Acórdão Nº 0300905-83.2016.8.24.0047 do Sexta Câmara de Direito Civil, 13-09-2022

Número do processo0300905-83.2016.8.24.0047
Data13 Setembro 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoSexta Câmara de Direito Civil
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Nº 0300905-83.2016.8.24.0047/SC

RELATOR: Desembargador ANDRÉ CARVALHO

APELANTE: TRANSPORTADORA MATEUS LANDO LTDA (AUTOR) APELADO: DISTRIBUIDORA RIOMAFRENSE DE VEICULOS S/A (RÉU)

RELATÓRIO

Adoto, por economia processual e em homenagem à sua completude, o relatório de sentença do e. magistrado Felipe Nóbrega Silva, in verbis:

TRANSPORTADORA MATEUS LANDO LTDA - ME ajuizou a presente AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER C/C INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS em face de DIRMAVE - DISTRIBUIDORA RIOMAFRENSE DE VEÍCULOS S/A.A parte autora alegou na inicial que, no mês de maio de 2015, acordou com o requerido a compra de um veículo SpaceFox Highline 1.6 MSI, Total Flex, ano 2016, cor vermelho tornado, rodas de liga leve tamanho 16 polegadas, no valor de R$ 58.550,00.Para tanto, efetuou o pagamento a título de sinal no valor de R$ 25.000,00 e afirmou que a quantia remanescente seria paga no momento da entrega do veículo.Contudo, sustenta o autor que, após passado lapso de tempo, o requerido não logrou êxito em lhe fornecer o veículo nas características acordadas pelas partes.Sustentou também que, apesar do reembolso feito pelo requerido do valor dado como sinal, buscou manter o acordo entre as partes, reiterando o pedido pelo recebimento do veículo conforme acordado.Ante a não satisfação da obrigação por parte do requerido, ajuizou a presente demanda e requereu o cumprimento da obrigação de entregar veículo nos moldes como solicitado cumulado com pedido de indenização por danos morais no valor mínimo de R$ 20.000,00, além da incidência de juros e correção monetária, bem como o reconhecimento da relação de consumo e a incidência do Código de Defesa do Consumidor.Valorou a causa e juntou documentos (fls. 13/27).A tentativa de conciliação foi infrutífera (fl. 57), de modo que o requerido apresentou contestação e juntou documentos (fls. 58/66).Em sua peça de defesa, o requerido, em síntese, alegou falta de interesse processual do autor em virtude da devolução por parte do requerido da quantia de R$ 25.000,00 dada como sinal, que o autor estaria ciente que a entrega estava sujeita à disponibilidade do veículo por parte do fabricante, que buscou fornecer-lhe veículo com características semelhantes ao desejado.Requereu a improcedência da demanda com o afastamento da alegação de dano moral, a não incidência do Código de Defesa do Consumidor e que, caso acolhida a pretensão do autor, o valor do veículo a ser entregue seja aquele constante de tabela de preço público da data do faturamento.Houve réplica à contestação (fls. 70/72).O feito foi saneado, com deferimento da produção de prova oral (fl. 73), cuja audiência de instrução foi realizada à fl. 88.As partes apresentaram alegações finais às fls. 90/92 e 93/97.Os autos vieram conclusos para julgamento.É o relatório necessário.

A parte dispositiva é do seguinte teor, ex vi:

Ante o exposto, JULGO IMPROCEDENTE a pretensão deduzida na petição inicial, resolvendo-se o mérito, o que faço com fundamento no artigo 487, inciso I, do Código de Processo Civil.CONDENO a autora ao pagamento das custas processuais, com fundamento no artigo 82, §2º, do Código de Processo Civil. CONDENO, ainda, a parte autora ao pagamento de honorários advocatícios ao advogado da parte ré, com fulcro no artigo 85 do Código de Processo Civil, os quais arbitro em 10% sobre o valor atualizado da causa, considerando a natureza da demanda e o tempo exigido para elaboração das peças processuais, conforme critérios estabelecidos no §2º do referido dispositivo.

Irresignada com a prestação jurisdicional entregue, a Autora interpôs o presente recurso de Apelação Cível argumentando que: (i) ao revés do entendimento assentado à instância a quo, os presentes autos versam sobre relação de consumo, na medida que a Autora se enquadra no conceito de consumidor, em razão da vulnerabilidade técnica, financeira e jurídica; (ii) no particular, uma vez assumido o compromisso de entregar o veículo nas exatas características pactuadas, a parte devedora, ora vendedora, dever suportar todos os ônus advindos da pactuação. In casu, tem-se que a concessionária de veículos deve ser impelida a entregar o veículo automotor conforme previamente acordado entre as partes e, se assim não conseguir, a obrigação deve ser revertida em perdas e danos; (iii) sustenta que toda a expectativa criada pelo negócio jurídico encerrou no dever de indenizar, a título de danos morais. Isso porque, tratando-se de relação de consumo, a caracterização do abalo anímico indenizável é presumido.

Contrarrazões no evento 64.

Após, por sorteio, os autos vieram-me conclusos.

VOTO

Ab initio, uma vez que a ação foi proposta já na vigência do Código de Processo Civil de 2015, desnecessárias digressões acerca da legislação processual aplicável.

Isto posto, satisfeitos os pressupostos intrínsecos e extrínsecos de admissibilidade, o recurso merece ser conhecido.

Como visto, trata-se de Apelação Cível interposta por TRANSPORTADORA MATEUS LANDO LTDA, no bojo da presente "ação declaratória de obrigação de fazer/entregar c/c indenização por danos morais", movida por si em desfavor de DISTRIBUIDORA RIOMAFRENSE DE VEICULOS S/A, perante o juízo Papanduva (Vara Única), o qual julgou improcedentes os pedidos formulados à exordial.

Inicialmente, sustenta a Apelante que incide à lide o Código de Defesa do Consumidor, na medida que o bem pactuado junto à Apelada possuia, à época, destinação para uso próprio, diversamente do entendimento assentado pelo juízo a quo. Ademais, destaca que a relação entre as partes é consumerista sob a ótica da teoria finalista mistigada, porquanto a Autora deve ser considerada vulnerável sobre o aspecto financeiro, jurídico e técnico.

Por propício, segundo ensinamento de Flávio Tartuce e Daniel Amorim Assumpção Neves, à luz da "teoria finalista aprofundada" (ou mitigada) - a qual vem prevalecendo no âmbito do Superior Tribunal de Justiça -, desvela-se que "o enquadramento do consumidor dependerá da presença de uma parte qualificada como grande ou pequena, forte ou fraca", vez que o ponto chave para a quaestio repousa sobre a eventual hipossuficiência do adquirente do produto ou dos serviços (TARTUCE, Flávio; NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de Direito do Consumidor. 6ª Edição. Rio de Janeiro: Forense, 2017, p. 92-101).

Sobre o tema, do Tribunal da Cidadania (grifou-se):

AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL CIVIL. PROCESSO CIVIL. RECURSO MANEJADO SOB A ÉGIDE DO CPC/73. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. RECURSO ESPECIAL. PESSOA JURÍDICA. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. APLICAÇÃO DO CDC. TEORIA FINALISTA MITIGADA. PRESCRIÇÃO QUINQUENAL. ART. 27 DO CDC. SÚMULA Nº 83 DO STJ. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO.1. Inaplicabilidade do NCPC a este julgamento ante os termos do Enunciado nº 1 aprovado pelo Plenário do STJ na sessão de 9/3/2016: Aos recursos interpostos com fundamento no CPC/1973 (relativos a decisões publicadas até 17 de março de 2016) devem ser exigidos os requisitos de admissibilidade na forma nele prevista, com as interpretações dadas até então pela jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça.2. A jurisprudência desta Corte tem mitigado os rigores da teoria finalista para autorizar a incidência do CDC nas hipóteses em que a parte (pessoa física ou jurídica), embora não seja tecnicamente a destinatária final do produto ou serviço, se apresente em situação de vulnerabilidade. Tem aplicação a Súmula nº 83 do STJ.3. Agravo regimental não provido. (STJ, AgRg no AREsp 646.466/ES, rel. Min. Moura Ribeiro, Terceira Turma, j. 07-06-2016).

E da jurisprudência catarinense (destacou-se):

DIREITO DO CONSUMIDOR - MICROEMPRESÁRIO INDIVIDUAL - PRODUTO ADQUIRIDO COMO INSTRUMENTO DE TRABALHO - CONCEITO DE CONSUMIDOR - TEORIA FINALISTA MITIGADA - PRECEDENTES DO STJ - VULNERABILIDADE DEMONSTRADA - APLICABILIDADE DO REGIME CONSUMERISTA.A jurisprudência assente do Superior Tribunal de Justiça adotou a respeito da concepção de consumidor a teoria finalista mitigada, a...

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