Acórdão Nº 0301043-34.2014.8.24.0075 do Sétima Câmara de Direito Civil, 06-02-2020

Número do processo0301043-34.2014.8.24.0075
Data06 Fevereiro 2020
Tribunal de OrigemTubarão
ÓrgãoSétima Câmara de Direito Civil
Classe processualApelação Cível
Tipo de documentoAcórdão


Apelação Cível n. 0301043-34.2014.8.24.0075, de Tubarão

Relatora: Desembargadora Haidée Denise Grin

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO COMINATÓRIA CUMULADA COM INDENIZATÓRIA. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA. INCONFORMISMO DOS RÉUS.

PRELIMINAR DE NULIDADE, POR OFENSA AO CONTRADITÓRIO E AMPLA DEFESA. PRINCÍPIO DA NÃO SURPRESA (ART. 10 DO CPC). ALEGAÇÃO DE QUE A DECISÃO CONSIDEROU ARGUMENTO ESTRANHO À LIDE, QUAL SEJA, A PROPRIEDADE DO BEM. INSUBSISTÊNCIA. DEMANDA EM QUE SE DISCUTE PROMESSA DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEL, COM PEDIDO DE OUTORGA DE ESCRITURA PÚBLICA. ANÁLISE ACERCA DA PROPRIEDADE QUE CONSTITUI CONSEQUÊNCIA LÓGICA DO PLEITO APRESENTADO. INEXISTÊNCIA DE NULIDADE. PREJUDICIAL REJEITADA.

MÉRITO. IMÓVEL REGISTRADO EM NOME DE CASAL FALECIDO. ALIENAÇÃO REALIZADA POR UM DOS HERDEIROS. IMPOSSIBILIDADE. INVENTÁRIO JUDICIAL EM TRAMITAÇÃO. PATRIMÔNIO QUE PERMANECE INDIVISO ATÉ A PARTILHA DEFINITIVA DA HERANÇA. TERMO DE CESSÃO DE DIREITOS HEREDITÁRIOS QUE NÃO ENGLOBOU A TOTALIDADE DOS QUINHÕES DOS HERDEIROS. CESSIONÁRIO QUE, SEM POSSUIR A PROPRIEDADE PLENA DO BEM, O NEGOCIOU COM OS AUTORES. RESCISÃO DA AVENÇA QUE SE IMPÕE. SENTENÇA MANTIDA.

ARBITRAMENTO DE HONORÁRIOS RECURSAIS. INTELIGÊNCIA DO ART. 85, §11, DO CPC/15.

RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível n. 0301043-34.2014.8.24.0075, da comarca de Tubarão 3ª Vara Cível em que são Apelantes Renato Ramos e outro e Apelados Maria Lucilene de Jesus Serafim Fragnani e outro.

A Sétima Câmara de Direito Civil decidiu, por votação unânime, conhecer do recurso e negar-lhe provimento. Custas legais.

O julgamento, realizado nesta data, foi presidido pelo Exmo. Des. Carlos Roberto da Silva (com voto) e dele participou a Exma. Desa. Haidée Denise Grin e o Exmo. Des. Osmar Nunes Júnior.

Florianópolis, 6 de fevereiro de 2020.


Desembargadora Haidée Denise Grin

Relatora


RELATÓRIO

Em face do princípio da celeridade processual, adota-se o relatório da sentença recorrida, por sintetizar o conteúdo dos autos, in verbis:

JAIR CARARA FRAGNANI e MARIA LUCILENE DE JESUS SERAFIM FRAGNANI, devidamente qualificados nos autos, propuseram AÇÃO COMINATÓRIA contra NATÁLIA DE OLIVEIRA RAMOS e RENATO RAMOS, igualmente qualificados, alegando, em suma:

Que entre as partes foi celebrado um contrato de compromisso de compra e venda do imóvel descrito nos autos, nos termos do documento de págs. 09/11.

Aduziram que os requeridos não cumpriram a sua parte no avençado, deixando de outorgar escritura pública de compra e venda do imóvel objeto do contrato, mesmo após a quitação integral.

Assim sendo, pugnaram pela procedência dos pedidos expostos na inicial, para compelir os demandados a outorgarem escritura pública de compra e venda do referido imóvel, ou de imóvel equivalente, livre e desembaraçado de quaisquer ônus, ou, ainda, a condenação à indenização correspondente ao valor atual do referido bem.

Constam, ainda, os pedidos da pág. 03, alíneas "c" e "d". Formularam os demais requerimentos de praxe. Valoraram a causa em R$ 250.000,00 e juntaram documentos (págs. 05/12).

Devidamente citados (págs. 48/51), os requeridos apresentaram contestação (págs. 52/55), alegando, preliminarmente, a impossibilidade jurídica do pedido e a redistribuição dos autos por dependência à Ação de Inventário de nº 075.96.003023-3.

No mérito, sustentaram que os requerentes tinham conhecimento da ação de inventário nº 075.96.003023-3; que não haveria prazo obrigando os requeridos a fornecerem a escritura pública; que os requerentes não sofreram qualquer interferência na posse do imóvel em discussão; que o inventário aguarda recolhimento do imposto ITBI, já que a Prefeitura Municipal teria se negado a emitir a respectiva guia, em razão de débito referente a um dos cessionários; e que a ausência de escritura se daria por razões alheias à vontade dos requeridos.

Requereram a improcedência dos pedidos.

Réplica às págs. 160/163.

Designada audiência de conciliação (pág. 167), o andamento processual foi suspenso, por 90 dias, a pedido das partes.

Não sendo obtida a conciliação (pág. 168), foi proferido despacho determinando a especificação de provas pelas partes (pág. 169).

Os requerentes pleitearam o julgamento antecipado da lide (pág. 172).

Ao relatório acrescenta-se que, sentenciando antecipadamente o feito (pp. 173-180), o MM. Juiz de Direito Eron Pinter Pizzolatti julgou procedentes os pedidos formulados na peça portal nos seguintes termos:

Ante o exposto, JULGO PROCEDENTE o pedido aforado nessa AÇÃO COMINATÓRIA movida por Jair Carara Fragnani e Maria Lucilene de Jesus Serafim Fragnani contra Natália de Oliveira Ramos e Renato Ramos, para:

I. RESCINDIR o Contrato Particular de Compromisso de Compra e Venda (págs. 09/11) entabulado entre as partes, relativo ao imóvel de matrícula nº 9.763 (pág. 12);

II. CONDENAR os requeridos ao pagamento de indenização por perdas e danos correspondente ao valor atual de mercado do imóvel de matrícula nº 9.763 (pág. 12), objeto do contrato de compromisso de compra e venda, o que deverá ser apurado em fase posterior de liquidação de sentença;

III. CONDENAR os requeridos ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios de sucumbência à procuradora dos requerentes, que arbitro por apreciação equitativa em R$ 5.000,00 (cinco mil reais), nos termos do artigo 85, parágrafo 8º, do novo Código de Processo Civil.

Irresignados, os réus interpuseram o presente apelo (pp. 184-190). Nas suas razões recursais invocaram, preliminarmente, a nulidade da sentença, por constituir decisão surpresa e afrontar os princípios do contraditório e ampla defesa. No mérito, pugnaram pela reforma do decisum vergastado, sob o argumento de que os compradores eram conhecedores dos embaraços do imóvel, havendo previsão contratual expressa de que a escritura definitiva do bem seria outorgada somente após o término do processo de inventário n. 075.96.003023-3. Alegaram que ainda não foi expedido o formal de partilha definitivo, em razão de "erros na instrução do inventário", mas que "tais incorreções não têm o condão de retirar dos vendedores, ora Apelantes, a plena propriedade do bem objeto do contrato" (pp. 188-189).

Com as contrarrazões (pp. 206-208), os autos ascenderam a esta Corte de Justiça.

Os apelados foram intimados a prestar esclarecimentos e regularizar a representação processual da autora (pp. 221-222), o que foi cumprido às pp. 224-226.

Este é o relatório.

VOTO

Preenchidos os requisitos extrínsecos/legais de admissibilidade, o recurso merece ser conhecido e, adianta-se, desprovido.

Trata-se de apelo interposto contra sentença que julgou procedente o pleito autoral, sob o fundamento de que os promitentes vendedores "não eram os proprietários plenos do referido imóvel, pendente de inventário, pertencente também a outros herdeiros" (p. 179). Diante disso, foi decretada a rescisão do contrato firmado entre as partes, condenando-se os réus ao pagamento, em favor dos autores, de valor equivalente ao atual preço de mercado do imóvel.

Em sede preliminar, postularam os recorrentes a anulação da sentença sob a justificativa de que "em momento algum, durante a instrução processual, os Apelantes foram questionados ou intimados a apresentar prova de propriedade do imóvel objeto da lide" (p. 187). Assim, ao proferir decisão "baseado em argumento totalmente estranho aos fundamentos do pedido e da contestação", o Magistrado teria violado o disposto no art. 10 do CPC, bem como afrontado os princípios do contraditório e ampla defesa.

Razão não lhes assiste, contudo.

De fato, o art. 10 do Código de Processo Civil dispõe que "o juiz não pode decidir, em grau algum de jurisdição, com base em fundamento a respeito do qual não se tenha dado às partes oportunidade de se manifestar, ainda que se trate de matéria sobre a qual deva decidir de ofício".

No caso, a demanda versa sobre um contrato particular de compromisso de compra e venda de imóvel, sendo que um dos pedidos apresentados na exordial foi de outorga da respectiva escritura pública (p. 4). Consequentemente, se os autores pleiteavam a transferência do bem, a discussão acerca da sua propriedade era uma decorrência lógica do pedido formulado, sendo completamente incoerente a alegação dos réus de que foram surpreendidos pela fundamentação da sentença.

Portanto, descabe falar em cerceamento de defesa ou em nulidade da sentença decorrente da aplicação do princípio da não surpresa, visto que tal invocação não se ajusta ao caso sub judice.

Assim, resta afastada a preliminar de nulidade suscitada.

No mérito, os apelantes buscam a reforma da sentença sob o argumento de que possuem "a plena propriedade do bem objeto do contrato" (p. 189), tendo as partes pactuado expressamente que a escritura definitiva somente seria outorgada após o término do processo de inventário n. 075.96.003023-3 (atual n. 0003023-22.1996.8.24.0075).

Inicialmente, vale observar que a propriedade do bem imóvel não se confunde com a titularidade de direitos hereditários. Isso porque “o patrimônio deixado pelo de cujus permanece indiviso até a partilha, de forma que cada herdeiro é titular de uma fração ideal daquela universalidade e não de qualquer dos bens individualizados que a compõem” (STJ, REsp 319.719/SP, rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, j. 27-6-2002, DJ 16-9-2002, p. 181).

Nesse viés, se ainda não foi expedido o formal de partilha definitivo (e isso é fato incontroverso), sobre o imóvel há um condomínio pro indiviso, subsistindo o direito de todos os herdeiros sobre a propriedade do bem, a teor do disposto no art. 1.791, parágrafo único, do Código...

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