Acórdão Nº 0300900-02.2017.8.24.0023 do Quarta Câmara de Direito Civil, 07-10-2021

Número do processo0300900-02.2017.8.24.0023
Data07 Outubro 2021
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoQuarta Câmara de Direito Civil
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Nº 0300900-02.2017.8.24.0023/SC

RELATOR: Desembargador LUIZ FELIPE SCHUCH

APELANTE: VALMIR LEMOS APELANTE: ELISA TREPTOW MARQUES APELANTE: DANIEL TREPTOW MARQUES LEMOS APELANTE: ANTONIO CARLOS RODRIGUES MARQUES APELANTE: LIANA TREPTOW MARQUES APELADO: AIR CANADA

RELATÓRIO

Acolho o relatório da sentença (evento 22 dos autos de primeiro grau), de lavra da Juíza de Direito Eliane Alfredo Cardoso de Albuquerque, por contemplar precisamente o conteúdo dos presentes autos, ipsis litteris:

Valmir Lemos, Elisa Treptow Marques Lemos, Daniel Treptow Marques Lemos, Antônio Carlos Rodrigues Marques e Liana Treptow Marques, qualificados à fl. 01, ajuizaram a presente ação de indenização por perdas e danos em face de Air Canadá, também qualificada nos autos, alegando que adquiriram passagens de ida com saída de Porto Alegre/Miami - Miami/Toronto - Toronto/Ottawa - Ottawa/Vancouver - Vancouver/Calgary e de retorno Calgary/Toronto - Toronto/Miami - Miami/Rio de Janeiro - Rio de Janeiro/Porto Alegre. Disseram que no voo de ida não tiveram nenhum problema, porém na volta ao desembarcar em Toronto para conexão com destino a Miami - dia 30/07/2016 - começaram a surgir os problemas, uma vez que com a demora na imigração perderam a conexão do próximo voo e os voos seguintes estavam todos lotados, bem como também estavam lotados quase todos os hoteis da cidade, vindo a conseguir quartos vagos no hotel Fairmont Hotal, uma dos mais caros da cidade, sem poder contar com nenhum auxílio da parte ré. Informaram que somente conseguiriam voo para Miami para o dia 01/08/2019, mas que não tinha mais voos de Miami para o Brasil, pois estavam todos lotados em razão dos jogos olímpicos no Rio de Janeiro, razão pela qual os autores tinham que optar por viajar até Miami e lá aguardar até conseguir um voo para o Brasil ou permanecer em Toronto e tentar comprar outro voo para o Brasil e diante dos possíveis gastos com essa espera em Miami, decidiram optar por ficar em Toronto e comprar as primeiras passagens possíveis direto para o Brasil. Aduziram que somente em 05/08/2016 conseguiram embarcar em voo da Copa Airlines de Toronto para Porto Alegre, chegando no dia 06/08/2016, sendo que os autores Antônio e Liana ficaram em Porto Alegre e os demais embarcaram para Florianópolis em possuem residência. Asseveraram que por falta de organização da ré, precisaram permanecer mais 6 (seis) dias em Toronto do que planejado, o que gerou gastos estrondosos com hospedagem, alimentação, vestuário e novas passagens aéreas para o Brasil, o que não foi reembolsado pela ré, fazendo com que os autores tivessem os limites de seus cartões de crédito estourados. Registraram que a ré não forneceu nenhuma declaração ou qualquer documento acerca do ocorrido, bem como negou-se a custear as despesas dos autores, que perderam as passagens de Toronto/Miami/Rio de Janeiro em classe executiva e as dos trechos Rio de Janeiro/Porto Alegre/Florianópolis em classe econômica. Além disso, mencionaram que os transtornos causados no fim da viagem de férias estragou os maravilhosos dias que tinham passeado pelos Estados Unidos da América e Canadá e a demora na volta fez com quem perdessem dias de trabalho e um dispêndio financeiro enorme, não previsto, por culpa e desorganização da ré, razão pela qual pugnam pela procedência da demanda com a condenação da ré ao pagamento de indenização por danos materiais no importe de R$ 32.512,70, a condenação ao pagamento de indenização por lucros cessantes à autora Eliza no valor de R$ 4.010,30, bem como ao pagamento de indenização por danos morais em valor equivalente a 20 salários mínimos para cada autor. Citada, a ré apresentou contestação às fls. 91/109, alegando em sua defesa que os autores perderam a seu voo por conta da demora no setor alfandegário, setor completamente distinto da empresa ré, fora de sua ingerência, não se tratando de falha na prestação de serviço prestado pela ré, uma vez que não houve nenhum cancelamento ou atraso no voo dos autores. Asseveraram que os autores perderam seu voo de conexão "por sua própria desídia ou, no máximo, por culpa da alfândega Canadense, mas em hipótese alguma por culpa da Air Canada" (fl. 93). Ademais, registrou ter sido registrado o "no-show" dos autores no voo de Toronto/Miami. Ainda, em sua tese de defesa alegou não ser sua responsabilidade sobre os procedimentos de imigração e que entre um voo e outro havia um lapso temporal de 6 (seis) horas, bem como a ausência de prova pela parte autora de que deixaram de embarcar por culpa da demora na alfândega. Alegou, também, que por não ter dado causa a perda do voo dos autores não tinha obrigação de fornecer qualquer auxílio material, pois tal responsabilidade só é imputada a empresa aérea quando há atraso, cancelamento, interrupção de voo ou preterição de embarque, conforme regra o art. 14 da Resolução n. 141/2010 da Anac, não existindo qualquer conduta ilícita da ré, tratando-se de culpa exclusiva dos autores ou de terceiros, propugnando pela improcedência da demanda. Por fim, para o caso de eventual condenação, pleitearam que seja fixado o valor em conformidade com os princípios da razoabilidade e proporcionalidade, evitando o enriquecimento sem causa. Houve réplica, ocasião em que a parte autora impugnou documentos juntados pela ré em sua peça defesa, ao argumento de que são genéricos e "são documentos que nada contribuem para a busca da verdade real do caso sob litígio" (fl. 209), bem como porque deveriam estar acompanhados da tradução não sendo permitidos documentos em língua estrangeira. A parte autora juntou documentos às fls. 226/235, sendo que intimada a parte ré se manifestou à fl. 239/242 alegando a preclusão da produção da prova documental. Instado, o Ministério Público se manifestou às fls. 256/257.

A Magistrada julgou improcedentes os pedidos exordiais, nos seguintes termos:

Em face do que foi dito, julgo improcedentes os pedidos formulados por Valmir Lemos, Elisa Treptow Marques Lemos, Daniel Treptow Marques Lemos, Antônio Carlos Rodrigues Marques e Liana Treptow Marques em desfavor de Air Canadá. Condeno os autores ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, estes fixados em 15% (quinze por cento) sobre o valor atualizado da causa (art. 85, §§2º e 6º, do CPC).

Irresignados com a prestação jurisdicional entregue, os autores interpuseram apelação, sob o principal argumento de que, "como já exposto e comprovado nos autos originais, toda a programação de voos e conexões foi elaborada e vendida pelo apelado, não restando aos apelantes nenhuma gerência neste quesito". Cuida-se, conforme alegam, de fato incontroverso. Esclarecem que, no momento da compra das passagens, apenas informaram os locais e as datas dos destinos à companhia aérea, que realizou a logística/plano de viagem. Salientam que "houve a negligência do apelado em programar as conexões sem o devido tempo necessário para os serviços de imigração, não um atraso imotivado dos apelantes". Sustentam não ser verdadeira a afirmação de que entre um voo e outro (Toronto-Miami) havia um lapso de 6 horas, mas sim de apenas 3 horas. Desse modo, defendem que não deve ser mantida a sentença que "equivocadamente entendeu que os apelantes é que não tiveram cuidado nas escolhas dos trechos aéreos, ainda, que não restou comprovado o dano e o vínculo causal dos danos causados pelo apelado". Acrescentam, também, que foram impedidos de embarcarem no avião, que se encontrava em solo com o acesso (finger) acoplado na aeronave e com suas bagagens devidamente inseridas no compartimento de carga. Postulam a incidência do art. 21, IV, da Resolução da Anac n. 400/2016. Fazem menção à responsabilidade civil objetiva do fornecedor do serviço, de acordo com o art. 14 do Código de Defesa do Consumidor. Sublinham o fato de que competia à empresa aérea (daquele país) ter conhecimento das rotinas dos aeroportos e alfândegas, bem como de datas festivas. Buscam a minoração dos honorários sucumbenciais para o percentual mínimo previsto (evento 38 dos autos de origem).

Contrarrazões no evento 42 dos autos de primeira instância.

Os autos ascenderam a este Tribunal de Justiça.

O Ministério Público, em parecer de lavra da Procuradora de Justiça Sonia Maria Demeda Groisman Piardi, opinou pelo desprovimento do recurso (evento 14).

VOTO

De início, assinalo que, não obstante a existência de outros feitos mais antigos no acervo de processos distribuídos a este Relator, a apreciação do presente recurso em detrimento daqueles distribuídos há mais tempo não significa violação ao disposto no art. 12, caput, do novo Código de Processo Civil, tendo em vista a exceção contida no § 2º, VII, segunda parte, do mesmo dispositivo legal.

O recurso preenche os requisitos extrínsecos e intrínsecos de admissibilidade, motivo pelo qual deve ser conhecido.

1 ATO ILÍCITO

O caso em apreço diz respeito à perda de voo em conexão em razão do atraso na imigração.

Compulsando os autos, constata-se que os autores adquiriram passagens aéreas para retornar ao Brasil, datadas de 30-7-2016, de acordo com o seguinte itinerário: embarque em Calgary (Canadá), com conexão em Toronto (Canadá) e destino à Miami (Estados Unidos).

O voo sentido Calgary-Toronto possuía previsão de saída às 7h30m e chegada às 13h12m, enquanto que o voo na direção Toronto-Miami partiria às 16h15m (petição 1, informação 9, dos autos de origem).

Como bem alegado pelos recorrentes, cuida-se de cerca de 3 horas de layover (tempo entre um voo e outro), e não de 6 horas como descrito na defesa e repetido na sentença (considerado o fuso horário, já que Toronto está 2 horas à frente de Calgary).

Ocorre que, no aeroporto de Toronto, os demandantes foram submetidos à imigração norte-americana, excepcionalmente realizada em solo canadense, em virtude de um acordo firmado entre os dois países.

Segundo alegado na exordial, esse procedimento gerou a perda da conexão (Toronto-Miami) face o atípico fluxo de passageiros na extensa e lenta fila de...

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