Acórdão Nº 0300831-18.2017.8.24.0007 do Quarta Câmara de Direito Civil, 15-09-2022

Número do processo0300831-18.2017.8.24.0007
Data15 Setembro 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoQuarta Câmara de Direito Civil
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Nº 0300831-18.2017.8.24.0007/SC

RELATOR: Desembargador JOSÉ AGENOR DE ARAGÃO

APELANTE: JANAINA STOPAZZOLLI EUGENIA APELANTE: SPE - DELTAVILLE EMPREENDIMENTOS IMOBILIARIOS LTDA RÉU: OS MESMOS

RELATÓRIO

SPE - Deltaville Empreendimentos Imobiliários Ltda., devidamente qualificada, opôs embargos de declaração contra o acórdão proferido em recurso de apelação n. 0300831-18.2017.8.24.0007, alegando, em síntese, a verificação de omissões e contradições no decisório objurgado (evento 81).

Requer, assim, o acolhimento dos presentes aclaratórios para: a) aplicar a "Lei de Parcelamento do Solo Urbano, com consequente a fastamento da conclusão de abusividade das cláusulas de retenção, devido à especialidade desta norma ao caso, apreciando e declarando como válidas as retenções nos termos do recurso de apelação"; b) suprimir "a omissão e contradição na análise do pedido subsidiário de fixação da cláusula penal em ao menos 25% dos valores pagos (sem pre juízo da taxa de fruição)"; c) "sanar a omissão e contradição na fundamentação sobre a impossibilidade de cumulação da taxa de fruição com a multa contratual da cláusula penal, vez que ambas possuem naturezas distintas, sendo inaplicável ao caso o Tema 970 do STJ, não se podendo ignorar que com o retorno das partes ao status quo ante, tendo a Embargante que devolver os valores pagos, deve a Embargada indenizá-la pelo período em que o bem ficou indisponível (ela gozou do bem e da in fraestrutura do empreendimento desde a imissão na posse, que ocorreu na assinatura do contrato) enquanto a Embargante foi privada de dar-lhe a melhor destinação econômica (1% ao mês sobre o valor atualizado do imóvel, durante todo o período de ocupação do bem (incidindo desde o momento da posse precária)"; e, d) como consequência, redistribuir os ônus sucumbenciais.

Por fim, almeja o prequestionamento dos dispositivos legais elencados no reclamo.

Com contrarrazões (evento 88).

Este é o relatório.

VOTO

Presentes os pressupostos de admissibilidade, o recurso merece ser conhecido.

Inicialmente, esclarece-se que são oponíveis os embargos de declaração nos casos de obscuridade, contradição ou omissão do julgado, conforme dispõe o art 1.022 do Código de Processo Civil de 2015, in verbis:

Art. 1.022. Cabem embargos de declaração contra qualquer decisão judicial para:

I - esclarecer obscuridade ou eliminar contradição;

II - suprir omissão de ponto ou questão sobre o qual devia se pronunciar o juiz de ofício ou a requerimento;

III - corrigir erro material.

Parágrafo único. Considera-se omissa a decisão que:

I - deixe de se manifestar sobre tese firmada em julgamento de casos repetitivos ou em incidente de assunção de competência aplicável ao caso sob julgamento;

II - incorra em qualquer das condutas descritas no art. 489, § 1º.

Sobre os aclaratórios, lecionam Nelson Nery Jr. e Rosa Maria Andrade Nery:

"Os Edcl têm finalidade de completar a decisão omissa ou, ainda, de aclará-la, dissipando obscuridades ou contradições. Não têm caráter substitutivo da decisão embargada, mas sim integrativo ou aclaratório. Como regra, não têm caráter substitutivo, modificador ou infringente do julgado. Não mais cabem quando houver dúvida na decisão (CPC 535 I, redação da L 8950/94 1º)". (Código de Processo Civil comentado e legislação processual civil extravagante. 9ª ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: RT, 2006, p. 785-786).

No mesmo diapasão, Humberto Theodoro Júnior esclarece:

"O pressuposto de admissibilidade dessa espécie de recurso é a existência de dúvida, obscuridade ou contradição no acórdão, ou omissão de algum ponto sobre que devia pronunciar-se o Tribunal (art. 535, ns. I e II). Se o caso é de omissão, o acórdão dos embargos supri-la-á, decidindo a questão que, por lapso, escapou à decisão embargada. No caso de dúvida, obscuridade ou contradição, o acórdão será expungido, eliminando-se o defeito da decisão recorrida. Em qualquer caso, a substância do julgado será mantida, visto que os embargos de declaração não visam a reforma do acórdão." (Curso de direito processual civil. v. 1. Rio de Janeiro: Forense, 1990, p. 632-633).

Logo, por se tratar de via recursal de exceção, conclui-se que os embargos de declaração devem ser opostos quando constatada a existência de omissão, contradição e obscuridade, ou, ainda, para a correção de erro material na decisão impugnada.

Em suas razões, a embargante aduz a verificação de omissões e contradições no decisório objurgado.

Requer, assim, o acolhimento dos presentes aclaratórios para: a) aplicar a "Lei de Parcelamento do Solo Urbano, com consequente a fastamento da conclusão de abusividade das cláusulas de retenção, devido à especialidade desta norma ao caso, apreciando e declarando como válidas as retenções nos termos do recurso de apelação"; b) suprimir "a omissão e contradição na análise do pedido subsidiário de fixação da cláusula penal em ao menos 25% dos valores pagos (sem pre juízo da taxa de fruição)"; c) "sanar a omissão e contradição na fundamentação sobre a impossibilidade de cumulação da taxa de fruição com a multa contratual da cláusula penal, vez que ambas possuem naturezas distintas, sendo inaplicável ao caso o Tema 970 do STJ, não se podendo ignorar que com o retorno das partes ao status quo ante, tendo a Embargante que devolver os valores pagos, deve a Embargada indenizá-la pelo período em que o bem ficou indisponível (ela gozou do bem e da in fraestrutura do empreendimento desde a imissão na posse, que ocorreu na assinatura do contrato) enquanto a Embargante foi privada de dar-lhe a melhor destinação econômica (1% ao mês sobre o valor atualizado do imóvel, durante todo o período de ocupação do bem (incidindo desde o momento da posse precária)"; e, d) como consequência, redistribuir os ônus sucumbenciais.

Todavia, em que pese a argumentação deduzida, o reclamo não comporta acolhimento.

Isso porque, compulsando os autos, denota-se que o acórdão hostilizado está devidamente fundamentado, não havendo qualquer elemento que dê azo ao acolhimento dos aclaratórios, na medida em que a matéria declinada no recurso interposto pela parte embargante foi devidamente debatida em sua integralidade. Vejamos (evento 76):

"Inicialmente, sustenta a parte ré que negar a legalidade e aplicabilidade das cláusulas contratuais ou lhes alterar os percentuais de retenção implica, ao contrário do disposto na sentença, em enriquecimento sem causa da apelada. Consequentemente, aduz que a sentença deve ser reformada a fim de declarar a aplicação dos contratos firmados entre as partes na íntegra.

A par disso, requer o conhecimento da presente apelação e o seu provimento para que seja reformada a sentença a fim de reconhecer: a) a aplicação da cláusula contratual que prevê a taxa de fuição; b) sejam declaradas válidas as cláusulas contratuais questionadas pela apelada e, consequentemente, seja modificada a proporção de retenção e devolução de valores; e c) seja alterado o ônus da sucumbência.

No entanto, sem razão a requerida.

Analisando o contrato de compromisso de compra e venda firmado entre as partes (doc. 5 - Evento 1, INF4 - fl. 5 - autos n. 0300831-18.2017.8.24.0007), denota-se que a cláusula 03.02 dispõe:

'03.02 - Optando a VENDEDORA pela hipótese prevista na letra "a" do item supra, após o COMPRADOR ser notificado judicialmente ou extrajudicialmente através do Cartório de Títulos e Documentos, via correio por AR ou edital (quando não for encontrado) não purgue a mora no prazo de até trinta dias, operar-se-á a rescisão, implicando na perda em favor da VENDEDORA, a título de cláusula pena, de 10% das quantias já pagas por conta do preço, além do pagamento de honorários de advogado, desde já fixados em 10%, conforme art. 395 do CC, estipulados sobre o valor atualizado do contrato e ainda, o ressarcimento da VENDEDORA das despesas realizadas com publicidade, impostos (IR, PIS, Cofins, CSLL) e taxas, prefixadas desde já em 11% do valor atualizado da transação.'

Do que se denota da disposição contratual supra mencionada, fica evidente a desproporcionalidade na cobrança de taxas e retenção excessivas, fazendo com que a rescisão contratual seja onerosa demais para o adquirente do imóvel.

Nesse sentido, como bem ressaltou o magistrado de primeiro grau, a cobrança de todas as taxas constantes no contrato mostram-se claramente abusivas, porquanto imputam ao consumidor/comprador retenção exagerada de valores.

Quanto ao tema, dispõe o Código de Defesa do Consumidor:

Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que:

II - subtraiam ao consumidor a opção de reembolso da quantia já paga, nos casos previstos neste código;

IV - estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a eqüidade;

Diante de tais premissas, verifica-se que sendo configuradas abusivas as cláusulas a luz da legislação consumerista, são, portanto, nulas de pleno direito, como, por exemplo, nos casos indicados no incisos II e IV do art. 51 do CDC.

Com isso, torna-se impossível considerar válida a cláusula 03.02, porque a aplicação de tal disposição causaria ao promitente comprador onerosidade exagerada, a ponto da receber montante ínfimo de devolução, comparado ao valor já quitado.

Desse modo, o Superior Tribunal de Justiça, ao decidir sobre o tema em apreço, decidiu que a incidência de multa rescisória deve ser fixada entre 10% a 25% (dez a vinte e cinco por cento) dos valores efetivamente pagos, nunca sobre o valor total do contrato.

É o entendimento jurisprudencial dominante:

"PROCESSO CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO NO RECURSO ESPECIAL. PROMESSA DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEL. INADIMPLÊNCIA. RESCISÃO CONTRATUAL. DEVOLUÇÃO DAS PARCELAS PAGAS. CABIMENTO. RETENÇÃO DE 25% EM BENEFÍCIO DO VENDEDOR. SÚMULA 83/STJ. AGRAVO NÃO PROVIDO.

1. O entendimento firmado no âmbito da Segunda Seção é no sentido de ser possível a resilição do compromisso de...

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