Acórdão Nº 0300846-35.2016.8.24.0067 do Segunda Câmara de Direito Civil, 08-10-2020

Número do processo0300846-35.2016.8.24.0067
Data08 Outubro 2020
Tribunal de OrigemSão Miguel do Oeste
ÓrgãoSegunda Câmara de Direito Civil
Classe processualApelação Cível
Tipo de documentoAcórdão


Apelação Cível n. 0300846-35.2016.8.24.0067, de São Miguel do Oeste

Relator: Desembargador Rubens Schulz

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL COM PEDIDO DE RETRATAÇÃO PÚBLICA. OFENSA POR VEREADOR MUNICIPAL DURANTE SESSÃO DA CÂMARA. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA. RECURSO DA AUTORA.

ALMEJADO O DEVER DE INDENIZAR O ALEGADO DANO MORAL, SOB O FUNDAMENTO DO ABALO ANÍMICO CAUSADO DECORRENTE DAS SUPOSTAS OFENSAS CONTRA SI. INSUBSISTÊNCIA. VEREADOR, ORA RÉU, QUE DURANTE O SEU PRONUNCIAMENTO NO DEBATE POLÍTICO NÃO ULTRAPASSOU OS LIMITES DA FUNÇÃO PÚBLICA E ATUOU DENTRO DA CIRCUNSCRIÇÃO DO MUNICÍPIO. DEMAIS VEREADORES QUE, IGUALMENTE, MENCIONARAM OS PROBLEMAS VIVENCIADOS NA CÂMARA MUNICIPAL, EXPONDO AS QUESTÕES ATINENTES AO SETOR PÚBLICO DURANTE O DEBATE. RÉU QUE ESTÁ AMPARADO PELA IMUNIDADE PARLAMENTAR, NOS TERMOS DO ART. 29, VIII, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. PRECEDENTES. INEXISTÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DOS REQUISITOS DA RESPONSABILIDADE CIVIL. DEVER DE INDENIZAR NÃO CONFIGURADO. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA MANTIDA.

RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. FIXAÇÃO DE HONORÁRIOS RECURSAIS.

- "Os vereadores gozam de imunidade parlamentar material, o que lhes resguarda de sanções civis e penais por suas opiniões, palavras e votos, independentemente de seu conteúdo, porquanto exercício regular do direito, desde que: a) guardem pertinência com o exercício do mandato; e b) tenham sido proferidas nos limites da circunscrição do Município, sob pena de responsabilização, por abuso do direito, sem prejuízo, em todo caso, da aplicação de sanções administrativas, no âmbito interno da própria Câmara de Vereadores, bem como políticas, próprias do Estado Democrático" (TJSC, Apelação Cível n. 0301773-26.2015.8.24.0070, rel. Des. Henry Petry Júnior).



Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível n. 0300846-35.2016.8.24.0067, da comarca de São Miguel do Oeste (2ª Vara Cível), em que é Apelante Danielle Fernanda Pretto Kelm e Apelado Idemar José Guaresi.

A Segunda Câmara de Direito Civil decidiu, por votação unânime, conhecer e negar provimento ao recurso de apelação interposto, fixando-se honorários recursais em favor do patrono do réu equivalentes a 20% (vinte por cento) do valor a esse título arbitrado na sentença. Custas legais.

Participaram do julgamento, realizado nesta data, o Exmo. Sr. Des. Rubens Schulz, presidente com voto, a Exma. Sra. Desa. Rosane Portella Wolff e o Exmo. Sr. Des. Monteiro Rocha.

Florianópolis, 8 de outubro de 2020.



Desembargador Rubens Schulz

Relator





RELATÓRIO

Danielle Fernanda Pretto Kelm ajuizou a presente "ação de indenização por danos morais c/c pedido de retratação pública em tribuna legislativa e jornais" em face de Idemar José Guaresi. Sustentou, em síntese, que é funcionária pública municipal, exercendo o cargo de engenheira civil, nível A, do grupo ATNS-II, cargo conquistado mediante concurso público, estando lotada na Secretaria Municipal de Desenvolvimento Urbano do quadro pessoal efetivo dos servidores do Município de São Miguel do Oeste – SC. Relatou que, passados 13 (treze) anos de sua nomeação, continua se dedicando ao seu trabalho de forma assídua e com zelo, contudo, afirmou que na sessão da Câmara Municipal do dia 3-3-2016, o vereador Idemar José Guaresi, ora réu, ao fazer uso de sua palavra na tribuna, passou a ofendê-la, questionando seu trabalho, sua índole e proferindo falsas acusações, imputando-lhe fato ofensivo ao afirmar que teria burlado uma junta médica. Discorreu que esse fato lhe resultou em danos à sua moral, porquanto alegou que "foi pega de surpresa e estarrecida com tais afirmações, sendo que no mesmo dia a noite foi interpelada pelos colegas de trabalho, vizinhos e conhecidos, que tiveram conhecimentos da sessão da Câmara, refletindo em grande ofensa e abalo a sua moral". Narrou que não possui inimizade com o réu, desconhecendo a razão das ofensas proferidas contra à sua moral. Por essas razões, pleiteou o julgamento de procedência da ação, condenando o réu ao pagamento de indenização por dano moral no valor de R$ 15.000,00 (quinze mil reais), assim como a retratação pública do réu realizada na tribuna legislativa no limite temporal da ofensa, e ainda em nota escrita em 2 (dois) jornais de circulação municipal, devendo este comprovar a devida publicação e condenar o réu ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios. Por derradeiro, juntou documentos aos autos (fls. 1-23).

Citado, o réu apresentou contestação, defendendo que sua manifestação ocorreu durante um debate parlamentar a respeito de problemas reconhecidos publicamente com o departamento de engenharia. Sustentou que as alegações ocorreram dentro do respeito de sua imunidade parlamentar. Alegou que, por ser a autora funcionária pública, é alvo de "avaliações constantes de seus atos e, bem por isto, é obrigado a conviver com as críticas lhe são lançadas - dentro da legalidade, bem visto -, bem porque isto é uma das facetas da democracia". Assim, pugnou pela improcedência dos pedidos iniciais (fls. 32-41).

Houve réplica (fls. 47-52).

Conclusos os autos, sobreveio sentença, na qual o magistrado a quo julgou improcedentes os pedidos iniciais, condenando a autora ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, estes fixados em 10% (dez por cento) sobre o valor atualizado da causa (fls. 58-61).

Irresignada, a autora interpôs o presente recurso de apelação, objetivando, em suma, a reforma da sentença para a condenação do réu ao pagamento de indenização por dano moral (fls. 77-88).

O prazo para apresentação das contrarrazões transcorreu in albis (fl. 93).

Após, ascenderam os autos a esta eg. Corte de Justiça.

Este é o relatório.





VOTO

Presentes os requisitos objetivos e subjetivos de admissibilidade, conhece-se do recurso e passa-se ao exame do seu objeto, à luz do Código de Processo Civil de 2015, pois a sentença recorrida foi publicada já na sua vigência (4-7-2019 – fl. 62).

Destaca-se, ademais, que a apreciação do presente recurso, em detrimento de outros que estão há mais tempo conclusos neste gabinete, não afronta o critério cronológico de julgamento dos processos, previsto no art. 12 do Código de Processo Civil. Ao revés, valendo-se da interpretação do parágrafo 2º do referido artigo, tratando-se de causa relativamente simples, antecipar o seu julgamento privilegia a celeridade e a economia processual e contribui para o desafogamento do Judiciário, uma das diretrizes da novel legislação.

1 RESPONSABILIDADE CIVIL E DEVER DE INDENIZAR

Inicialmente, a respeito da responsabilidade civil, o Código Civil dispõe:

Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.

E, em complemento, o art. 927, caput, do mesmo diploma legal assenta que "aquele que por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo".

À vista disso, é cediço que para que se afigure a responsabilidade do réu e, consequentemente, o dever de indenizar, é necessária a comprovação da conduta ilícita culposa, a existência de dano passível de indenização e o nexo de causalidade entre ambos (demonstração de que o dano moral e/ou material sofrido decorre de conduta perpetrada pelo réu).

In casu, alega a autora é funcionária pública do município de São Miguel do Oeste – SC e que o réu, durante a sessão da Câmara Municipal do dia 3-3-2016, ao fazer uso de sua palavra na tribuna, passou a ofendê-la, questionando seu trabalho, sua índole e proferindo falsas acusações, imputando-lhe fato ofensivo ao afirmar que teria burlado uma junta médica.

Assevera que esse fato lhe resultou em danos à sua moral, porquanto os colegas de trabalho e vizinhos tiveram conhecimento acerca do ocorrido, causando-lhe humilhação.

O réu, por sua vez, defende que sua manifestação ocorreu durante um debate parlamentar a respeito de problemas reconhecidos publicamente com o departamento de engenharia. Sustenta que as alegações ocorreram dentro do respeito de sua imunidade parlamentar.

Alega, ainda, que por ser a autora funcionária pública, é alvo de "avaliações constantes de seus atos e, bem por isto, é obrigado a conviver com as críticas lhe são lançadas - dentro da legalidade, bem visto -, bem porque isto é uma das facetas da democracia", argumentando a inexistência do dever de indenizar.

Pois bem.

No particular, não pairam dúvidas de que o caso em exame retrata o conflito entre bens jurídicos constitucionalmente protegidos. Ao mesmo tempo que, de um lado, os vereadores gozam de uma imunidade parlamentar material, assegurada pela Constituição Federal, em seu art. 29, VIII: "inviolabilidade dos Vereadores por suas opiniões, palavras e votos no exercício do mandato e na circunscrição do Município", proteção adicional à liberdade de expressão e de pensamento com o intuito de garantir a naturalidade do debate político, previstas nos artigos 1º, V, 5º, IV, VIII e IX e 220, caput e § 2º, da Carta Magna, à autora, por outro prisma, é garantido a inviolabilidade da vida privada, da honra e da imagem, bem como a indenização pelos danos decorrentes de sua violação, nos termos do art. 5º, V e X, da Carta Constitucional.

Compulsando os autos, denota-se que durante a sessão legislativa os vereadores tratavam de questões atinentes à Câmara Municipal, relacionadas ao projeto de abertura de novas vagas para cargos no município e da insuficiência de verba para a realização do pagamento, assim como da qualidade dos serviços públicos, tendo o réu se pronunciado no decorrer do debate político acerca...

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