Acórdão Nº 0301072-80.2015.8.24.0065 do Primeira Câmara de Direito Civil, 24-08-2023

Número do processo0301072-80.2015.8.24.0065
Data24 Agosto 2023
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoPrimeira Câmara de Direito Civil
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão










Apelação Nº 0301072-80.2015.8.24.0065/SC



RELATOR: Desembargador FLAVIO ANDRE PAZ DE BRUM


APELANTE: IRINEU RECKZIEGEL (AUTOR) ADVOGADO(A): DIEGO JEFERSON KLEIN (OAB SC030787) APELADO: BV FINANCEIRA SA CREDITO FINANCIAMENTO E INVESTIMENTO (RÉU) ADVOGADO(A): EDUARDO DI GIGLIO MELO (OAB RS056625) ADVOGADO(A): RODRIGO SCOPEL (OAB SC021899) APELADO: GAMBATTO P1 VEICULOS LTDA (RÉU) ADVOGADO(A): JOSÉ HENRIQUE DAL CORTIVO (OAB SC018359) ADVOGADO(A): Marco Aurelio da Costa Petry (OAB SC016734) APELADO: GILBERTO NUNES (RÉU) ADVOGADO(A): TARCISIO EDMUNDO HANAUER (OAB SC037098)


RELATÓRIO


Trata-se de Apelação Cível interposta por IRINEU RECKZIEGEL, contra sentença proferida pelo juízo da Vara Única da Comarca de São José do Cedro, que nos autos da "Ação de Anulação de Ato Jurídico c/c Indenização por Danos Morais e Materiais", n. 0301072-80.2015.8.24.0065, ajuizada contra GILBERTO NUNES e outros, julgou improcedentes os pedidos formulados na exordial e condenou o autor ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios sucumbenciais, fixados em 10% (dez por cento) sobre o valor da causa atualizado (evento 111).
Em suas razões (evento 118), o apelante sustentou o desacerto do decisum impugnado, porquanto os elementos probatórios acostados aos autos demonstram que o autor não tinha a intenção de assinar o contrato como efetivo comprador, mas tão somente como avalista do negócio, tendo sido ludibriado pelos apelados. Afirmou que "foi enganado, ludibriado, induzido ao erro, como dito durante toda a instrução, está carregando um fardo pesado e insuportável por ser uma pessoa confiante, ingênua, humilde, idoso, com baixa instrução, cuja titularidade deste automóvel lhe foi impingida de modo desleal e ilícito, pelos apelados Gilberto e a Revenda de automóveis Gambatto, de São José do Cedro, tendo a BV Financeira acatado este ato ilícito, cobrando dele a dívida, engrossando o coro pela ofensa de sua dignidade e reputação comercial".
Ainda, argumentou que "diferente do alegado na sentença, o fato de o autor saber ler e escrever não pode fazer presumir que sabia do que exatamente estava sendo feito, passando da condição de avalista para proprietário registral. Uma pessoa pode sim ser enganada ardilosamente, pouco importando sua condição intelectual, ou seja, qualquer pessoa pode ser vítima de má-fé, de oportunistas engendrados, e nem por isso deve ser considerada culpada pelo que lhe causaram. Mas a sentença apregoada atribuiu-lhe as consequências do negócio viciado, como se culpa sua fosse, o que deveras, é deixar de reconhecer que alguém foi vítima de um golpe".
Pugnou, assim, pelo provimento do recurso, para reformar a sentença objurgada, a fim de seja reconhecida a invalidade do negócio jurídico, bem como os réus sejam condenados ao pagamento de indenização por danos morais e materiais.
Com as contrarrazões (evento 126/132/133), ascenderam os autos a esta Corte de Justiça.
Recebo-os conclusos.
É o relatório

VOTO


O recurso é tempestivo e preenche os demais pressupostos de admissibilidade, motivo pelo qual dele se conhece.
O autor narra que o réu Gilberto pretendia adquirir um veículo junto ao estabelecimento Gambatto, razão pela qual, em março de 2015, foi procurado pelo requerido e um dos funcionários da empresa ré para que fosse avalista do financiamento, que objetivava a liberação de crédito, o que foi aceito pelo autor por acreditar na boa-fé dos demandados. Assim, os réus compareceram novamente à residência do demandante para colher diversas assinaturas, documentos dos quais ao autor não foi dado cópia, bem como o requerente foi chamado para assinar outras documentações no Tabelionato do município de São José do Cedro/SC, sob a justificativa de que tudo isso era necessário para concretizar sua condição de avalista do financiamento. Ocorre que, decorrido um tempo desde o negócio, o demandante começou a receber cobranças referentes ao financiamento, além de multas de trânsito cometidas na direção do veículo adquirido pelo requerido, o que fez o apelante descobrir que foi ludibriado pelos demandados, pois o veículo e o financiamento de crédito haviam sido registrados em seu nome, sem que ele soubesse desta realidade. Logo, "o réu Gilberto, que é o verdadeiro proprietário deste veículo, junto com o vendedor da empresa ré Gambatto, em combinação dolosa, planejaram toda a transferência para o nome do autor, destinando a ele todos os ônus da negociação, qual seja, responsabilidade pelos débitos, pelas infrações de trânsito e ainda, a responsabilidade civil por eventuais acidentes de trânsito, constando o seu nome como proprietário do veículo de modo indevido".
Em contrapartida, o requerido Gilberto sustenta da total ciência do requerido acerca do negócio, visto que o autor - que é tio de sua ex-esposa - aceitou ajudar a sobrinha e o réu na aquisição do automóvel, visto que o financiamento não pôde ser realizado em nome do casal, tendo o demandante aceitado ser o proprietário registral do veículo. Alegou que "na conversa que o Autor e Réu mantinham sempre foi tratado a questão as claras, ou seja que o Tio Irineu, ora Autor, faria o financiamento e compraria o veículo e os sobrinhos, ora Réu, teriam a posse e usufruíam do veículo e pagariam as prestações do financiamento até final de todas as parcelas, arcar com os custos da manutenção do veículo, bem como todos os impostos, taxas e multas que viessem a incidir sobre o referido veículo".
A empresa Gambatto afirma que o demandante não foi vítima de nenhum ato ilícito praticado pelo estabelecimento requerido, tendo a negociação do veículo ocorrido de forma totalmente normal, visto que o autor contatou a empresa para adquirir um automóvel, sendo lhe oferecido o veículo Fiat Uno Way 1.0, descrito na inicia, e após a liberação de crédito, imediatamente houve a emissão da nota fiscal e preenchimento do DUT (Documento Único de Transferência) em nome do autor, bem como assinatura de ambas as partes no documento. "Insta ressaltar que o documento foi assinado na modalidade autêntica, ou seja, o autor e representante da ré Gambatto P1 se dirigiram pessoalmente à repartição pública (tabelionato de notas e protestos de São José do Cedro, SC e Passo Fundo, RS respectivamente) para assinar o documento e efetuar a transferência", de maneira que não há sequer início de prova quanto ao alegado vício de consentimento.
A instituição financeira, por sua vez, sustenta de sua ilegitimidade, visto que as negociações referentes à compra do veículo foram efetuadas junto à loja Gambatto, de modo que há duas relações jurídicas distintas, uma estabelecida com a revendedora e a parte autora e outra entre a financeira e o requerente, as quais não se confundem. Assim, "entende a ora contestante que não é parte legítima para figurar no polo passivo desta demanda, pois efetuou a contratação de acordo com as informações repassadas pela revenda, não podendo ser condenada por eventual desídia desta ou da parte autora que assinou contrato de financiamento em que figurava como financiado e não como avalista, que era o seu intento".
Pois bem.
O art. 171, inciso II, do Código Civil, estabelece que os negócios jurídicos serão anuláveis por vícios de vontade, quando resultarem de erro, dolo, coação, estado de perigo, lesão ou fraude contra credores.
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