Acórdão Nº 0300971-58.2014.8.24.0039 do Primeira Turma Recursal, 27-08-2020

Número do processo0300971-58.2014.8.24.0039
Data27 Agosto 2020
Tribunal de OrigemLages
ÓrgãoPrimeira Turma Recursal
Classe processualRecurso Inominado
Tipo de documentoAcórdão



ESTADO DE SANTA CATARINA

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SANTA CATARINA

Primeira Turma Recursal


Recurso Inominado n. 0300971-58.2014.8.24.0039, de Lages

Relator: Juiz Marcio Rocha Cardoso



RECURSO INOMINADO. ACIDENTE DE TRÂNSITO. VIATURA DO CORPO DE BOMBEIROS QUE CRUZA O SINAL VERMELHO. AÇÃO PROPOSTA PELO MUNICÍPIO COM BASE EM TERMO DE CONFISSÃO DE DÍVIDA DO CONDUTOR DA MOTOCICLETA ENVOLVIDA NO SINISTRO. DOCUMENTO RELATIVIZADO EM RAZÃO DAS ALEGAÇÕES DO RECORRENTE E DA DINÂMICA DO ACIDENTE. CONDUTOR DA AMBULÂNCIA QUE CONFIRMOU A ULTRAPASSAGEM DE CRUZAMENTO COM SINAL VERMELHO. PRIORIDADE DE TRÂNSITO DAS AMBULÂNCIAS NAS VIAS NOS TERMOS DO ART. 29, INCISO VII DO CTB QUE NÃO AFASTA A NECESSIDADE DE CONDUÇÃO DE VEÍCULO COM PRUDÊNCIA E CAUTELA. OCORRÊNCIA DE NEXO DE CAUSALIDADE PARA CONFIGURAÇÃO DA CULPA DO AUTOR. IMPOSSIBILIDADE DE RESPONSABILIZAÇÃO DO RECORRENTE PELOS DANOS NA VIATURA. VALOR DA CAUSA INFERIOR A 60 SALÁRIOS MÍNIMOS. CONVERSÃO PARA O RITO DO JUIZADO ESPECIAL DA FAZENDA PÚBLICA. CONDENAÇÃO EM HONORÁRIOS NO PRIMEIRO GRAU. INSUBSISTÊNCIA. ART. 55 DA LEI 9.099/95 C/C ART. 27 DA LEI 12.153/09. AFASTAMENTO DE OFÍCIO. SENTENÇA REFORMADA. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO.


Vistos, relatados e discutidos estes autos de Recurso Inominado n. 0300971-58.2014.8.24.0039, da comarca de Lages Vara da Fazenda, Ac. Trabalho e Reg. Públicos, em que é/são Recorrente Giulio Carlo Matos Franceschi,e Recorrido Município de Lages:


A Primeira Turma de Recursos decidiu à unanimidade, nos termos do voto do relator, conhecer do recurso e dar-lhe provimento.


Participaram do julgamento os Exmos. Srs. Juízes de Direito Davidson Jahn Mello e Paulo Marcos de Farias.


Florianópolis, 27 de agosto de 2020.



Marcio Rocha Cardoso

Relator

RELATÓRIO


Dispensado o relatório, conforme o disposto no art. 46 da Lei n. 9.099/95.


VOTO


Trata-se de recurso inominado interposto pelo requerido, contra sentença que julgou procedentes os pedidos iniciais, condenando-o ao pagamento de R$1.966,21, relativo ao ressarcimento de danos causados em acidente de trânsito. A culpa pelo sinistro, estaria estampada em Termo de Confissão de Dívida, o qual alega o recorrente ter assinado mediante coação.


Pois bem! Inicialmente tem-se por incontroversos que o Termo de Confissão de Dívida de fl. 05, datado de 10.01.2012, de fato, foi assinado pelo autor, por meio do qual assumiu a culpa pelo acidente de trânsito e se comprometeu ao pagamento do valor de R$1.400,00, a ser pago em 07 parcelas de R$200,00.


A controvérsia existe em relação à dinâmica do acidente, bem como a alegação do requerido de que foi coagido a assinar referido documento, já que as provas existentes iriam em seu favor e não teria motivo para assumir a culpa de algo que não cometeu.


De fato, tem-se que apesar de servir como início de prova e indicativo da dívida, o Termo de Confissão juntado pelo autor, por si só, não pode servir para a condenação do requerido, até porque, não está mais revestido de caráter executivo.


Ainda que não demonstrada a coação sustentada pelo recorrente, tendo ele impugnado tal documento, notadamente em razão da dinâmica do acidente que lhe deu origem, há que se apurar quem, de fato, foi o culpado pelo sinistro.


Conforme Boletim de Ocorrência de fls. 28/32, o motorista do carro dos bombeiros relatou à polícia, por ocasião do acidente, "que transitava na av. Dom Pedro II, sentido rodoviária - Cemitério Cruz das Almas. Que estava com o giroflex e sirene da viatura ligados, quando no cruzamento com a Rua Cruz e Souza, parou seu veículo, olhou para os lados e devido a coluna dianteira, não avistou o V-2, e ao arrancar com a viatura acabou abalroando o V-2."


Quanto ao requerido, afirmou aos policiais que "transitava na rua Cruz e Souza, sentido Delegacia de Polícia / EEB Industrial e que o semáforo encontrava-se na cor verde. Ao cruzar a avenida Dom Pedro II, não escutou a sirene do ASU do Corpo de Bombeiros e abalroou-se com o mesmo."


A própria conclusão dos soldados que atenderam a ocorrência foi de que "o acidente ocorreu da seguinte forma: que o V-2 transitava pela Rua Cruz e Souza, sentido Delegacia de Polícia / EEB Industrial, quando no cruzamento com a Avenida Dom Pedro II o semáforo estava na cor verde, prosseguiu porém não escutou a sirene do V-1 que transitava na Avenida Dom Pedro II, vindo a abalroar-se com o mesmo."


Resta evidente, pois, que o veículo conduzido pelo preposto do autor avançou o sinal vermelho, vindo a colidir na motocicleta do requerido.


Se ao requerido faltou atenção, já que confessa não ter ouvido as sirenes da viatura, também faltou ao preposto do autor, conforme por ele próprio confessado, de que não viu a motocicleta.


Ainda que o automóvel do autor estivesse se deslocando para atender a uma ocorrência, e que, em tese, nestas circunstâncias, detinha a preferência de circulação, não o exime dos deveres de cuidado e da responsabilidade pelo sinistro.


Ao regrar a preferência de circulação dos veículos que prestam serviços de interesse público, dispõe o art. 29 do Código de Trânsito Brasileiro:


Art. 29. O trânsito de veículos nas vias terrestres abertas à circulação obedecerá às seguintes normas:

(...).

VII – Os veículos destinados a socorro de incêndio e salvamento, os de polícia, os de fiscalização e operação de trânsito e as ambulâncias, além de prioridade de trânsito, gozam de livre circulação, estacionamento e parada, quando em serviço de urgência e devidamente identificados por dispositivos regulamentares de alarme sonoro e iluminação vermelha intermitente, observadas as seguintes disposições:

(...)

d) a prioridade de passagem na via e no cruzamento deverá se dar com velocidade reduzida e com os devidos cuidados de segurança, obedecidas as demais normas deste Código.


Comentando esse dispositivo, pontua Arnaldo Rizzardo:


(...) os veículos de urgência trafegarão sempre com os dispositivos de alarme sonoro e iluminação vermelha intermitente acionados, o que demonstrará a realização de um serviço de emergência, o qual está ensejando a preferência de passagem. (...).


Entretanto, as disposições que prevêem a prioridade de passagem não são arbitrárias, não possuindo o condutor total liberdade ao dirigir. Devem passar pelos cruzamentos com velocidade reduzida e com os indispensáveis cuidados de segurança, obedecendo, sobretudo, as demais normas de circulação (Comentários ao Código de Trânsito Brasileiro. 5 ed., São Paulo, Revista dos Tribunais, 2004, p. 157).


Do confronto entre os fatos e a legislação de regência, emerge que, no momento do acidente, o autor não gozava da prerrogativa de prioridade de trânsito.


Até porque, segundo o Código de Trânsito, a transposição do cruzamento deverá realizar-se com velocidade reduzida e com os demais cuidados de segurança. É natural que assim seja porque o atendimento de uma emergência não deve ser causa de uma tragédia.


Nesse sentido:


APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE REPARAÇÃO DE DANO MATERIAL AFORA POR PARTICULAR EM FACE DO ESTADO DE SENTA CATARINA E DO MUNICÍPIO DE CRICIÚMA EM VIRTUDE DE ACIDENTE DE TRANSITO CAUSADO POR INVASÃO DE AMBULÂNCIA EM CRUZAMENTO COM SINAL FECHADO. SENTENÇA QUE JULGOU PROCEDENTE O FEITO E CONDENOU OS REQUERIDOS AO PAGAMENTO DE DANOS MATERIAIS NO VALOR DE R$ 11.418,60 (ONZE MIL QUATROCENTOS E DEZOITO REAIS E SESSENTA CENTAVOS) E FIXOU OS HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS EM 10% SOBRE O...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT