Acórdão Nº 0300946-72.2016.8.24.0072 do Segunda Câmara de Direito Público, 30-03-2021

Número do processo0300946-72.2016.8.24.0072
Data30 Março 2021
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoSegunda Câmara de Direito Público
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão










Apelação Nº 0300946-72.2016.8.24.0072/SC



RELATOR: Desembargador SÉRGIO ROBERTO BAASCH LUZ


APELANTE: ASSOCIACAO BRASILEIRA DE ATEUS E AGNOSTICOS (AUTOR) APELADO: MUNICÍPIO DE TIJUCAS/SC (RÉU) APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA


RELATÓRIO


Trata-se de apelação cível interposta por ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE ATEUS E AGNÓSTICOS contra a sentença que, nos autos da Ação Civil Pública de obrigação de fazer c/c reparação de indenização por danos morais coletivos ajuizada pela ora apelante em face do MUNICÍPIO DE TIJUCAS/SC, julgou improcedentes os pedidos exordiais e julgou extinto o presente feito com resolução de mérito (Evento 33, Sentença 44, na origem).
Narra a parte apelante que "o Município de Tijucas construiu e mantém, com recursos públicos, uma "Praça da Bíblia" com um monumento em homenagem a este livro da doutrina cristã, em manifesta violação da laicidade do Estado".
Sustenta a parte insurgente que "a Laicidade do Estado é uma determinação constitucional e não atende apenas aos anseios de um grupo de ateus e agnósticos, pois a separação entre Estado e Igreja é do interesse de todos, independentemente de crenças ou descrenças religiosas, dentro dos princípios de um Estado Democrático de Direito norteados pela CF 88"; que "em relação ao argumento cultural trazido na sentença, vale ressaltar que este argumento foi recentemente rejeitado quando do julgamento da ADI 4893, que trava de uma Lei do Estado do Ceará que regulamentava a vaquejada e que foi declarada inconstitucional pela Suprema Corte, por entender que o argumento da cultura não pode se sobrepor a outros direitos quando conflitantes no interesse coletivo"; que "o constituinte de 88 reafirmou o caráter laico do Estado brasileiro, sendo dever do poder público, seja o Legislativo, Executivo ou Judiciário, aplicar e respeitar a Constituição, sem malabarismos jurídicos para justificar o injustificável, pois a Constituição é CLARA, em ser art. 19, I: O Estado não é ateu, confessional ou plurirreligioso: É LAICO!!!"; que "no tocante a religiosidade, o papel do Estado diz respeito unicamente a garantir a liberdade de crença e descrença dos indivíduos dentro da esfera PRIVADA. Ou seja, deve apenas garantir a prática de seus cultos e liturgias para os indivíduos ou entidades religiosas, sem qualquer subvenção do poder público nesse sentido"; que "é possível observar o arrepio ao princípio da Laicidade do Estado, além de violar de morte o princípio da igualdade, privilegiando determinado segmento religioso ao estabelecer relação jurídica diversa da cooperação de interesse público entre o requerido e crenças religiosas"; que a bíblia é um vetor de intolerância, pois ofende os ateus, os descrentes e os homossexuais, além de ser xenófoba.
A parte apelante traz, ainda, jurisprudência de diversos Tribunais a fim de corroborar o pocisionamento sobre o tema defendido.
Requer, nestes termos, "o total provimento da presente apelação, nos exatos termos da peça exordial", além da condenação do Município ao pagamento de Danos Morais Coletivos.
Contrarrazões apresentadas (Evento 52 e 56, na origem).
A douta Procuradoria-Geral de Justiça, em parecer exarado pelo Excelentíssimo Senhor Doutor Jacson Corrêa, manifestou-se pelo parcial provimento do recurso. (Evento 9).
Este é o relatório

VOTO


Cuida-se de apelação cível interposta por ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE ATEUS E AGNÓSTICOS contra a sentença que, nos autos da Ação Civil Pública de obrigação de fazer c/c reparação de indenização por danos morais coletivos ajuizada pela ora apelante em face do MUNICÍPIO DE TIJUCAS/SC, julgou improcedentes os pedidos exordiais e julgou extinto o presente feito com resolução de mérito (Evento 33, Sentença 44, na origem).
O cerne da questão envolve diretamente a construção e manutenção com recursos públicos pelo Município de Tijucas de uma praça, intitulada "Praça da Bíblia", que contém um monumento em homenagem a este livro da doutrina cristã, em suposta violação a laicidade do Estado.
A sentença foi de improcedência, e trouxe no bojo de sua fundamentação:
A denominada laicidade estatal é um princípio que opera em duas direções: de um lado resguarda as diversas confissões religiosas do risco de intervenções abusivas do Estado e, de outro, protege o Estado de influências indevidas oriundas da seara religiosa.
[...] De fato, a confusão ou mesmo uma forte conexão entre Estado e religião pode representar um meio de coerção - ainda que psicológico - sobre aqueles que não professam determinada crença, passando a mensagem de que seriam menos privilegiados ou até mesmo excluídos da comunidade.
Contudo, estabelecer uma neutralidade absoluta nesse sentido seria o mesmo que reconhecer a superioridade do princípio da laicidade em relação às demais garantias constitucionais - além de gerar certos problemas práticos.
Justamente por isso que alguns aspectos devem ser levados em consideração na presente decisão.
É inegável que nosso país foi colonizado e formado dentro de uma tradição cristã-católica, o que inevitavelmente leva a discussão para a questão da expressão cultural de nosso povo.
Ora, desde a Era Primitiva símbolos e sinais permeiam a vida da humanidade. Era através do uso dos símbolos - no caso, das inscrições rupestres - que os homens primatas demonstravam o modo em que viviam. É por meio de símbolos que uma instituição religiosa se diferencia da autora, sendo possível identificar seu semelhante no âmbito religioso mediante a apreciação de suas figuras, símbolos e registros documentais.
E, no Brasil, é incontestável que a presença de símbolos e referências religiosas do catolicismo está em toda parte: em nomes de cidades, estados e logradouros (Estado de São Paulo, Estado de Santa Catarina, Av.São João...), em monumentos (Imagem de Nossa Senhora dos Navegantes - em Navegantes/SC, o Cristo Redentor no Rio de Janeiro/RJ, nas Igrejas-Matrizes...), em feriados institucionalizados (Corpus Chisti, Páscoa, Natal...), etc
[...] Quanto ao aspecto prático da supressão de símbolos e referências religiosas encontradas por todo o país, bem observa o Des. relator Oscid de Lima no voto proferido no julgamento da 3008630-80.2013.8.26.0602, em 14/06/2016, pelo TJSP, que:
"O fato de alguém residir na Av.São João não o torna um cristão ou o obriga a mudar sua fé, porque o nome que ali é estampado é apenas uma expressão cultural que decorre da própria formação da nação."
E continua:
"A prevalecer a tese sustentada pelo autor, pergunta-se como seria feita esta depuração religiosa cultural? Quantos milhares de ações civis públicas terão que ser propostas para afastar esta tradição cristã?"
De fato, não se pode admitir que o Estado estabeleça um tratamento privilegiado a determinação expressão religiosa - e nem mesmo à doutrina que defende a sua total ausência - mas há que se diferenciar tratamento especial de privilegiado
[...] Importante também considerar que o Brasil, não obstante a notória influência da Igreja Católica na formação da nossa cultura, é hoje uma sociedade pluralista em "termos religiosos", convivendo no território nacional pessoas das mais variadas crenças (católicos, protestantes, budistas, espiritas, evangélicos...) com indivíduos que não professam credo algum, sendo bastante incomum atos violentos de intolerância religiosa ou mesmo de repressão estatal em razão de sua manifestação
[...] Diante dessas considerações e particularidades do nosso país, penso que não se justifica a interferência do Poder Judiciário nessa seara nos moldes pretendidos pela parte.
[...] Hoje, passados 12 anos da lei que autorizou a criação do monumento, e 13 anos de sua construção (há que se destacar também que a demanda foi ajuizada depois de 7 anos da edificação do monumento), determinar-se a sua remoção representaria muito mais uma ofensa à comunidade cristã e aos habitantes da cidade - que aliás nunca se manifestaram publicamente avessos ao monumento.
Ademais, conquanto tenha havido despesa pública para a sua construção (cujo valor, ressalto, não ficou demonstrado pela parte autora), certamente o foi de pequena monta, uma vez que não se trata de obra de grande porte, mas, ao contrário, é um monumento deveras singelo. E determinar-se a sua remoção e a edificação de outra em seu lugar geraria ainda mais custos para o Município - o que não se justifica.
Por fim, destaco a lição de Fernando Capez...

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