Acórdão Nº 0300904-23.2019.8.24.0135 do Terceira Câmara de Direito Público, 22-11-2022

Número do processo0300904-23.2019.8.24.0135
Data22 Novembro 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoTerceira Câmara de Direito Público
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Nº 0300904-23.2019.8.24.0135/SC

RELATOR: Desembargador JAIME RAMOS

APELANTE: PANDINI EMPREENDIMENTOS IMOBILIARIOS LTDA (IMPETRANTE) APELADO: Prefeito - MUNICÍPIO DE NAVEGANTES/SC - Navegantes (IMPETRADO) APELADO: MUNICÍPIO DE NAVEGANTES/SC (INTERESSADO) APELADO: Secretario de Planejamento Urbano - MUNICÍPIO DE NAVEGANTES/SC - Navegantes (IMPETRADO)

RELATÓRIO

Pandini Empreendimentos Imobiliários Ltda. impetrou mandado de segurança, com pedido liminar, contra ato do Prefeito e do Secretário Municipal de Planejamento Urbano do Município de Navegantes, que condiciona a aprovação do desmembramento de um imóvel de sua propriedade, com área de 2.533.510,78 m², em diversos lotes, à doação de parte considerável do imóvel ao Município, destinada a áreas verdes e à instalação de equipamentos urbanos e comunitários, além da criação de um sistema viário, conforme previsto nos arts. 327 e 332 da Lei Complementar Municipal n. 55/2008.

Disse que todos os lotes resultantes do desmembramento pretendido "confrontam com o sistema viário existente, sendo alguns com o sistema viário municipal e outros com a rodovia federal BR 470".

Alega que, "conforme determina o mapa de zoneamento anexo à LC 55/2008 (doc. 7), o imóvel em questão fica sobre a Macrozona Urbana de Indústrias e Serviços 2 pelo que, em decorrência da aplicação dos artigos 325 e 326, seria obrigada a doar à prefeitura um total de 25% da área do imóvel".

Entende, no entanto, que de acordo com a Lei Federal n. 6.766/1979, que dispõe sobre o parcelamento do solo urbano, essa pretendida doação (desapropriação) de parcela do imóvel é exigida apenas para o caso de loteamento, e não para o de desmembramento, motivo pelo qual a Lei Complementar Municipal n. 55/2008, no particular, ofende o direito de propriedade (art. 5º, inciso XXII, da CF) e, além disso, usurpou a competência privativa da União de legislar sobre desapropriação (art. 22, inciso II, da CF); que, por isso, é "inquestionável que a exigência feita pelo poder público ao particular para que este transfira sua propriedade, total ou parcialmente, é modalidade de desapropriação", daí por que deveria estar "acompanhada de justa e prévia indenização, o que não está previsto na LC 55/2008".

Afirma que a exigência de criação "de novo sistema viário, além do já existente e confrontante com todos os lotes a serem desmembrados, implica em violação frontal ao disposto no art. 2º, § 2º, da Lei 6.766/79, a qual é sobremaneira clara ao dispor que, no desmembramento, aproveitar-se-á o sistema viário existente".

Requereu o deferimento da liminar e, ao final, a concessão definitiva da ordem "para determinar que os impetrados se abstenham de exigir, para a aprovação de desmembramentos do imóvel de matrícula 28 do Registro de Imóveis de Navegantes, a criação de vias marginais à BR-470 e a doação de áreas previstas nos artigos 327 e 332 da LC 55/2008".

O pedido liminar foi indeferido.

Contra essa decisão, a impetrante interpôs agravo de instrumento, mas este Órgão Fracionário, por acórdão da lavra deste Relator, à unanimidade, negou provimento ao recurso.

Notificadas, as autoridades impetradas prestaram informações dizendo, em resumo, que de acordo com o Código Urbanístico do Município - Lei Complementar n. 55/2008, "para realização do desmembramento do solo, o Impetrante precisa doar 25% da área para o Município de Navegantes, conforme previsto em lei, não havendo qualquer ilegalidade a se apontar, já que os Impetrados estão apenas aplicando a lei local".

A impetrante reiterou o pedido de concessão da segurança.

A digna Juíza, Dra. Anuska Felski da Silva, proferiu sentença denegando a ordem.

Inconformada, a impetrante interpôs recurso de apelação repisando os argumentos expendidos na inicial, e sustentou que, em razão da inconstitucionalidade e ilegalidade, os impetrados "ao procederem à análise do pedido de desmembramento do imóvel registrado sob a matrícula n. 28 do Registro de Imóveis de Navegantes feito pela impetrante, não poderiam exigir o cumprimento da Lei Complementar Municipal 55/2008 (arts. 327 e 332) no tocante à doação de parcela do imóvel ao município, nem no que se refere à criação das vias marginais".

Os impetrados, embora tenham sido intimados, não apresentaram as contrarrazões, de sorte que os autos ascenderam a esta Superior Instância, perante a qual a douta Procuradoria-Geral de Justiça, com base em parecer exarado pela Exma. Sra. Dra. a Sonia Maria Demeda Groisman Piardi, opinou pelo desprovimento do recurso.

Os autos foram distribuídos inicialmente à Quinta Câmara de Direito Público, sob a relatoria do Desembargador Vilson Fontana, que, em razão do julgamento do Agravo de Instrumento n. 4013098-77.2019.8.24.0000 nesta Terceira Câmara de Direito Público, e por este Relator, determinou a redistribuição por prevenção.

VOTO

O inciso LXIX do art. 5º da Constituição Federal, reproduzido em termos pelo art. 1º, da Lei Federal n. 12.016, de 7/8/2009, efetivamente garante a todos a concessão de "mandado de segurança para proteger direito líquido e certo, não amparado por habeas corpus ou habeas data, quando o responsável pela ilegalidade ou abuso de poder for autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público".

No entanto, o direito líquido e certo a ser amparado por mandado de segurança deve vir comprovado desde logo com a impetração, porquanto nessa via processual não se admite dilação probatória para a sua comprovação.

HELY LOPES MEIRELLES, acerca do que se deve entender por direito líquido e certo, ensina:

"Direito líquido e certo é o que se apresenta manifesto na sua existência, delimitado na sua extensão e apto a ser exercitado no momento da impetração. Por outras palavras, o direito invocado, para ser amparável por mandado de segurança, há de vir expresso em norma legal e trazer em si todos os requisitos e condições de sua aplicação ao impetrante: se sua existência for duvidosa; se sua extensão ainda não estiver delimitada; se seu exercício depender de situações e fatos ainda indeterminados, não rende ensejo à segurança, embora possa ser defendido por outros meios judiciais.

"Quando a lei alude a direito líquido e certo, está exigindo que esse direito se apresente com todos os requisitos para seu reconhecimento e exercício no momento da impetração. Em última análise, direito líquido e certo é direito comprovado de plano. Se depender de comprovação posterior, não é líquido nem certo, para fins de segurança" (Mandado de Segurança. 33. ed. São Paulo: Malheiros, 2010. p. 37).

VICENTE GRECO FILHO, acerca da impossibilidade de dilação probatória em mandado de segurança, leciona:

"O pressuposto do mandado de segurança, portanto, é a ausência de dúvida quanto à situação de fato, que deve ser provada documentalmente. Qualquer incerteza sobre os fatos decreta o descabimento da reparação da lesão através do mandado, devendo a parte pleitear seus direitos através de ação que comporte a dilação probatória. Daí dizer-se que o mandado de segurança é um processo sumário documental, isto é, um processo rápido, concentrado, fundado em prova documental. No caso de não ser possível a apreciação do pedido por haver dúvida quanto à matéria de fato, por outro lado, pode o interessado propor a demanda adequada, não ocorrendo contra ele o fenômeno da coisa julgada" (Direito processual civil brasileiro. 12. ed. São Paulo: Saraiva, 1997. p. 308).

Então, a via do "writ of mandamus" é destinada à proteção de direito líquido e certo, cuja comprovação dos fatos e situações concretas para exercício do direito é verificada de plano, por prova pré-constituída incontestável, para que não pairem dúvidas ou incertezas sobre esses elementos.

Na espécie, a impetrante busca a aprovação do desmembramento de um imóvel urbano de sua propriedade, com área de 2.533.510,78 m², em diversos lotes, sem a obrigação de ter que doar parcela do terreno para o Município de Navegantes, destinada a áreas verdes e à instalação de equipamentos urbanos e comunitários, prevista no art. 327 da Lei Complementar Municipal n. 55/2008, nem a de ter que construir rua marginal paralela à faixa de domínio da BR-470, referida no art. 332 da LCM n. 55/2008.

A impetrante, ora apelante, entende que os arts. 327 e 332, da Lei Complementar n. 55/2008, do Município de Navegantes, contrariam a Lei Federal n. 6.766/1979, que dispõe sobre o parcelamento do solo urbano, porque a lei federal não exige, para fins de desmembramento de imóvel, a pretendida doação de parte do terreno.

Entende, ainda, que os aludidos dispositivos da lei local são inconstitucionais porque a exigência de doação de parcela do imóvel malfere o direito de propriedade (art. 5º, inciso XXII, da CF), mormente porque a doação, na verdade, configura uma desapropriação sem a justa indenização (art. 182, § 3º, da CF), e porque há também usurpação da competência privativa da União de legislar sobre desapropriação (art. 22, inciso II, da CF).

De outro lado, o Município de Navegantes sustenta, com base nos arts. 327 e 332 e anexos da Lei Complementar Municipal n. 55/2008, que "para realização do desmembramento do solo, o impetrante precisa doar 25% da área para o Município de Navegantes, conforme previsto em lei, não havendo qualquer ilegalidade a se apontar, já que os impetrados estão apenas aplicando a lei local".

Pois bem.

Registra-se, inicialmente, que a jurisprudência é firme no sentido de que é "inviável a impugnação de lei ou ato normativo em tese pela via excepcional do mandado de segurança", porque a "ação mandamental não é sucedânea de ação direta de inconstitucionalidade" (STF - AgR em MS n. 33.464/DF, Rel. Ministro Dias Toffoli, DJe de 6/5/2015).

No mesmo sentido:

"MANDADO DE SEGURANÇA CONSUMAÇÃO DO PRAZO DECADENCIAL DE CENTO E VINTE (120) DIAS (LEI Nº 12.016/2009, ART. 23) CONSEQUENTE EXTINÇÃO DO DIREITO DE IMPETRAR MANDADO DE SEGURANÇA ATO EM TESE INVIABILIDADE DA IMPUGNAÇÃO MEDIANTE AÇÃO MANDAMENTAL (SÚMULA 266/STF) PRECEDENTES RECURSO DE AGRAVO...

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