Acórdão Nº 0301065-86.2018.8.24.0064 do Terceira Câmara de Direito Público, 07-06-2022

Número do processo0301065-86.2018.8.24.0064
Data07 Junho 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoTerceira Câmara de Direito Público
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Nº 0301065-86.2018.8.24.0064/SC

RELATOR: Desembargador JAIME RAMOS

APELANTE: JAQUES ADRIANO BAIR NASS (AUTOR) APELANTE: CLEONICE SOARES DE ALMEIDA (AUTOR) APELADO: MUNICÍPIO DE SÃO JOSÉ-SC (RÉU) APELADO: COMPANHIA DE HABITACAO DO ESTADO DE SANTA CATARINA - COHAB/SC - EM LIQUIDACAO (INTERESSADO)

RELATÓRIO

Na Comarca de São José, Jaques Adriano Baier Nass e Cleonice Soares de Almeida ajuizaram "ação de usucapião extraordinário" contra o Município de São José e a Companhia de Habitação do Estado de Santa Catarina - COHAB/SC, objetivando o reconhecimento da pretensão aquisitiva sobre o imóvel localizado à Rua João Izídio de Souza, s/n., esquina com a Rua Dália e com a Travessa Tubarão, ao lado do n.1, quadra 36, Loteamento José Nitro, bairro Serraria, São José/SC, com área de 196,37 m² (cento e noventa e seis metros e trinta e sete centímetros quadrados).

Alegam que, como têm posse mansa, pacífica e ininterrupta há mais de 10 (dez) anos sobre o imóvel descrito na inicial, estão satisfeitos todos os requisitos necessários para o acolhimento da pretensão de usucapião apresentada na petição inicial.

Os réus foram citados e apresentaram suas contestações.

Companhia de Habitação do Estado de Santa Catarina - COHAB/SC apresentou defesa impugnando, preliminarmente, o valor da causa. No mérito, disse que, mesmo sendo a proprietária do terreno, o imóvel requerido está situado em Área Verde Municipal; que os requerentes não possuem o tempo necessário de posse para o reconhecimento do usucapião; que não estão presentes todos os pressupostos necessários para o reconhecimento da pretensão inicial. No fim, postulou a improcedência dos pedidos.

Por sua vez, o Município de São José contestou o feito argumentando que, como o imóvel objeto da usucapião é um bem público, não pode ele ser adquirido por meio de usucapião. Requereu, ao final, a improcedência da pretensão apresentada.

A parte autora apresentou réplica às contestações.

Após a realização de audiência de instrução e julgamento, oportunidade em que foram colhidos depoimentos pessoais dos autores, as partes foram intimadas e, na sequência, apresentaram suas alegações finais.

Com vista dos autos, o representante do Ministério Público opinou pela improcedência do pedido inicial.

Sentenciando o feito, o MM. Juiz, Dr. Otavio Jose Minatto, julgou improcedente a pretensão inicial formulada.

Não resignados, os demandantes interpuseram recurso de apelação reiterando os termos expostos na inicial, no sentido de que os pressupostos do usucapião estão preenchidos, porquanto "a propriedade objeto de usucapião NÃO é de propriedade do Município". Subsidiariamente, defendem que possuem direito adquirido sobre o imóvel, ao argumento de que "residem no local de forma totalmente legal e com as devidas permissões da Municipalidade". Alternativamente, entendem pela possibilidade de aplicação da Lei Complementar Municipal de nº 113, instituída em 22 de dezembro de 2021. No fim, requereram o provimento do recurso.

Os autos foram encaminhados à douta Procuradoria-Geral de Justiça que, no parecer da lavra do Exmo. Dr. Alex Sandro Teixeira da Cruz, apresentou manifestação no sentido de se aguardar o decurso do prazo de contrarrazões pelo ente municipal.

As contrarrazões foram apresentadas e os autos vieram conclusos.

VOTO

Trata-se de recurso de apelação interposto por Jaques Adriano Baier Nass e Cleonice Soares de Almeida contra a sentença que, nos autos da "ação de usucapião extraordinário" por si ajuizada contra o Município de São José e a Companhia de Habitação do Estado de Santa Catarina - COHAB/SC, julgou improcedente a pretensão de usucapir o imóvel localizado à Rua João Izídio de Souza, s/n., esquina com a Rua Dália e com a Travessa Tubarão, bairro Serraria, São José/SC, com área de 196,37 m² (cento e noventa e seis metros e trinta e sete decímetros quadrados).

Advogam a tese recursal de que os pressupostos do usucapião estão preenchidos, na medida em que "a propriedade objeto de usucapião NÃO é de propriedade do Município". Subsidiariamente, defendem que possuem direito adquirido sobre o imóvel, porquanto "residem no local de forma totalmente legal e com as devidas permissões da Municipalidade". Alternativamente, entendem pela possibilidade de aplicação da Lei Complementar Municipal de nº 113, de 22 de dezembro de 2021.

Por fim, requereram "seja conhecido e provido o presente Recurso para reformar integralmente a r. sentença recorrida, nos termos: a) a reforma da decisão de primeiro grau para reconhecer o direito à propriedade dos Apelantes do imóvel objeto de litígio, tendo em vista que restou comprovado que a área objeto de usucapião não integra patrimônio público, nos termos da fundamentação acima exposta; b) Caso Vossas Excelências não entendam desta forma, que seja determinado o retorno dos autos à origem, para que seja aberta a possibilidade à obtenção da regularização de sua propriedade, por meio da aplicação da Lei Complementar Municipal de nº 113, instituída em 22 de dezembro de 2021, nos termos da fundamentação acima exposta; c) Por fim, requerem a inversão do ônus da sucumbência, com a condenação do Apelado ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios aos Procuradores dos Apelantes".

Pois bem.

A Constituição Federal nos artigos 183, § 3º e 191, parágrafo único, prevê a impossibilidade de se usucapir qualquer espécie de bem público, seja de uso comum do povo, de uso especial ou dominical, mesmo na hipótese de usucapião urbano ou rural constitucional para moradia própria ou da família ou "pro labore". Veja-se:

"Art. 183. Aquele que possuir como sua área urbana de até duzentos e cinquenta metros quadrados, por cinco anos, ininterruptamente e sem oposição, utilizando-a para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural.

"[...]

"§ 3º Os imóveis públicos não serão adquiridos por usucapião." (grifou-se)

"Art. 191. Aquele que, não sendo proprietário de imóvel rural ou urbano, possua como seu, por cinco anos ininterruptos, sem oposição, área de terra, em zona rural, não superior a cinquenta hectares, tornando-a produtiva por seu trabalho ou de sua família, tendo nela sua moradia, adquirir-lhe-á a propriedade.

"Parágrafo único. Os imóveis públicos não serão adquiridos por usucapião." (grifou-se)

O Código Civil, em seu art. 102, também estabelece que "os bens públicos não estão sujeitos a usucapião."

Acerca desse dispositivo, leciona Flávio Tartuce:

Enuncia o art. 102 do Código de 2002 que os bens públicos, móveis ou imóveis, não estão sujeitos a usucapião, eis que há a imprescritibilidade das pretensões a eles referentes, confirmando determinação que já constava dos arts. 183, § 3.º, e 191, parágrafo único, da CF/1988, quanto aos bens imóveis. A expressão contida no dispositivo legal engloba tanto os bens de uso comum do povo como os de uso especial e dominicais. (Tartuce, Flávio., Manual de direito civil: volume único, 7. ed. rev., atual. e ampl. - Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2017, p.

Da mesma forma, colhe-se do enunciado da Súmula n. 340 do Supremo Tribunal Federal, a orientação de que: "desde a vigência do Código Civil, os bens dominicais, como os demais bens públicos, não podem ser adquiridos por usucapião".

Ensina Hely Lopes Meirelles, a respeito da impossibilidade de aquisição da propriedade de imóvel público por meio da usucapião:

A imprescritibilidade dos bens públicos decorre como consequência lógica de sua inalienabilidade originária. E é fácil demonstrar a assertiva: se os bens púbicos são...

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