDAMENTO NAS NORMAS DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. CONCEITO DE CONSUMIDOR POR EQUIPARAÇÃO (ARTIGOS 17 E 29 DO CDC).

INEXISTÊNCIA DA DÍVIDA GERADORA DA NEGATIVAÇÃO EM ÓRGÃOS DE PROTEÇÃO AO CRÉDITO. IMPOSSIBILIDADE DE A PARTE AUTORA PROVAR FATO NEGATIVO. PROVA DIABÓLICA. ÔNUS DA PROVA QUE INCUMBIA À INSTITUIÇÃO FINANCEIRA QUE SE AFIRMA CREDORA. INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA DETERMINADA "INITIO LITIS." ABSOLUTA CARÊNCIA DE ELEMENTOS DE PROVA ACERCA DA OBRIGAÇÃO CONTRAÍDA PELA DEMANDANTE PERANTE O BANCO RÉU. INSCRIÇÃO INDEVIDA EM CADASTRO DE PROTEÇÃO AO CRÉDITO. DANO MORAL "IN RE IPSA" RESPONSABILIDADE OBJETIVA À LUZ DO ARTIGO 14 DO CDC. DEVER DE INDENIZAR INAFASTÁVEL.

É pacífico no ordenamento pátrio que, havendo cobrança indevida, com a respectiva inscrição do nome do prejudicado em cadastro de proteção ao crédito, fica configurado o dever de indenizar, independentemente de culpa, quando estiver a se tratar de relação consumerista, à luz do artigo 14, do Código de Defesa do Consumidor.

[...] RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO (Apelação Cível n. 0000184-22.2012.8.24.0056, de Santa Cecília, rel. Luiz Zanelato, Primeira Câmara de Direito Comercial, j. 1-8-2019).

Portanto, escorreita foi a sentença ao aplicar os dispostos do Código de Defesa do consumidor.

Assim, o recurso merece ser desprovido no ponto, uma vez que a relação entre as partes é caracterizada como relação de consumo e a aplicação do CDC, no...

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