Acórdão Nº 0301090-45.2015.8.24.0019 do Quarta Câmara de Direito Comercial, 03-03-2020

Número do processo0301090-45.2015.8.24.0019
Data03 Março 2020
Tribunal de OrigemConcórdia
ÓrgãoQuarta Câmara de Direito Comercial
Classe processualApelação Cível
Tipo de documentoAcórdão


Apelação Cível n. 0301090-45.2015.8.24.0019, de Concórdia

Relator: Des. Torres Marques

APELAÇÃO CÍVEL. EMBARGOS MONITÓRIOS REJEITADOS. IRRESIGNAÇÃO DO DEVEDOR.

ILEGITIMIDADE ATIVA. ALEGADA INEXISTÊNCIA DE ENDOSSO APTO A PERMITIR O MANEJO DA AÇÃO. INOCORRÊNCIA. PRETENSÃO FORMULADA PELA BENEFICIÁRIA DO TÍTULO. AUSÊNCIA DE MÁ-FÉ NO PREENCHIMENTO DA CÁRTULA. TESE AFASTADA.

CERCEAMENTO DE DEFESA EM DECORRÊNCIA DO JULGAMENTO ANTECIPADO DA LIDE. MATÉRIA EMINENTEMENTE DOCUMENTAL. ALEGAÇÃO DE VÍCIO NA FORMAÇÃO DO NEGÓCIO JURÍDICO SUBJACENTE DESTITUÍDA DE LASTRO PROBATÓRIO MÍNIMO. PROVA TESTEMUNHAL QUE NÃO SE REVELA IMPRESCINDÍVEL. TESE AFASTADA.

SUSTENTADA A OCORRÊNCIA DE DESACERTO COMERCIAL NA ORIGEM DO TÍTULO. CHEQUE EMITIDO EM BRANCO. INOPONIBILIDADE DAS EXCEÇÕES PESSOAIS AO CREDOR DE BOA-FÉ. PREENCHIMENTO PERMITIDO. ENTENDIMENTO DO STF E DO STJ. AUSÊNCIA DE IRREGULARIDADE. ÔNUS PREVISTO NO ART. 373, II, DO CPC. CÁRTULA EM PODER DO CREDOR QUE CORROBORA A PRESUNÇÃO DE INADIMPLEMENTO. EMBARGANTE QUE NÃO SE DESIMCUMBIU DO ÔNUS QUE LHE COMPETIA. OBRIGAÇÃO MANTIDA. PRETENSÃO NÃO ACOLHIDA.

RECURSO DESPROVIDO.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível n. 0301090-45.2015.8.24.0019, da comarca de Concórdia (2ª Vara Cível), em que é Apelante Ronaldo Ritter e Apelada Claudete Paludo.

A Quarta Câmara de Direito Comercial decidiu, por votação unânime, negar provimento ao recurso. Custas de lei.

Participaram do julgamento, realizado nesta data, os Exmos. Des. Sérgio Izidoro Heil e José Carlos Carstens Köhler.

Florianópolis, 3 de março de 2020.




Des. Torres Marques

PRESIDENTE E RELATOR


RELATÓRIO

Ronaldo Ritter interpôs recurso de apelação em face da sentença proferida nos autos da ação monitória n. 0301090-45.2015.8.24.0019, ajuizada por Claudete Paludo, cuja parte dispositiva restou assim decidida, na parte que interessa:


Ante o exposto, REJEITO os Embargos ofertados e, em consequência, JULGO PROCEDENTE o pedido monitório para constituir de pleno direito em título executivo o documento acostado à exordial (fls. 11-12), no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais), resolvendo o mérito da causa, nos termos do art. 487, inciso I, do Código de Processo Civil.

Condeno a ré/embargante ao pagamento das despesas processuais e honorários advocatícios, estes fixados na base de 10% (dez por cento) sobre o valor do proveito econômico obtido, nos termos do art. 85, §2º, do Código de Processo Civil (fls. 60/61).


Alegou o apelante, em síntese, que: a) a credora é ilegítima a demandar a cobrança do título, porquanto não houve o respectivo endosso e, portanto, não ficou demonstrada a legalidade na titularidade da cártula, até porque teria confessado ter recebido o cheque em negócio anterior firmado com terceira pessoa; b) a sentença deve ser anulada, uma vez que o julgamento antecipado da lide cerceou-lhe o direito de defesa e violou a proibição de prolação de decisão surpresa; e c) o cheque foi devidamente sustado em decorrência de desacordo comercial detectado junto ao terceiro Antônio Lentes (inicial beneficiário do cheque), e por isso a obrigação é indevida.

Requereu, diante disso, preliminarmente, o acolhimento da preliminar de ilegitimidade ativa e a consequente extinção do processo ou o reconhecimento da nulidade da sentença e a consequente remessa dos autos à origem para prolação de um novo julgamento, após a necessária instrução processual. No mérito, requereu o acolhimento dos embargos e a improcedência da pretensão monitória, mediante a inversão dos ônus sucumbenciais, além do prequestionamento dos dispositivos citados na peça recursal (fls. 65/84).

Apresentadas as contrarrazões (fls. 88/97), vieram os autos conclusos.





VOTO

Trata-se de recurso de apelação interposto por Ronaldo Ritter em face da sentença que rejeitou seus embargos monitórios e constituiu, de pleno direito, o cheque apresentado por Claudete Paludo em título executivo.

Diante da pluralidade de teses sustentadas no presente reclamo, em atenção à melhor técnica, passa-se à análise de forma individual.

Alega o apelante, em síntese, que a apelada é ilegítima para figurar no polo ativo da ação monitória, porquanto não demonstrada a titularidade da cártula por uma série ininterrupta de endosso.

Em análise do caso concreto, verifica-se que o cheque no valor de R$ 5.000,00 (emitido e pós-datado para 23/7/2014), na ocasião da juntada aos autos nominal a Claudete Paludo, com uma assinatura no verso e o comprovante de devolução pela instituição financeira em decorrência da alínea 21 (título sustado ou revogado).

Se o próprio apelante emitiu o cheque em branco (já que alega tê-lo sacado em benefício de Antônio Lentes – beneficiário inicial do cheque), submete-se ao ordenamento jurídico e ao entendimento jurisprudencial do STF e do STJ quanto à possibilidade de o terceiro de boa-fé preencher o título, dada a possibilidade de circulação da cártula.

Sobre o assunto:


[...] 3. Há muito a jurisprudência permite a existência dos chamados "cheques incompletos", quando emitidos com a omissão de um dos elementos constituintes obrigatórios previstos legalmente, permitindo-se seu preenchimento posterior pelo credor de boa-fé antes de sua cobrança. Nesses termos, veja-se o que consta na Súmula 387 do STF ("A cambial emitida ou aceita com omissões, ou em branco, pode ser completada pelo credor de boa-fé antes da cobrança ou do protesto").

4. O termo inicial da prescrição do cheque deve ser a data expressamente consignada no espaço reservado para a emissão da cártula, conforme consta em tese fixada no Tema Repetitivo nº 945.

5. "O interesse social visa, no terreno do crédito, a proporcionar ampla circulação dos títulos de crédito, dando aos terceiros de boa-fé plena garantia e segurança na sua aquisição".

6. Os riscos da emissão de cheque com claros recai particularmente sobre seu emitente, considerando que inoponibilidade de exceção de abuso no preenchimento do cheque quando ele é feito por terceiro portador de boa-fé.

7. Não pode o julgador deduzir a existência de má-fé pelo portador do cheque pelo simples fato do preenchimento da data de emissão ocorrer após a contraordem para revogação do cheque, a não ser que determine expressamente a existência de má-fé pelo exequente, ora recorrido.

8. Recurso especial conhecido e provido (REsp n. 1.647.871/MT, Rel. Mina. Nancy Andrighi, Terceira Turma, j. 23/10/2018).


A propósito, o cheque é pagável a pessoa nomeada (art. 17 da Lei n. 7.357/1985) e, emitido o título em branco, não se pode considerar ilegítima a detentora da cártula e exigir o endosso de quem nunca constou juridicamente no cheque, até porque ausente qualquer prova mínima a sustentar a má-fé da credora.

Afasta-se, diante disso, a suscitada ilegitimidade ativa da apelada.

Ademais, aventou o recorrente o cerceamento de defesa em decorrência do julgamento antecipado da lide, porquanto "o douto magistrado sequer analisou o requerimento de produção de prova formulado nos embargos à ação monitória, deixando o recorrente literalmente com as mãos atadas, sem a possibilidade de participar decisivamente na formação do convencimento do magistrado" (fl. 72).

Sobre a situação fática, narrou o apelante na origem:


Ao contrário do que sugere a Embargada, o cheque foi devidamente sustado por desacordo comercial tendo em vista que o Sr. Antônio Lentes (beneficiário originário do cheque) não concluiu a reforma da casa do Embargante nos termos em que fora pactuado pelas partes.

In casu, a obra resume-se na reforma do telhado e a construção de um muro na casa do Embargante, cujo início dos trabalhos ocorreu em fevereiro 2014.

Em contrapartida o Embargante emitiu o cheque pré-datado para apresentação no dia 23/07/2014 a pedido do Sr. Antônio Lentes.

Entre outros problemas notados pelo Embargante alguns dias após o término da obra, o telhado da casa onde reside atualmente apresentava inúmeras infiltrações gerando incontáveis goteiras por toda a casa.

Além disso, o telhado foi construído de forma tortuosa e irregular, nitidamente com técnica inferior a esperada.

Acontece que após várias tentativas amigáveis visando solucionar o problema, o Sr. Antônio se recusou injustificadamente a reparar defeitos existentes no telhado, razão pela qual o cheque foi sustado.

De qualquer forma, conforme será demonstrado a frente à pretensão da Embargada é infundada, razão pela qual se requer desde já a total improcedência da demanda.

[...]

Se não bastasse, após várias tentativas amigáveis para solucionar o problema, o Sr. Antônio se recusou injustificadamente a reparar defeitos existentes no telhado, razão pela qual o cheque foi sustado pelo Embargante, conforme será oportunamente demonstrado por meio da juntada de documentos e prova testemunhal.

Em razão disso se justifica a sustação do título, pois em face do descumprimento contratual envolvem-se gastos extras com a construção/reforma do telhado, além de ser uma forma lícita de compelir o beneficiário do cheque a reparar os defeitos decorrentes da má prestação de serviços.

Ora, se o prestador de serviços é o inadimplente, não pode ele exigir o cumprimento das obrigações assumidas pelo Embargante, a teor do artigo 476 do Código Civil.

Deste modo, o desacordo comercial restou plenamente demonstrado, fazendo com que fosse lícita a sustação do cheque pelo Embargante.

De outra ponta, não há nos autos qualquer prova de que a Embargada seja realmente credora, pois não se sabe como conseguiu ter a posse do cheque diante a ausência de endosso ou participação na relação jurídica primitiva.

Ainda, não resta configurada...

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