Acórdão Nº 0301044-03.2018.8.24.0035 do Sexta Câmara de Direito Civil, 20-10-2020

Número do processo0301044-03.2018.8.24.0035
Data20 Outubro 2020
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoSexta Câmara de Direito Civil
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão










Apelação Nº 0301044-03.2018.8.24.0035/SC



RELATOR: Desembargador ANDRÉ CARVALHO


APELANTE: CELESC DISTRIBUIÇÃO S.A. (RÉU) APELADO: ERNANDIO SCHLICHTING (AUTOR)


RELATÓRIO


Reproduzo, por sua qualidade e completude, o relatório da sentença, da lavra do magistrado Rodrigo Vieira de Aquino (Evento 46):
Vistos para sentença. Trata-se de ação de indenização movida por Ernandio Schlichting contra Celesc Distribuição S/A, ambos qualificados nos autos. Objetiva a parte autora, basicamente, ser ressarcida de danos sofridos em razão da perda na qualidade de fumo que estava em processo de secagem e cura, em estufa que deixou de funcionar, por seguidas horas, em virtude da interrupção no fornecimento de energia elétrica, conforme dados informados na inicial. Valorou a causa, estimou os danos com base em laudo extrajudicial, juntou documentos e requereu a procedência da pretensão inaugural. Citada, a parte ré apresentou resposta em forma de contestação. Disse não ser caso de responsabilidade objetiva. Defendeu a ausência de culpa e a possibilidade de interrupção do fornecimento de energia elétrica em casos emergenciais. Em suma, negou qualquer responsabilidade no evento. Impugnou o valor requerido pela parte autora. Aduziu ser necessária a realização de média ponderada entre as produções das safras anteriores e da safra reclamada. Pugnou pela improcedência do pedido inicial e juntou documentos. Houve réplica. Determinou-se a realização de perícia, cujo laudo aportou às fls. 103-114. Intimadas as partes, não houve impugnação à perícia judicial. Fundamento e decido.
Sobreveio sentença, na qual o togado singular julgou os pedidos procedentes. Por oportuno, transcreve-se o dispositivo do decisum:
Diante do exposto, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE o pedido formulado pela parte autora contra Celesc Distribuição S/A., na forma do artigo 487, I, do Código de Processo Civil e, em consequência, CONDENO a ré ao pagamento de R$19.855,00, devendo o valor ser corrigido a partir da data do efetivo prejuízo em 23/1/2018, pelo índice adotado pela e. Corregedoria Geral de Justiça (Provimento n. 13/95), com juros moratórios de 1% ao mês contados a partir da citação. Ante a sucumbência mínima da parte autora, condeno a parte ré ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, estes fixados em 10% sobre o valor da condenação, conforme art. 85, § 2º, do Código de Processo Civil. Expeça-se alvará dos honorários periciais em favor do perito. Em caso de recurso, intime-se a parte apelada para contrarrazões, após, remetam-se os autos ao egrégio Tribunal de Justiça de Santa Catarina. Publique-se. Registre-se. Intimem-se. Oportunamente, arquive-se. Ituporanga (SC), 20 de janeiro de 2020.
Irresignada, a empresa ré interpôs o recurso de apelação presentemente apreciado. Afirma, basicamente: a) que a despeito das efetivas quedas de energia, estaria a concessionária cumprindo as metas de fornecimento estipuladas pela ANEEL, cuja regularidade administrativa afastaria a ilicitude da conduta impugnada; b) que intempéries climáticas de força extrema seriam a causa das quedas no serviço, encerrando hipótese de caso fortuito (ou força maior); c) que o implemento dos danos materiais não estaria comprovado à espécie, uma vez que o laudo técnico foi produzido com informações unilaterais do autor e sem clara exposição da metodologia de cálculo empregada; d) que caberia à parte autora precaver-se através da instalação de um gerador alternativo, evitando os prejuízos que alega ter sofrido; e) que há culpa exclusiva do consumidor, porquanto a omissão no pleito de adequação da potência de energia elétrica seria a causa direta dos danos supostamente experimentados; f) que não incidiria, no caso vertente, o Código de Defesa do Consumidor, pois o autor não seria destinatário final dos serviços, não se devendo aplicar ao caso a inversão do ônus da prova; g) e que os juros de mora e a correção monetária devem incidir desde a sentença. Por tais razões, requer o provimento do recurso para julgamento da total improcedência dos pedidos (Evento 51).
A parte recorrida opôs contrarrazões (Evento 57).
Após, os autos ascenderam ao Tribunal e me vieram conclusos.
É a síntese do essencial

VOTO


Registro inicialmente que, tendo a ação sido ajuizada já sob a égide do Código de Processo Civil de 2015, são desnecessárias discussões relativas ao direito processual aplicável à espécie.
Por preencher os pressupostos de admissibilidade, o recurso deve ser conhecido.
Como visto, trata-se de apelação cível interposta por Celesc Distribuição S/A em ação de indenização por danos materiais movida por Ernandio Schlichting em desfavor da concessionária de energia, tendo o magistrado a quo julgado procedentes os pedidos declinados à petição inicial.
Ab initio, vale gizar que a circunstância relativa à ocorrência da queda de energia elétrica restou incontroversa durante a instrução, uma vez que foi afirmada na exordial e reconhecida pela demandada, limitando-se o apelo à abordagem de teses jurídicas com o fito de afastar a obrigação indenitária, devendo o reclamo ser apreciado sob essa perspectiva.
Pois bem, em suas razões, a Recorrente sustenta que o caso não atrai a incidência do Código de Defesa do Consumidor, na medida em que a parte autora utiliza a energia elétrica em sua atividade econômica de fumicultura, não podendo ser enquadrado enquanto destinatário final dos serviços.
Razão, todavia, não lhe assiste.
Primeiramente, vale gizar que a empresa Apelante enquadra-se de maneira precisa no art. 3º, caput, do Código de Defesa do Consumidor, in verbis: "Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços".
Outrossim, a parte autora também se subsome ao conceito de consumidor encartado no art. 2º da legislação de regência, que assim dispõe: "Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final".
Segundo ensinamento de Flávio Tartuce e Daniel Amorim Assumpção Neves, à luz da "teoria finalista aprofundada" (ou mitigada) - a qual vem prevalecendo no âmbito do Superior Tribunal de Justiça -, desvela-se que "o enquadramento do consumidor dependerá da presença de uma parte qualificada como grande ou pequena, forte ou fraca", vez que o ponto chave para a quaestio repousa sobre a eventual hipossuficiência do adquirente do produto ou dos serviços (TARTUCE, Flávio; NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de direito do consumidor: direito material e processual. 2 Ed. Rio de Janeiro: Forense, 2013, p. 78-85).
Sobre o tema, do Tribunal da Cidadania, colhe-se:
AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL CIVIL. PROCESSO CIVIL. RECURSO MANEJADO SOB A ÉGIDE DO CPC/73. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. RECURSO ESPECIAL. PESSOA JURÍDICA. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. APLICAÇÃO DO CDC. TEORIA FINALISTA MITIGADA. PRESCRIÇÃO QUINQUENAL. ART. 27 DO CDC. SÚMULA Nº 83 DO STJ. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO.
1. Inaplicabilidade do NCPC a este julgamento ante os termos do Enunciado nº 1 aprovado pelo Plenário do STJ na sessão de 9/3/2016: Aos recursos interpostos com fundamento no CPC/1973 (relativos a decisões publicadas até 17 de março de 2016) devem ser exigidos os requisitos de admissibilidade na forma nele prevista, com as interpretações dadas até então pela jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça.
2. A jurisprudência desta Corte tem mitigado os rigores da teoria finalista para autorizar a incidência do CDC nas hipóteses em que a parte (pessoa física ou jurídica), embora não seja tecnicamente a destinatária final do produto ou serviço, se apresente em situação de vulnerabilidade. Tem aplicação a Súmula nº 83 do STJ.
3. Agravo regimental não provido. (STJ, AgRg no AREsp 646.466/ES, rel. Min. Moura Ribeiro, Terceira Turma, j. 07-06-2016 - grifou-se).
E da jurisprudência catarinense, destaca-se:
DIREITO DO CONSUMIDOR - MICROEMPRESÁRIO INDIVIDUAL - PRODUTO ADQUIRIDO COMO INSTRUMENTO DE TRABALHO - CONCEITO DE CONSUMIDOR - TEORIA FINALISTA MITIGADA - PRECEDENTES DO STJ - VULNERABILIDADE DEMONSTRADA - APLICABILIDADE DO REGIME CONSUMERISTA.
A jurisprudência assente do Superior Tribunal de Justiça adotou a respeito da concepção de consumidor a teoria finalista mitigada, a qual estende a aplicação das normas protetivas constantes no Código de Defesa do Consumidor a determinados consumidores profissionais de produtos ou serviços, desde que comprovada vulnerabilidade em relação ao fornecedor. (TJSC, Agravo de Instrumento n. 2015.072971-1, de São José, rel. Des. Luiz Cézar Medeiros, j. 29-02-2016 - grifou-se).
No caso em apreço, sendo o demandante agricultor de economia familiar, que desenvolve seu labor em pequena propriedade rural, e a empresa ré concessionária de energia elétrica de grande porte, tem-se por manifesta a hipossuficiência fática da parte autora frente à requerida, atraindo, pois, a incidência da normativa inserta no Código de Defesa do Consumidor.
Não destoa o entendimento deste Tribunal, senão vejamos:
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS. SECAGEM DE FUMO EM ESTUFA. SUPOSTOS DANOS À PRODUÇÃO OCORRIDOS EM VIRTUDE DE INTERRUPÇÃO INJUSTIFICADA NO FORNECIMENTO DE ENERGIA ELÉTRICA. DEMANDA PROPOSTA PELO FUMICULTOR CONTRA CELESC DISTRIBUIÇÃO S.A. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA. IRRESIGNAÇÃO DA RÉ. AUTOR QUE ENCONTRA-SE EM SITUAÇÃO DE VULNERABILIDADE. APLICAÇÃO DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR AO CASO CONCRETO. SERVIÇO PRESTADO NA MODALIDADE DE CONCESSÃO. RESPONSABILIDADE OBJETIVA DA CONCESSIONÁRIA POR EVENTUAIS DANOS CAUSADOS EM DECORRÊNCIA DA PRESTAÇÃO DE SEUS SERVIÇOS. EXEGESE DO ART....

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