Acórdão Nº 0300954-60.2017.8.24.0057 do Quarta Câmara de Direito Civil, 22-09-2022

Número do processo0300954-60.2017.8.24.0057
Data22 Setembro 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoQuarta Câmara de Direito Civil
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Nº 0300954-60.2017.8.24.0057/SC

RELATOR: Desembargador SELSO DE OLIVEIRA

APELANTE: ARNO FIDELIS KAMMERS (RÉU) APELADO: JOSE ALIPIO HAMMES (AUTOR) APELADO: ANTONIO MARINO RODRIGUES (AUTOR) APELADO: JOSE ELIAS HAMMES (AUTOR)

RELATÓRIO

A bem dos princípios da celeridade e da economia processual adoto o relatório elaborado na sentença, verbis (evento 121, SENT208):

Trata-se de ação de passagem forçada ajuizada por José Alípio Hammes, José Elias Hammes e Antonio Marino Rodrigues em face de Arno Fidélis Kammes, devidamente qualificados.

Narram os autores que a única servidão que dá acesso às suas propriedades foi trancada pelo réu, razão pela qual, além de medida liminar, requereram a instituição de passagem forçada.

Liminar deferida às fls. 113-114.

A parte ré, em sua defesa, sustenta que os imóveis dos réus possuem outro acesso à via pública, por dentro da propriedade de Mauro Francisco Hammes, o qual sempre foi utilizado pelos autores, não havendo, portanto, direito à passagem forçada.

Réplica às fls. 199-204.

Liminar revogada às fls. 210-217.

Instrução à fl. 503.

Alegações finais às fls. 513-524 e 525-564.

A juíza Maria de Lourdes Simas Porto assim decidiu:

Ante o exposto, JULGO PROCEDENTE a ação proposta por José Alípio Hammes, José Elias Hammes e Antonio Marino Rodrigues em face de Arno Fidélis Kammres, nos moldes do art. 487, I, do CPC e, em consequência:

A) DETERMINO a reintegração dos autores na servidão de passagem objeto desta lide;

B) ANTECIPO os efeitos da tutela e, em consequência, determino a expedição de mandado de reintegração dos autores na posse da servidão de passagem, devendo a parte ré, no prazo de 24 (vinte e quatro) horas, retirar o cadeado colocado na porteira que a antecede, bem como abster-se de impedir a passagem dos autores, sob pena de multa diária de R$ 100,00 (cem reais), limitada a R$ 5.000,00 (cinco mil reais).

Condeno a parte ré ao pagamento de custas e honorários advocatícios, estes que fixo em R$ 1.000,00 (mil reais), nos termos do art. 85, § 8º, do CPC. A exigibilidade das verbas, contudo, permanece suspensa, ante a justiça gratuita.

Publique-se. Registre-se. Intimem-se.

Transitada em julgado, arquive-se.

Apelou o réu, arguindo, em preliminar, que a sentença é nula, na medida em que a juíza singular "não apreciou a lide, tendo julgado coisa diversa da aqui posta, analisando causa de pedir outra que não a apresentada na inicial (concedendo, inclusive, coisa diversa da pedida, no caso, o direito a servidão de passagem) e, logo, violou o princípio da adstrição (arts. 141 e 492 do CPC), razão porque é inexoravelmente nula" (evento 156, APELAÇÃO241, p. 39). Isso porque "sem que se tenha estabelecido o contraditório sobre o instituto da Servidão de Passagem, bem como sem demonstrar a existência do preenchimento dos requisitos do art. 1.378 do Código Civil, que trata da matéria em enfoque, aplicando indevidamente o princípio da fungibilidade das ações possessórias aos institutos em questão - Passagem Forçada e Servidão de Passagem -, inclusive, contrariando a própria decisão proferida às fls. 250/251, a MMª Juíza a quo decidiu por dar procedência aos pedidos" (p. 47). Apontou, ainda, que, "no caso, ao que tudo ficou evidenciado, há muitos anos, o imóvel do Sr. Mauro Francisco Hammes e seu irmão José Alipio Hammes, ora recorrido, era um imóvel só, fazendo todos os recorridos o acesso por este mesmo imóvel, que confrontava com a via pública. Com o ato de desmembramento das áreas do Sr. Mauro Francisco Hammes e seu irmão José Alipio Hammes, ora recorrido, criou-se 2 (duas) áreas, uma com acesso a via pública e outra sem acesso a via pública, dando causa ao encravamento do imóvel do Sr. José Alipio Hammes e dos demais recorridos, por opção destes. Vê-se, portanto, que o contexto fático subjacente não autoriza a instituição do direito de passar em prol daqueles que deram causa ao encravamento do imóvel, sob pena de se tutelar um ato injustificado à custa do proprietário, privando-o do uso e gozo pleno da propriedade que lhe pertence. Diga-se, aliás, que a passagem forçada é exceção à regra, somente exercitável imperativamente ao titular do domínio quando as circunstâncias o justifiquem, o que não se vislumbra, como dito, no caso em comento". Por fim, postulou que, "preliminarmente, seja reconhecida ocorrência de erro in procedendo na sentença atacada (nulidade), devendo este Areópago cassar o r. decisum, e com espeque no art. 1.013, II e IV, do CPC, decidir desde logo sobre o mérito da ação, como base no pedido inicial realizado pelos recorridos ('Passagem Forçada'), julgando pela total improcedência dos pedidos, ante a ausência de encravamento de seus imóveis, conforme já demonstrado alhures. Caso não seja essa a providência, no mérito, requer que o presente Recurso de Apelação seja CONHECIDO e lhe seja dado INTEGRAL PROVIMENTO para reformar a sentença recorrida para que seja negada a proteção possessória intentada, pois não demonstrado o esbulho e a existência de encravamento, bem como porque há incompatibilidade com o direito invocado pela MMª Juíza a quo na sentença objurgada com o procedimento utilizado com a demanda ajuizada, além do que, sequer ficaram demonstrados os requisitos pertinentes ao art. 1.378 e 1.379 do Código Civil" (p. 72).

Em contrarrazões, os autores defenderam que "a posse da servidão de passagem foi esbulhada pelo Apelante quando do fechamento da porteira que há muito tempo servia de acesso as terras dos Apelados, devendo ser mantida a r. sentença por seus próprios e bem adotados fundamentos" (evento 162, CONTRAZAP1, p. 14).

VOTO

1 Admissibilidade

A sentença foi prolatada e publicada sob a égide do Código de Processo Civil de 2015, à luz do qual o caso será apreciado, consoante o Enunciado Administrativo nº 3 do Superior Tribunal de Justiça.

O recurso é tempestivo (evento 157, CERT242), e a ausência de recolhimento do preparo decorre da gratuidade concedida ao recorrente.

Preenchidos os pressupostos de admissibilidade, o recurso deve ser conhecido.

2 Preliminar

O apelante defende, em preliminar, que a sentença é extra petita, na medida em que a juíza singular "não apreciou a lide, tendo julgado coisa diversa da aqui posta, analisando causa de pedir outra que não a apresentada na inicial (concedendo, inclusive, coisa diversa da pedida, no caso, o direito a servidão de passagem) e, logo, violou o princípio da adstrição (arts. 141 e 492 do CPC), razão porque é inexoravelmente nula" (evento 156, APELAÇÃO241, p. 39). Isso porque, "sem que se tenha estabelecido o contraditório sobre o instituto da Servidão de Passagem, bem como sem demonstrar a existência do preenchimento dos requisitos do art. 1.378 do Código Civil, que trata da matéria em enfoque, aplicando indevidamente o princípio da fungibilidade das ações possessórias aos institutos em questão - Passagem Forçada e Servidão de Passagem -, inclusive, contrariando a própria decisão proferida às fls. 250/251, a MMª Juíza a quo decidiu por dar procedência aos pedidos" (p. 47).

Pois bem.

Assim constou na petição inicial (evento 1, PET1):

Os requerentes são proprietários de imóveis rurais consistente em glebas de terras, conforme descrições das matriculas dos documentos anexos, do Cartório de Registro de imóveis da comarca, atualmente sem saída para via pública.

No local existe uma velha servidão, passagem de trânsito, que já se perdura há mais de 100 anos, permitido pelo já falecido pai do requerido e que atualmente os imóveis de cima estão encravados, sendo a única forma dos autores terem acesso à via pública se não passando por dentro da propriedade do herdeiro Arno, não existindo alternativa.

Acontece que os requerentes desenvolvem a atividade agrícola em suas propriedades, tais como, criação de gado, plantio e colheita de milho, e o segundo requerente também cria abelhas para comercialização do mel, de onde retiram seus sustentos e de suas famílias, sendo necessária a utilização de veículos de pequeno porte para o transporte das mercadorias, bem como outras máquinas que servem para o cultivo exigido existente na referida propriedade.

Ainda, mesmo antes do requerido haver recebido as terras por herança, já existia a passagem que era justamente utilizada na atividade agrícola do segundo requerente que nasceu e se criou naquele terreno.

Isso significa que a passagem existente, foi fechada pelo requerido, que apesar de ser procurado, permaneceu inerte, sem qualquer resposta, deixando os autores em situação constrangedora e de dificuldade para alcançar a via pública e aos seus terrenos para zelarem pelos em sumos cultivados e animais criados, o que, evidentemente, iram lhes causar diversos prejuízos e ao segundo requerente, ora apicultor, O RISCO JÁ É IMINENTE DA PERDA TOTAL DA COLHEITA DE MEL.

Excelência, os requerentes estão enfrentando dificuldades em ingressar aos seus terrenos, pois o requerido é pessoa violenta impossibilitando qualquer tipo de conversa amigável.

Diante dessa violência verbal por parte do requerido em não deixar os requerentes acessarem seus imóveis, estes procuraram a autoridade policial do município de Angelina e efetuaram o registro da ocorrência através do BO cuja cópia segue anexo.

Por tais motivos os requerentes, em meio ao desespero de terem os prejuízos sem a devida reparação por parte do requerido e por não concordarem com os atos de violência contra a passagem aos seus terrenos, no dia 12 de agosto do corrente ano, serraram o cadeado para poderem adentrar, mas com o receio de uma violência física, devido a ameaças de morte que o senhor Arno lhes fez, não passaram.

As fotografias que seguem inclusas ajudam a ilustrar e esclarecer melhor os fatos alegados permitindo que se possa visualizar o local onde o requerido fechou a passagem ao imóvel dos Requerentes.

Em função das inúmeras tentativas de se chegarem a um acordo e do enorme desgaste enfrentado pelos requerentes, não restou outra alternativa, senão a de ingressar com a presente demanda para que o...

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