Acórdão Nº 0301065-68.2016.8.24.0028 do Quarta Câmara de Direito Comercial, 26-10-2021

Número do processo0301065-68.2016.8.24.0028
Data26 Outubro 2021
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoQuarta Câmara de Direito Comercial
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Nº 0301065-68.2016.8.24.0028/SC

RELATORA: Desembargadora JANICE GOULART GARCIA UBIALLI

APELANTE: BANCO SAFRA S A (RÉU) APELADO: BUDNY INDUSTRIA E COMERCIO EIRELI (AUTOR) APELADO: LUIZ CARLOS BUDNY (AUTOR) APELADO: MARICELMA NIERO BUDNY (AUTOR)

RELATÓRIO

Cuida-se de Apelação Cível interposta por BANCO SAFRA S.A. da sentença proferida nos autos da Ação Revisional n. 0301065-68.2016.8.24.0028, aforada por BUDNY INDÚSTRIA E COMÉRCIO EIRELI, LUIZ CARLOS BUDNY e MARICELMA NIERO BUDNY. O decisório recorrido contou com a seguinte parte dispositiva (doc 58):

Do exposto, resolvo o mérito julgando parcialmente procedentes os pedidos deduzidos na petição inicial (art. 487, I, do CPC), para: a) determinar que o(s) contrato(s) observe(m) o resultado da revisão judicial ora efetuada, expressa na fundamentação; b) determinar a compensação/restituição, na forma simples, de eventuais valores exigidos a maior, de acordo com a revisão ora efetuada, observando os encargos referidos na fundamentação, mediante liquidação simples de sentença. Condeno as partes ao pagamento das despesas processuais pendentes, na proporção de 2/3 distribuídos ao(s) integrante(s) do polo ativo e de 1/3 imputados ao(s) do lado passivo, conforme arts. 86 e 87 do CPC.

Os litigantes estão obrigados a indenizar as despesas adiantadas no curso do processo, observada a mesma proporção antes fixada, admitida a compensação, conforme art. 82, § 2º, do CPC. Fixo os honorários sucumbenciais devidos aos advogados no percentual de 10% sobre o valor da causa (devidamente corrigido pelo INPC/IBGE desde a data da propositura da demanda), observada a mesma proporção antes fixada, vedada a compensação, conforme art. 85 do CPC. Publique-se. Registre-se. Intimem-se. Após o trânsito em julgado, arquivem-se.

O apelante sustenta, em síntese, que: a) é inaplicável o CDC no presente caso, porque a empresa não é destinatária final dos produtos e serviços, tampouco vulnerável perante a instituição financeira; b) "os apelados concordaram com as cláusulas 'unilaterais' que, por diversas vezes e durante longo período de tempo, efetuaram contratações do tipo junto à Apelante, não podendo agora alegar que houve a imposição do dever de assinar" (p. 9); c) a Cláusula 12 do contrato não autoriza o apelante a modificar unilateralmente as taxas, juros e remuneração de forma arbitrária, mas apenas em casos expressamente detalhados na respectiva cláusula, não se tratando de disposição contratual abusiva; d) também não há falar em ilegalidade da cláusula 30, pois "considerando que o Banco Safra Apelante quitou o contrato objeto da presente Revisional perante o Banco Safra Luxemburgo, não há que se falar em nulidade dessa taxa de custo já que ela inexiste" (p. 11); e) a cláusula de retenção de mercadorias não é considerada abusiva, sendo plenamente possível em um contrato de financiamento à importação, por se tratar de cláusula penal; f) igualmente a cláusula 34 - que repassa os custos de tributos ao consumidor - não padece de abusividade, pois a apelada optou por celebrar o contrato em moeda estrangeira, sendo consequência lógica a incidência de tributos, taxas e impostos, que são repassados pela instituição ao credor fazendário; g) a fixação dos honorários advocatícios na forma determinada pela sentença - sobre o valor da causa - se mostra despropocional e incorreta, pois era possível mensurar o proveito econômico obtido pelos autores, no valor de R$ 27.977,73 (doc 62).

Com as contrarrazões (doc 71), ascenderam os autos a esta Corte.

VOTO

Presentes os pressupostos intrínsecos e extrínsecos de admissibilidade recursal, conheço do recurso.

Código de Defesa do Consumidor

Alega o apelante que é inaplicável o CDC no presente caso, porque a empresa apelada não é destinatária final dos produtos e serviços, tampouco vulnerável perante a instituição financeira.

Possui razão, devendo ser reformada a sentença neste aspecto.

No caso, as partes entabularam Cédula de Crédito Bancário destinada ao financiamento à importação, no valor de US$ 509.453,55 (docs 9-34). Nítido, portanto, que a obrigação pactuada foi firmada por pessoa jurídica com o propósito de fomentar seu capital de giro.

Ainda que o STJ venha abrandando a teoria finalista frente às pessoas jurídicas - cujo entendimento tem sido adotado por este Tribunal - na espécie não ficou caracterizada a hipossuficiência ou vulnerabilidade técnica, jurídica, fática ou econômica da empresa apelada em relação à instituição financeira apelante. Isso porque a apelada é empresa de grande porte, com capital social de R$ 22.128.000,00 (doc 7), e o pacto foi firmado em moeda estrangeira e em valor milionário, o que evidencia a natureza empresarial, mormente porque não configurado desequilíbrio entre as partes.

Assim, dadas as peculiaridades do caso, afasta-se a incidência da legislação consumerista à relação jurídica em discussão, como já decidiu o STJ em caso semelhante:

DIREITO CIVIL. LICC. APLICAÇÃO DA LEGISLAÇÃO ESTRANGEIRA. OBRIGAÇÃO DECORRENTE DE CONTRATO DE FINANCIAMENTO BANCÁRIO DESTINADO A IMPORTAÇÃO DE EQUIPAMENTO INDUSTRIAL. CDC AFASTADO. ART. 535 DO CPC. CERCEAMENTO DO DIREITO DE DEFESA. DISPOSITIVO INAPLICÁVEL E IMPERTINENTE. TAXA DE JUROS. LIMITAÇÃO. INTERPRETAÇÃO DE NORMA CONSTITUCIONAL. IMPOSSIBILIDADE EM RECURSO ESPECIAL.

[...] segundo orientação desta Corte Superior, não incide o CDC por ausência da figura do consumidor (art. 2º do CDC) nos casos de financiamento bancário ou de aplicação financeira com o propósito de ampliar capital de giro e a atividade empresarial. É que o capital obtido da instituição financeira destina-se, apenas, a fomentar a atividade industrial, comercial ou de serviços e, com isso, incrementar os negócios e o lucro. 5. A indústria que adquire e importa equipamento com valor superior a US$ 261.485,00 (duzentos e sessenta e um mil, quatrocentos eoitenta e cinco dólares americanos) não revela vulnerabilidade ou hipossuficiência, na forma da jurisprudência desta Corte, para efeito de conceder-lhe a tutela protetiva prevista no CDC em favor, exclusivamente, do destinatário final do produto ou serviço. 6. Omissões e violação do art. 535 do CPC não configuradas noacórdão recorrido (REsp n. 963852/PR, rel. Min. Antonio Carlos Ferreira, j. 21-8-2014).

No mesmo norte: "O contrato sub examine teve por objeto o financiamento à importação, somando a vultosa quantia de US$ 608.964,48, tendo de um lado a empresa afiançada pelo ora recorrente, e de outro a instituição financeira ora recorrida, não restando dúvidas de que se trata de um contrato empresarial, não sujeito à legislação consumerista" (REsp n. 1756970/SE, rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, j. 18-2-2021).

Não obstante, não se pode olvidar da função social do contrato e dos deveres de probidade e de boa-fé que devem nortear todas relações jurídicas, consoante o disposto nos arts. 421 e 422 do Código Civil.

Acerca da boa-fé objetiva, Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho lecionam:

Em uma dada relação jurídica, presente o imperativo dessa espécie...

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